O rapaz de cabelos claros se remexeu na cadeira novamente. Queria sair dali, queria gritar, queria chamar por seu pai e seus amigos, queria tudo. Menos morrer. E ele sabia que isso aconteceria se ele não agisse rápido, se ele não pensasse rápido da forma que fora ensinado, treinado, por seu pai e os outros mais velhos da polícia.
Olhou para os homens que conversavam do outro lado do "salão" e suspirou. Ele tinha que ser mais rápido do que pensara. Tinha que conseguir apenas alguns segundos de diferença, talvez, e ele salvaria sua vida e entregaria o desgraçado que está destruindo e assustando toda a Londres. Agora, se ele realmente ia conseguir aquilo, nem ele mesmo sabia.
Fechou os olhos por dois segundos e respirou o mais fundo que conseguiu. Tinha que ser discreto e observador mais do que nunca.
David fechou as mãos com força e puxou os braços, logo mordeu o lábio inferior com força. Estava amarrado com vários nós, provavelmente. Porém não se importou, só queria soltar seus braços e seus pés para sair dali vivo. Ferraria com a vida desses caras se conseguisse sair de lá. E seu pai ia adorar saber quem está por trás disso tudo.
David puxou o braço novamente, abafando um gemido de dor. Sentia seus pulsos começarem a arder, sentia que logo, logo, os cortariam. Mas quem liga pra alguns malditos cortes nos pulsos quando se é para salvar a própria vida? Ele que não.
Tentou de novo. E de novo. De novo. Mais uma vez. Nada. As cordas estavam apertadas demais e seus pulsos, com certeza, já estavam cortados e o desespero tomava conta de seu corpo, o medo lhe invadia. O fazia tremer e querer chorar. Ele sentia que a morte estava próxima. Sentia que não iria aguentar, se não fosse assassinado ali, morreria por si só; puxaria seus pulsos até que os cortasse e perdesse bastante sangue. Era, de fato, impossível soltar àquelas cordas.
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— Se esses caras matarem o David... — Charlie começou e William logo o interrompeu.
— Eles não vão matar o David, droga!
— Você não tem certeza de nada, William! — Charlie rebateu.
— Eles não vão matar o filho do chefe. Eles querem nos dar um susto! E nós nem sabemos se são as mesmas pessoas que estão matando por aí — William praticamente gritou.
— Parem vocês dois! — Emma disse alto e se levantando. — De que vai adiantar brigarmos agora? Foda-se se são as mesmas pessoas ou não — ela olhou para William e depois voltou o olhar para Charlie. — Sabemos o quanto é difícil, Char. Você tem que se controlar! Nós vamos dar um jeito nisso, caramba! Só precisamos agir com calma. Qualquer passo em falso pode custar a vida de David.
— Claro, e qual será o primeiro passo, querida Emma? — William perguntou, pela primeira vez naquele dia, irônico.
— Cadê o bilhete, Char? — ela ignorou Bonner e se virou para o chefe. — Ele deixou um maldito bilhete, não foi? — Ela perguntou, mais alto, para atrair mais atenção do chefe.
— Aqui — Charlie disse suspirando e jogando o papel amaçado em cima da mulher, que engoliu seco assim que o abriu.
— Você leu isso, William? — ela perguntou mordendo o lábio inferior.
— Não — William respondeu, revirando os olhos. — Leia em voz alta.
— Acho melhor não... — ela olhou para Charlie de relance.
— Leia, Emma — Charlie se meteu. — Eu já li e reli isso aí trezentas vezes.
Emma respirou fundo e encarou papel em suas mãos, olhou para os dois homens presentes e começou:
— "Eu avisei, bonitinhos. Estou de volta. Primeiro a linda Owen Mangor, depois o querido revisor da senhorita Bernardes... E, bom, chegou a hora de outro de vocês – já que o nosso querido Bonner continua entre nós. Acho que agora vocês podem me levar à sério, não é mesmo?" — Emma finalizou, respirando fundo.
Estava, de fato, com medo. E não era a única.
