O rapaz não muito alto atravessou os imensos portões da mansão abandonada, porém muito bem cuidada, e trancou-os logo após. Tirou os óculos escuros que usava e o colocou na blusa, caminhando em direção a porta principal da mansão.
Tinha problemas para resolver. Muitos problemas e, um deles, era o nosso famoso William Bonner. Mas isso não vem ao caso agora.
— Achei que não viria mais — um dos homens presentes soltou uma risada fraca e colocou o charuto entre os lábios novamente, sugando-o com vontade.
O outro mordeu o lábio.
— Achou que eu não viria? — revirou os olhos e o mais velho, do charuto, dera uma risada fraca. — Falhamos de novo...
— Não — o mais velho soltou o charuto e se levantou. — Você falhou de novo.
— Olha, Senhor... — rapaz começou nervoso, porém um grande barulho naquela sala o fizera calar a boca. Outro homem adentrara o lugar.
— Por que diabos aquele policial de merda ainda está vivo? — perguntou, bufando.
— Os caras falharam de novo. Dois deles morreram, os outros dois estão presos — respondeu o rapaz mais novo.
— Você disse que eles não falhariam mais — disse entre os dentes o homem que aparentava ter, pelo menos, uns trinta e dois anos.
— Eles me garantiram que não iam falhar mais — rebateu o mais novo de todos. — Garanto que se os outros que temos não fizerem direito, eu mesmo acabo com o policial.
— Assim espero, meu jovem — respondeu o mais velho de todos, sentando-se novamente e puxando seu charuto.
Os mais velhos começaram a conversar de coisas inúteis — ao os ouvidos do mais novo, é claro — num canto da sala. O mais novo sentou-se em uma poltrona quialquer e encarou o nada.
Sentia-se arrependido às vezes.
Só às vezes.
Owen Mangor não precisava daquilo tudo. Muito menos Paul. Mas era necessário.
Flashes passeavam por sua cabeça.
— Hora de dar tchau, senhora Mangor — ele murmurou.
Balançou a cabeça negativamente querendo afastar aquilo. Ele... não tinha culpa. Seria perdoado depois... Não seria?
E mais um flash se passou.
— Não... Você não pode fazer isso... — Paul gritou para o homem que já conhecia há meses.
— Eu posso e vou — murmurou o rapaz que segurava a faca firmemente.
— Pensando no que fizera, meu Jovem? — perguntou um dos homens sentando-se em seu lado fazendo-o se assustar um pouco.
— Sim — respondeu com um sorriso no canto dos lábios. — E não me arrependo — se apressou em responder.
— Você é forte — o homem sorriu. — E isso te faz diferente dos outros que já passaram por aqui e desistiram antes de chegar ao fim. Você não — ele abriu mais seu sorriso. — Gosto de você, jovem.
— Que bom — ele murmurou sem jeito. Sempre ficava sem jeito com elogios, sempre. Ainda mais quando era elogiado por seus chefes. E, pior! Quando era elogiado por matar. Por torturar. Por fazer todos sofrerem. Por ameaçar. Por tudo o que há de ruim. Mas, por incrível que pareça, ele não se sentia mal com aquilo. Se sentia perfeitamente bem. Era algo normal, comum. Ouvir tais elogios fazia qualquer pontada de arrependimento sumir, ele era reconhecido pelo que fazia e gostava daquilo. E tais elogios traziam-lhe uma calmaria imensa... Traziam-lhe... Paz. Torturar, ameaçar, fazer sofrer, fazer mal, matar e depois ser elogiado e reconhecido lhe trazia paz. Sim, paz. Como é possível alguém sentir-se em paz por fazer tantas coisas ruins? Ele era humano. Deveria se sentir pelo menos um pouco culpado... Não? Sim! Óbvio que sim! Ele deveria sentir algo! Mas... não sentia. Como se algo tivesse possuído seu corpo e feito sumir o rapaz doce e bondoso de antes. E, mais uma vez, por incrível que pareça, ele já foi doce, gentil, bom, feliz e amado. Já foi amado, já amou. Já foi... normal. E hoje ele é esse monstro. Mata por puro prazer e... dinheiro. Agora, a pergunta que paira sobre as nossas cabeças: por quê?
