Memórias.
Charlie encarou o teto de seu quarto e soltou um suspiro pesado. Os últimos acontecimentos ainda o perturbavam, mesmo que alguns dos acontecimentos tivessem sido bons. Apesar de estar ali, em seu quarto, com um alinda mulher ao seu lado dormindo angelicalmente, ainda sentia-se vazio. Gostaria que David estivesse ali para ouvi-lo falar sobre como era amar outra vez, gostaria também que sua namorada — uma moça tão bonita e inocente — estivesse viva. Gostaria de ver seu filho realizando seus maiores sonhos e, entre eles, pedisse a jovem em casamento. Charlie sentia-se extremamente vazio quando se pegava pensando em seu pequeno David. O rapaz não merecia a morte que teve.
Após soltar um suspiro pesado, Charlie virou-se para o lado com um sorriso bobo brincando no canto dos lábios. Os cabelos loiros e levemente enrolados de Emma espalhavam-se por todo o travesseiro, deixando-a ainda mais bonita. Ela lembrava um anjo, ele arriscaria a dizer. Apenas em olhá-la, ele sentia a calmaria se apossar de seu corpo, assim como em anos atrás.
Charlie aproximou-se de Emma sem se importar se a acordaria ou não e, em um movimento leve e delicado, juntou seus lábios em um selinho rápido. O beijo fora rápido, porém fora o suficiente para ele sentir seus lábios formigarem e implorarem por mais enquanto seu coração batia fortemente dentro de seu peito. Com um sorriso no canto dos lábios, Emma abriu os olhos preguiçosamente e encarou o mais velho que tinha os olhos — extremamente azuis e brilhantes — focados nos seus. Charlie lembrava-se com clareza de como fora encarar os olhos de Emma pela primeira vez com outras intenções, não era fácil se controlar perto dela antigamente. Não que seja agora, porque, pelo contrário, tudo só complicara mais. Não era fácil ter uma loira daquelas ao seu lado e não poder fazer nada. Antes, ele não fazia por ser casado e ela ter um relacionamento estável com um de seus policiais há tempos. Agora, não fazia nada em respeito aos outros. Ninguém ali precisava saber a intimidade deles. Ninguém sequer precisava se lembrar do que havia acontecido há dez anos.
— Por que me olha assim? — Emma sussurrou enquanto, lentamente, se aproximava mais de Charlie e o envolvia pela cintura.
— Porque gosto de te olhar — ele respondeu em um tom tão baixo quanto o dela.
Emma sorriu fraco e fechou os olhos novamente. O sono não havia abandonado seu corpo por mais que tivessem que levantar em menos de uma hora.
Charlie a apertou mais contra seu corpo e encarou o teto novamente, lembrando-se de como fora ter os lábios de Emma sobre os seus pela primeira vez.
Um sorriso bobo se formou automaticamente em seus lábios.
Lembrava-se também como tudo aquilo havia começado, como haviam chego no primeiro beijo de verdade. Lembrava-se de como se provocavam, de como se olhavam. Lembrava-se melhor ainda do desejo que transbordava de seus olhos; o desejo que exalava por onde passavam, o desejo explícito num olhar mesmo que pessoas estivessem em volta, o desejo que dominava seus corpos quando estavam sozinhos mas eram orgulhosos demais para obedecer as vontades de seus corpos — e também queriam se manter fiéis a seus relacionamentos — e acabar com aquilo tudo. Charlie lembrava-se perfeitamente de todos aqueles detalhes.Flashback.
12 anos antes...
Emma caminhava pelos corredores com um sorriso tímido nos lábios. Sentia-se completamente realizada. Estava trabalhando na parte de sistemas na melhor delegacia da Inglaterra fazia exatos três meses. John Bonner estava ao seu lado e a informava sobre o famoso Charlie Raymond. John dizia que ele era "osso duro de roer", era raro sentir-se ameaçado, era raro vê-lo pegar leve com algum funcionário.
— Ele irá te tratar bem, pelo menos — John deu uma risada fraca e Emma o encarou arqueando uma das sobrancelhas. — Você é bonita, Emma. Charlie sabe, pelo menos, como tratar mulheres em geral. Porém — ele levantou um dos dedos quando a moça abriu a boca para rebater —, com mulheres bonitas ele se esforça mais.
— Eu deveria agradecer? — ela perguntou de forma firme, fazendo John sorrir mais uma vez.
Emma tinha personalidade. Aquilo podia notar de longe. Ela não era do tipo que caía na lábia de qualquer um tão fácil.
— Sim. — John respondeu após uns segundos e Emma revirou os olhos.
Ao notar que Emma não respondeu mais, John manteve-se em silêncio até chegar à porta de uma sala que, até então, era desconhecida para a moça que vivia no segundo e terceiro andar apenas decifrando códigos e mandando-os através de qualquer outra pessoa.
— É aqui que ele costuma ficar? — ela finalmente perguntou e John virou-se para ela.