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David sentia a corda ficando mais frouxa em seus braços, e sentia também o sangue escorrer por seus pulsos. Sabia que aquilo aconteceria mas não se importava, queria dar um jeito de soltar as mãos, assim ele conseguiria fugir... Ou não. Tudo ali girava em torno das possibilidades, fossem elas mínimas ou não. Ele teria que arriscar de qualquer forma para não se arrepender depois, para não dizerem depois — caso ele morresse sem arriscar — que ele nem sequer lutou por sua vida. Tudo bem que quem quer que fosse dizer isso, não teria uma prova viva de que ele não lutara, já que não havia mais ninguém ali além dele, os três velhos — muito conhecidos, até, e não só por ele — e o outro rapaz, talvez empregado deles, talvez o mandante de tudo... enfim. Seja lá o que forem, são quatro imbecís. Ou nem tanto. Certo, eles são inteligentes o suficiente para mantê-lo ali. Mas ainda assim, imbecís. Idiotas. Eles serão pegos cedo ou mais tarde, ainda mais depois de sequestrar o filho do chefe dos chefes da polícia! David morrendo ou não, Charlie vai preparar sua melhor equipe para tratar desses homens idiotas que, além de sequestrá-lo, mataram pessoas importantes na sociedade inglesa. E, com certeza, se não os pegarem agora, eles irão continuar e matar pessoas mais importantes ainda. Basta pagar para ver e juntar as peças do quebra-cabeça erradas. Mas acho que, para a equipe que Charlie montar, isso será impossível.
David balançou a cabeça levemente e encarou os homens do outro lado, que ainda conversavam. Teria tempo... Se as cordas não fossem tão apertadas e ele não estivesse perdendo mais tempo que deveria com aquilo.
Em um movimento rápido e muito doloroso — só para frisar — David conseguiu romper as cordas, ganhando um corte maior e mais fundo no pulso direito de brinde, mas isso não foi o pior; O pior foi o gemido que ele não conseguiu segurar por conta da dor, atraindo os olhares dos homens.
— Droga — ele murmurou e fechou os olhos, abrindo-os dois segundos depois. Numa rapidez mais que incrível, ele soltou os braços da corda, e pôde ver o quanto estava machucado. Mas não se importou. Tinha que correr e ir para um lugar mais seguro e se proteger das balas que provavelmente sairão das armas carregadas dos homens que corriam em sua direção.
David por sorte conseguiu soltar seus pés também e correu para um lugar um tanto quanto mais distante de onde os homens estavam, ainda no salão.
David se jogou atrás de umas tralhas quaisquer que estavam por lá, para se proteger dos tiros e procurou com os olhos, desesperado, por qualquer coisa que pudesse se defender, qualquer coisa. Mas parecia que eles já sabiam que aquilo poderia acontecer e tiraram qualquer coisa de lá.
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William, Emma e Charlie sentiam suas cabeças doerem de tanto que tentaram pensar; pensar em quem poderia fazer aquilo; pra onde poderiam levar David; o que poderiam fazer; o que estavam fazendo.
Duas batidas na porta foram ouvidas.
— 'Tá aberta — Charlie disse num tom alto o suficiente para a pessoa do outro lado ouvir.
— Estão ocupados demais? — Ernesto perguntou botando somente a cabeça para dentro da sala.
— Não, entra aí — Charlie respondeu e suspirou.
— Bom... Notícias... Sobre o David — Ernesto murmurou fechando os olhos.
— Ah, Deus, fale logo — Emma se levantou para se virar para o rapaz de cabelos bagunçados e olhos fundos; não dormira a noite inteira e trabalhara o dia inteiro.
— Eu... — ele engoliu seco e soltou um suspiro pesado. — Não sei como falar isso.
— Não enrola mais, Ernesto — William murmurou, em choque. Ele já sabia o que era. Só queria ouvir da boca do melhor amigo para ter certeza.
— Mataram ele — Ernesto disse de cabeça abaixa.
Emma levou uma das mãos à boca com os olhos lacrimejantes, já William, apenas trincou os dentes com força, tentando segurar qualquer lágrima que pensasse em cair de seus olhos. Já Charlie tinha as mãos fechadas com força, os olhos fixos nos papéis em cima da mesa e seus olhos estavam... arregalados. Talvez arregalados pelo horror por notar, finalmente, que esse tal assassino não está de brincadeira ou talvez pelo susto de notar que perdera mais uma pessoa.
— Eu quero a melhor equipe pra isso — Charlie disse se levantando e secando os olhos com as costas das mãos, já que as lágrimas rolaram. — E eu vou escolher — ele continuou ao notar que William falaria algo. — Quero os melhores investigadores, melhores policiais, melhores peritos, os melhores em tudo. Quem matou o meu filho vai pagar por isso — ele fez uma pausa e encarou todos presentes naquela sala dando um sorriso de canto (o qual qualquer um julgaria diabólico) e finalizou: — Nem que seja com a própria vida.