***
— Obrigada, Emma — Fátima sorriu pegando os cadernos das mãos de Emma, que acabara de entrar em sua redação. Era manhã. Estava tudo calmo, ainda. Todos dando as últimas olhadas nas matérias, escrevendo textos de luto para Paul e etc.
— Por nada, querida — Emma sorriu. — Agora preciso ir. Tenho que passar na minha casa ainda — ela soltou um suspiro.
— Tudo bem... — Fátima mordeu o lábio. — Emma?
— Sim? — Emma perguntou, se virando para Fátima novamente.
— O que aconteceu essa madrugada? — perguntou, direta.
— Jornalistas — Emma balançou a cabeça negtivamente. — Passe lá no prédio mais tarde e tente conseguir uma entrevista com o Bonner. Ele te contará com mais detalhes já que o atentado foi em cima dele.
— O quê? — Fátima perguntou, quase gritando e arregalando os olhos. — O Bonner sofreu um atentado? Como assim?
— A gente saiu da casa do Paul, ele me deixou em casa e quando estava indo para a dele dois carros foram atrás dele... E aí ele me ligou e eu consegui localizá-lo e... Bem, vá até lá e tire suas dúvidas! — Emma sorriu fraco. — Só você sabe disso agora. E como desconfiou de algo?
— Tentei te ligar ainda de madrugada. E você não atendia — Fátima deu de ombros. — E ouvi uns barulhos de tiros um bocado longe. Fiquei curiosa — ela mordeu o lábio inferior. — E como você acabou de dizer que não estava em casa... Bom...
— Tudo bem — Emma riu fraco. — Apareça lá e diga que eu a convidei.
— Certo. Até mais — Fátima tentou sorrir, mas estava tensa demais para isso.
— Até — Emma acenou e passou pela porta da redção sem olhar para trás.
Fátima correu para sua sala e releu sua matéria o mais rápido que conseguiu. Ela falava sobre a morte de Paul. Mas não era bem isso o que ela realmente queria escrever, comentar, investigar... Ela queria saber de Bonner. Digo... Não saber dele, mas saber do atentado em cima dele. Aquilo sim deveria ser fascinante de cobrir, investigar, comentar, escrever... Afinal, estaria com William Bonner. O ser mais enigmático e inteligente de toda a grande Londres. Ela não gostava dele e deixava isso bem claro, mas não podia negar que o cara era inteligente e... cobiçado. Não, não cobiçado pelas mulheres. Mas sim pelos caras que estavam por trás do outros dois assassinatos. E não havia dúvidas. O tirando do caminho, eles poderiam matar quem quisessem sem serem descobertos. Mas, pelo jeito, falharam de novo. E tentariam de novo. Mas, quem sabe, se Fátima se metesse ela não poderia arrancar alguma coisa? Ela poderia ajudar, isso é fato! Poderia cobrir tudo e arrancar inúmeras informações. E isso daria um up em sua carreira. Seria ótimo. Para os dois lados.
Falaria com Bonner à tarde. Ele querendo ou não.
Fátima pegou sua bolsa e saiu de sua sala, trancando-a em seguida. Horário de almoço. Ótima hora para se esbarrar com Bonner no restaurante que ele sempre ia com Emma.
Ela sorriu para Claire quando passou por ela e saiu da redação apressada, indo direto para o estacionamento. Abriu o carro e o ligou, sem nem ao menos esperá-lo esquentar um pouco — o que não era necessário com um carro daqueles, mas era sempre bom evitar danos... — arrancou e andou um bocado acima da velocidade. Não queria pegar trânsito e muito menos ter que chegar depois de Bonner. Chegariam praticamente juntos, pelas contas dela.
