Consequências. Era tudo o que Fátima pensava desde que botara os pés dentro de casa depois do dia cheio que tivera. Quais seriam suas consequências por agir da forma que estava agindo? Quais seriam as consequências se ela realmente fizesse o que tinha em mente? Ela sabia que tudo o que fazia no jornalismo — tudo bem, não só nele — tinha uma consequência ruim e uma boa; a boa sempre era a que suas matérias rendiam e o povo adorava, já a ruim era sempre um problema, fosse ele pequeno ou não, fácil de resolver ou não. Naquele momento, não era tão diferente. Só que não seria somente uma parte ruim, um só problema ou uma só pessoa magoada ou machucada ou triste ou algo assim. Seriam mais pessoas e ela mesma estava incluída naquele meio. Mas, como sempre gostava de reforçar, se fosse para fazer o bem, abriria mão de sua própria felicidade. Essa sua atitude podia ser descrita com uma frase de algum Iluminista que ela não se recordava no momento: "Posso não concordar com nenhuma palavra do que você disse, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo"¹. Era exatamente desta forma que ela se sentia. Não concordava com o que estava fazendo, mas precisava fazê-lo pelo povo. Precisava informar toda aquela gente sobre todas as maldades que estavam cercando a grande Londres, precisava mostrar a eles a realidade, a verdade. Sentia-se na obrigação de fazer aquilo tudo. Escolhera o Jornalismo para isso. Não tinha sido à toa seus anos de estudo. A parte investigativa também fora escolhida para ajudar as pessoas que a cercavam. Tudo o que mais desejava desde a morte de seu pai, fora justiça. Aquele povo inglês tinha tudo, tudo, menos justiça. Não eram informados corretamente, não tinham noção do que estava cercando a cidade, não tinham noção de nada. Seu trabalho, como jornalista, era informá-los, contar-lhes a verdade. Portanto, não seria certo ela deixar passar aquela chance que simplesmente batera em sua porta. Deixaria a matéria pronta, contando detalhe por detalhe de tudo o que estava acontecendo, escrevendo um pouquinho mais a cada dia, até o fim de toda a investigação de Charlie. E, em seguida, assim que Charlie desse a autorização necessária, publicaria. Mandaria para todos os jornais possíveis. Faria algo que não estava acostumada a fazer, compartilharia a notícia com qualquer um que a aceitasse. Mas faria as pessoas daquele lugar descobrirem a verdade, faria todos enxergarem que admiravam a pior — ou seriam as piores? — pessoa de toda a Inglaterra.
Uma música conhecida ecoou pelo local tirando Fátima de seus devaneios e, com o coração acelerado pelo leve susto que tomara, caminhou calmamente até a mesinha de centro em sua sala, onde seu celular estava. Pegou-o e encarou o visor, revirando os olhos em total impaciência. Crowley não parava de perturbá-la fazia dias. Ela não aguentava mais aquilo tudo! Oras, aceitara seu acordo, estava mantendo-o seguro com as poucas pessoas de segurança que conhecia, já havia pego todos os documentos, já havia deixado tudo com Charlie. Por que diabos ele insistia em ligar para ela tantas vezes por dia?
— O que é, Crowley? — ela atendeu, bufando em seguida. Mas não obteve resposta, desta vez. Revirou os olhos novamente e esperou a boa vontade de Crowley responder, o que não aconteceu. Deixou mais alguns segundos se passarem e suspirou. — Crowley? — chamou mais uma vez. — Se não disser nada irei desligar!
— Era tudo o que eu precisava saber — uma voz completamente diferente da de Crowley ecoou do outro lado da linha. Sentiu o coração subir para a garganta e o ar lhe faltar ao reconhecer a voz — o que não era tão difícil já que ouvia aquela voz todos os dias.
— Quem está falando? — ela perguntou com a voz trêmula. Ela sabia quem estava falando. Só... Não queria assumir que fora pega.
— Você sabe quem é, Bernardes — ele respondeu e Fátima jurou que pôde vê-lo revirando os olhos. — Aliás, continue confiando nele. O Crowley pode estar falando a verdade, não é mesmo? — ele deu uma risada fraca do outro lado.
Fátima fechou os olhos e passou as mãos nervosamente pelos cabelos. Aquilo não podia estar acontecendo!
— William, por favor... — ela tentou falar, mas já era tarde. O telefone já havia sido desligado. Ainda com o coração a mil, Fátima encarou o aparelho em sua mão trêmula e não demorou muito para digitar os números do telefone de Crowley, que ela já havia decorado.
Um, dois — Freddy vai te pegar...² —, três, quatro — é melhor trancar o quarto!² — toques e nada. Ninguém atendeu. Ainda com um pouco de esperança, Fátima esperou mais alguns segundos, até o telefone cair em caixa postal. Com uma raiva que ela, até então, desconhecia, jogou o celular em direção à parede com toda a força que tinha e abafou um grito de ódio. Milhares de perguntas bombardeavam sua cabeça, a raiva estava dominando-a de uma forma incrível, deixando seu coração extremamente acelerado. Estava vendo a hora que cairia dura no chão de sua sala por ter um ataque cardíaco. Sentou-se em seu sofá e pensou no que poderia estar acontecendo. William poderia ter encontrado Crowley e pego seu celular para ameaçá-la ou apenas mostrá-la que estava com ele. Agora, por quê? Por que William faria aquilo? Por que William pegaria Crowley tão rapidamente? Por que a ligaria? Para ter uma certeza de que ela estava envolvida com Crowley? Para mostrar que ela não mandava em nada e, comparado a ele, era uma novata naquela coisa de assassinato e investigação?
Naquele momento, a cabeça de Fátima trabalhava a mil. O que diabos está acontecendo nesse lugar?, seu cérebro gritava essa pergunta mais que qualquer outra coisa. O que ela... Faria com William sabendo do que estava acontecendo? O que ela faria se ele decidisse vir atrás dela? Como ela o encararia na frente de Charlie? Ou melhor, como contaria a Charlie sobre isso? Deus! Estava confusa. Perdida. Desesperada. Tonta. Não podia de estressar, não podia... Fazer esforços. Ela... Droga, ela está carregando uma criança dentro de si! Mais uma vez! Porém, daquela vez, diferentemente das outras, ela estava grávida de um possível... Assassino. Não importava mais se William era culpado pelos assassinatos que vêm rondando Londres ou pelo — possível — assassinato de Crowley, porque, oras, se William estava com ele, ele não sairia vivo de lá! Como diabos ela assumiria para ele ou para qualquer outra pessoa que estava grávida? Por mais que talvez ela não fosse conseguir segurar a criança dentro de si até o nono mês, como ela encararia as pessoas? E se William realmente fosse o culpado? O que seria da vida dela? E seus sonhos? E as investigações? Céus! Ela estava perdida, completamente perdida.