E que comece o jogo.
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— Eu já escolhi quem fará parte dessa nova equipe — disse Charlie para Emma que terminava de analisar alguns papéis.
— Charlie... — ela começou, deixando os papéis de lado — Espera um tempo. Depois você começa isso.
— Eu não quero esperar. Alguém tem que dar um jeito em quem está fazendo isso, Emma — ele suspirou. — Hoje foi o meu filho, amanhã pode ser um de vocês, depois de amanhã pode ser uma outra pessoa importante. Está todo mundo em perigo agora. Ele matou o David — Charlie deu uma pausa e engoliu seco — para nos mostrar do que é capaz. E eu não quero mais pessoas morram agora, tudo bem?
— Eu entendo você — ela suspirou e se levantou. — Mas não deixa isso subir a cabeça. Não faça besteiras.
— Não farei — ele murmurou dando um sorriso fraco. — E, Emma, entre em contato com Fátima Bernardes.
— Pra que? — a loura perguntou arqueando uma das sobrancelhas.
— Precisaremos dela — ele respondeu simplesmente.
— Mas...
— Sem questionar, por favor. Só peça para ela entrar em contato comigo o mais rápido possível — ele finalizou e saiu da sala deixando Emma totalmente confusa.
Emma soltou um suspiro pesado e pegou o telefone, falaria logo com Fátima antes que aparecesse mais trabalho.
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— Ele tentou correr — Ernesto murmurou encarando o chão do salão abandonado.
— É, notei — William respondeu suspirando. Aquilo ali não era bem sua especialidade, mas estava na cara que David havia tentado correr. — Eu só queria entender uma coisa: por que diabos eles mandaram o endereço de onde estava o corpo se a intenção deles era, sei lá, ficar com o David por um tempo?
— Eu não sei — Ernesto suspirou. — Sinceramente, não sei. É estranho a forma deles agirem. Eles mandam bilhetes, nos dão o endereço do corpo quando está muito longe de nós, nos mostram fotos das armas usadas... Eu acho que eles querem ser pegos, isso sim.
— Ou fazer a gente acreditar nisso e nos pegar — William encarou o amigo que tinha os olhos presos no nada, como se estivesse refletindo sobre o que acabara de falar.
— Talvez — Ernesto murmurou suspirando. — Posso mandar levarem logo o corpo? Quero dar uma olhada.
— Claro — William respondeu dando uma risada fraca. Ernesto tinha essa mania. Não importava quem havia morrido, ele sempre queria observar os corpos mais de perto em seu laboratório com alguns outros especialistas, o contrário de William que preferia não olhar os corpos quando eram de conhecidos.
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— O que Charlie Raymond quer comigo? — Perguntou Fátima piscando algumas vezes e ajeitando o telefone em seu ombro, enquanto mexia em alguns papéis.
— Eu não faço ideia. Ele apenas pediu para que eu entrasse com contato com você o mais rápido possível — Emma respondeu do outro lado da linha.
— Passarei aí amanhã cedo, então.
— Não tem como vir ainda hoje, Fátima? — Emma pediu, tensa.
— Mas o que diabos é tão importante assim? Eu tenho que terminar minhas matérias pendentes, Emma! — Fátima suspirou, largando os papéis de lado e dando mais atenção à mulher ao telefone.
— Fátima, por favor, eu acho que a conversa de vocês não irá demorar tanto assim. Só preciso que apareça aqui e fale logo com ele, porque nem eu mesma sei o que ele quer falar com você.
— Tudo bem, tudo bem — Fátima suspirou. — Me dê pelo menos duas horas.
— Certo! Obrigada, Fátima. E desculpa te perturbar tanto — Emma pediu dando uma risada fraca.
— Relaxe. Até mais.
— Até, Fátima.
Fátima desligou o telefone e encarou a mesa. O que diabos Charlie queria com ela de tão importante?
Bufou e balançou a cabeça negativamente, tinha muita coisa para fazer invés de ficar se preocupando com o que Charlie queria.
— E vamos ao trabalho — murmurou para si mesma e, logo, voltou a mexer em seus papéis.• Continuo?•