Depois de pouco mais de dez minutos, Fátima parou o carro em uma calçada qualquer. Pegou a bolsa e jogou em cima do ombro, segurando seu bloquinho de papel e uma caneta. Fechou o carro e ativou o alarme.
Logo virou-se para o restaurante do outro lado da rua e pôde ver Bonner rindo de qualquer besteira. Estava com uma calça jeans um tanto quanto apertada — a qual deixava sua cueca à mostra —, uma camisa social quadriculada em branco, verde e azul e outra camisa fina por baixo totalmente branca, um óculos escuros nos olhos e, então, o olhar de Fátima caiu no ombro e braço de Bonner: ele usava uma tipóia azul escura. Apenas a tipóia então, de fato, machucara o ombro na perseguição da noite anterior.
Por alguns segundos Fátima sentiu-se perdida em Bonner e, em seguida, seus pulmões imploraram por ar; ela havia segurado a respiração, automaticamente, apenas em vê-lo.
Balançou a cabeça levemente e atravessou a rua.
Assim que Fátima passou pela porta do restaurante sentiu os olhos de William em cima de si e comemorou por dentro. Avistou Emma sentada na mesma mesa que William e acenou para a loira, que sorriu e chamou-a com a mão.
Fátima balançou a cabeça negativamente e continuou andando. Emma revirou os olhos e chamou-a novamente.
Fátima sorriu de lado e caminhou até a mesa.
— Que surpresa vê-la por aqui! — Emma disse sorrindo e se levantando para cumprimentá-la.
— Pois é — Fátima murmurou fingindo, sim, findindo, estar envergonhada e William revirou os olhos.
— Sente-se conosco! — Emma pediu... Inocentemente.
— Emma, por favor... — William murmurou insatisfeito.
— Cale a boca, William — Emma pediu dando risada e os outros dois rapazes presentes também riram. — Sente-se, por favor.
— Não será necessário, Emma — ela sorriu. — Eu só tomarei um café e...
— Você veio aqui só para tomar um café? — William se meteu arqueeando uma das sobrancelhas e ela revirou os olhos.
— Você nem ao menos me deixou concluir a frase, Bonner — ela revirou os olhos novamente. — Enfim. Vim para tomar um café e tentar falar com você.
William olhou em volta e os outros três amigos já conversavam sobre qualquer outra besteira animadamente.
— Comigo? — ele perguntou apontando para si mesmo.
— É, Bonner. Você — Fátima respondeu suspirando. Ele a irritava.
— Sobre o que? — ele perguntou curioso.
— Posso? — ela apontou para a única cadeira que restava: entre Bonner e Emma.
— Pode, né — ele deu de ombros e, em seguida, fez uma cara de dor e Fátima riu. — O que é? Rir da desgraça alheia não é nada legal.
— Quando a desgraça acontece com você, sim, é muito legal rir — ela rebateu e Emma riu alto.
— Até você, querida Emma? — ele perguntou frustado.
— Desculpe... não deu para segurar — ela se encurvou e passou por Fátima para apertar as bochechas de William, que revirou os olhos.
— Tá, tá. Façam os pedidos — William desconversou e pediu para Emma e os outros dois rapazes.
— Certo — Emma sorriu e chamou o garçom para a mesa. Todos fizeram seus pedidos e William se virou para Fátima.
— O que quer falar? — perguntou.
— Pode me dar uma entrevista? — ela foi direta e ele arqueeou as sobrancelhas.
— Qual parte do eu não quero meu nome nas suas matérias você não entendeu naquele dia? — ele a respondeu com outra pergunta.
— Mas, Bonner, você já sabe o que realmente aconteceu e...
— Tá, não. — Ele respondeu e encarou o garçom que colocava o seu pedido na mesa.
— Bonner eu já sei do seu atentado. Custa me dar uma entrevista para falar sobre e...