— Sim — ele revirou os olhos. — Tinham salas melhores. Mas, de acordo com ele, aqui existe a paz que nos outros corredores não existe.
Emma deu de ombros e observou John dar leves batidas na porta.
Uma voz grave ecoou do lado de dentro mandando-o abrir a porta e entrar. Emma sentia seu coração bater mais rápido de nervoso, podia não mostrar para ninguém a sua volta, mas sentia-se completamente nervosa. Era a primeira vez que veria Charlie Raymond de perto e, todas as vezes que o viu de longe, ele não parecia tão simpático nem feliz. De acordo com John, Charlie a queria em um trabalho mais arriscado. Todos ali sabiam das habilidades que Emma tinha com outros tipos de trabalhos. Várias e várias vezes ela havia ajudado novatos a segurar uma arma com firmeza e segurança, assim como já cansara de ir até a outra parte de sistema e destravar computadores — ao que tudo indicava — "hackeados" para, assim, conseguir salvar informações que não poderiam sair na mídia. Charlie normalmente mandava agradecimentos e até mesmo pedidos de aumento de salário para as autoridades maiores, mas nunca pediu para vê-la. Ele sabia quem ela era. Ela sabia que ele já a havia visto pelos corredores.
Após respirar fundo e pela primeira vez demonstrar nervosismo para John, Emma entrou logo em seguida e fechou a porta atrás de si. Com um sorriso bobo nos lábios, John a puxou delicadamente pelo pulso e a pôs de frente para a mesa de Charlie.
— Emma Cobain. — A voz grave de Charlie soou pela sala, fazendo-a sentir um arrepio de medo, talvez, percorrer sua nuca.
Recuperando a postura e a forma firme de falar, Emma o encarou.
— Sim. — Ela disse sem deixar a voz falhar. Sabia que estava nervosa, mas teria que segurar seus impulsos para não fazer feio na frente das duas pessoas mais fodas que conhecia e já ouvira falar.
Charlie se levantou, finalmente, e estendeu a mão para ela. Emma apertou a mão do mais velho de uma forma tão firme quanto ele.
— Andou salvando os arquivos daqui mais uma vez? — Charlie perguntou sentando-se novamente e analisando os papéis em suas mãos. — Sentem-se, por favor.
John tinha um leve sorriso no canto dos lábios, mas Emma preferiu ignorá-lo e sentar-se como Charlie pedira.
— Não foi bem salvar os arquivos... — Emma começou timidamente, porém ainda firme — Eu só...
— Fez o seu trabalho? — Charlie a interrompeu e a encarou sério.
— É. — Emma respondeu dando de ombros e fitando qualquer outro ponto daquela sala. Sentia-se incomodada com o olhar invasivo que Charlie lhe lançava. Ninguém nunca a encarara daquela forma, nem mesmo seu namorado!
— Preciso que nos ajude a encontrar um assassino. — Charlie foi direto, fazendo John revirar os olhos.
— Não é bem isso — John começou. — Uma adolescente foi encontrada morta, recolhemos o corpo, retiramos as provas e tudo o mais. Sabemos que aquilo foi um assassinato — John encarou Emma sério. — Precisamos que dê uma olhada no computador da garota. Ela tem recebido e-mails suspeitos, precisamos saber de onde eles vieram e sabemos que isso é possível.
— Entendi — Emma mordeu o lábio. — Tragam o computador e eu resolvo.
— O computador já está aqui. Você vai resolver tudo aqui. — Charlie disse se levantando e pegando o notebook com adesivos de bandas e outras coisas coladas, entregando-o para Emma em seguida.
— Eu não sei se consigo resolver sozinha, posso levá-lo lá para cima? — ela perguntou e John mordeu o lábio inferior.
— Não, você não pode. — Charlie respondeu. — É um caso delicado. Não queremos mais gente envolvida. Digamos que... Você está em uma equipe especial. Se precisar de alguma coisa, fale com um de nós — ele apontou para si mesmo e para John. — Mas eu tenho certeza que consegue isso sozinha, Cobain. Não deve ser tão complicado para alguém tão inteligente.
— Tudo bem. Para quando vocês querem isso? — Ela perguntou alternando o olhar para os dois homens presentes.
— Hoje — John murmurou e ela arqueou uma das sobrancelhas.
— Quanto tempo isso leva? — Charlie perguntou.
— Depende... — ela encolheu os ombros. — Algumas horas, talvez.
— Te dou uma hora — Charlie rebateu e ela arregalou os olhos levemente.
— Duas. — Ela pediu.
— Uma hora e meia. — Charlie a encarou e John suspirou.
Sabia que Charlie queria testar a moça, mas sabia também que ele estava pegando pesado. Não deveria ser fácil fazer aqueles tipos de coisa em tão pouco tempo.
— Certo. — Emma respondeu, deixando John um tanto quanto surpreso. Outra pessoa em seu lugar teria reclamado e chorado para Charlie aumentar as horas até que ele desistisse de tal pessoa e chamasse outra.