— Mas meu Deus, garota — ele se virou para ela. — Eu já disse que não. E eu não quero falar sobre o que aconteceu. Entendeu ou quer que eu desenhe?
Fátima engoliu seco e suspirou. Emma e os outros rapazes ficaram tensos de repente. Claro, quem não ficaria tenso depois de ouvir William tratar uma mulher daquela forma? Ele, apesar de tudo, não era tão... Monstro, por falta de palavra melhor.
— Certo — ela murmurou e pegou dinheiro em sua bolsa, deixou em cima da mesa para pagar seu café e se levantou.
— Fátima... — Emma chamou.
— Até mais, Emma — ela a cortou. — E foi bom ver vocês, Ernesto e David — ela enfatizou bem os nomes dos garotos e saiu andando. A raiva estava começando a tomar conta de seu corpo.
Bonner era um brutamontes. Sem mais.
— Desgraçado. Infeliz. Idiota. Burro. Filho da puta. — Ela murmurava enquanto tentava achar as chaves do carro. — Mas que porra! — ela quase gritou ao não encontrar as chaves. — Culpa sua, Bonner. Tudo culpa sua. Infeliz. Babaca. Filho de uma boa...
— Nossa, é assim que você me vê? — Ela ouviu a maldita voz rouca e baixa de Bonner atrás de si e corou automaticamente. Não era legal quando a pessoa que você estava xingando e culpando por tudo ouvia.
— Te vejo pior — ela respondeu seca e, finalmente, encontrando a chave. Abriu a porta do carro.
Bonner deu dois passos e, com a mão livre, fechou a porta do carro fazendo-a virar-se totalmente irritada para ele.
— Eu vou te dar a entrevista, antes que você me mate pelo que eu acabei de fazer — ele levantou a mão.
— Não quero mais, Bonner. Obrigada — ela revirou os olhos e abriu a porta do carro novamente, esquecendo-se totalmente que seria ótimo conseguir essa entrevista. E não era só para ela.
— Ah, quer sim. Deixe de ser orgulhosa — ele fechou a porta novamente e puxou seu braço. — O orgulhoso daqui sou eu.
Ela respirou fundo e fechou as mãos com raiva.
— Amanhã às nove, aqui mesmo. — Ela murmurou pausadamente e ele deu-lhe um sorriso torto, fazendo-a se perder como quando o viu pela primeira vez naquele dia.
— Não me atrasarei, prometo — ele piscou um dos olhos. — E espero que não faça o mesmo.
— Pode deixar — ela respondeu, sentindo seu corpo mais relaxado. — Agora tchau, brutamontes — ela disse sussurrando a última palavra.
Bonner estreitou os olhos e a segurou pelo braço novamente.
— O que você disse? — ele perguntou e ela riu, debochada.
— Nada, querido — ela ironizou a frase ainda com um sorriso debochado nos lábios. Se soltou da mão de Bonner e entrou no carro em seguida. — Tchau, Bonner!
E, então, ela arrancou com o carro. Deixando, desta vez, ele parado com cara de idiota.
William bufou e atravessou a rua novamente entrando no restaurante.
— Nunca mais me peça para ir atrás dela pra alguma coisa. E muito menos se aproveite desses meus pequenos momentos de fraqueza para conseguir o que quer com essa cara de anjo, Emma — ele disse ao chegar na mesa e sentar novamente.
— Você não deveria tratá-la assim. Ela é uma boa moça — Emma respondeu dando de ombros.
— Mesmo depois do que ela fez? — Ernesto se meteu dando um gole em seu suco.
— Mas não foi ela, cara — foi a vez de David falar. — E ela já provou que foi o tal revisor dela.
— Aleluia alguém concordando comigo! — Emma levantou as mãos e juntou-as, como se fosse rezar.
Os outros três riram e voltaram a comer e conversar sobre qualquer outra coisa.