Nostalgia

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  Sabe quando você se muda de uma casa, e anos depois retorna à ela? Foi algo próximo a isto que eu senti. Um sentimento nostálgico, como se eu estivesse prestes a encontrar o "eu" de 5 anos atrás. Se isto acontecesse certamente eu diria para mim mesma não ter pensamentos tão insípidos e inocentes, revelando os segredos do futuro, para que talvez assim eu não tomasse tantos caminhos ignorantes.

  No entanto, a casa com a qual me deparei estava longe de uma lembrança. O teto estava rebaixado, parecia prestes a tombar. As paredes descascavam facilmente e davam claro sinal de umidade. No chão haviam vários objetos, todos de meu conhecimento, completamente revirados e espalhados como um verdadeiro lixão. Não era uma lembrança, parecia uma imagem do fim.

  A casa estava as escuras, o máximo que pude ver foi graças a iluminação do sol que cruzava a porta, e quando tentei pressionar o interruptor percebi que não havia eletricidade.

  Sem fazer nenhum ruído, comecei a atravessar a sala. Desviando dos objetos e vez ou outra ficando com o pé preso. Cadeiras quebradas, folhas de papel dispersas de cadernos, um fogão derrubado. Fui reconhecendo cada uma dessas coisas pelas silhuetas na escuridão, enquanto rumava a porta da cozinha e a de meu quarto, rezando para a botija de gás estar em bom estado, com medo de provocar uma explosão as cegas.

  Com a luz vinda do vasculhante da cozinha, consegui chegar ao local onde minha mãe geralmente estava. Com as panelas ao fogo e um sorriso no rosto, esperando pela minha chegada. Comecei a imaginar uma cena, minha mãe parada ali de frente para a pia, com o celular no ouvido esperando a minha voz lhe alcançar. Com uma expressão aflita, esperando por mim, precisando de mim. Não sabia o porque dela ter me ligado, mas por algum motivo, desejei nunca ter saído de casa naquele dia.

- Estou de volta, mãe - murmurei, segurando minhas lágrimas, com os olhos vidrados na cozinha destruída e na geladeira vazia, assim como a despensa, marcadas com as mesmas marcas de garras da varanda.

  Tentando mais uma vez fugir dos pensamentos de que uma besta invadira minha moradia, me dirigi ao meu quarto, rezando pare ele e minhas coisas terem se preservado. Mas, do fundo do meu coração eu já esperava aquela cena.

- Sabia... - declarei, com uma expressão desgostosa, ao entrar em meu quarto.

  O colchão de minha cama havia desaparecido, e no estrado de madeira podre haviam vários pequenos objetos. Uma viga de madeira, provavelmente da cama, encostava-se na parede cheia de retratos antigos ao lado da porta arrombada. As minhas belas cortinas felizmente não tinham sido rasgadas, mas estavam cobertas de poeira, e se encontravam próximas ao estrado, deixando a luz entrar pela janela de vidros quebrados.

  Pensei em me sentar no estrado, mas haviam vários motivos para eu não fazer isso apesar do cansaço de ter vindo correndo até ali. Primeiro que eu estavam sem calça e o lugar todo empoeirado, sujo, além do fato da madeira estar aparentemente podre.

  Mesmo que a tristeza me tocasse, por ver minha casa, o local onde eu crescera, brincara e sorrira, destruída. O que me preocupava era a localização de minha mãe, pois pelos poucos passos que dei na casa tive a concepção de que ela não estava ali. Então onde ela estava? Ou melhor, onde estava todo mundo?

  Fiquei um bom tempo evitando pensar naquele caos em que me encontrava, mas eu querendo ou não, era algo do qual eu não podia fugir. Para encontrar minha mãe eu precisava saber do paradeiro de todos, tinha de descobrir o que havia ocorrido após o meu desmaio próximo a linha do trem. Mas mesmo sabendo disso, não fazia ideia da resposta. Fui até o guarda-roupa, também em estado lamentável, e procurei por um caderno em bom estado e um lápis em uma gaveta. E com a ajuda da sorte, que me abandonara havia tempo, encontrei. Isso logo após ter aberto outra gaveta e ver minhas roupas transformadas em farrapos.

  Com uma velha camisa, sem serventia devido a como se encontrava, fiz um tapete no chão e nele me sentei, com as pernas cruzadas e o caderno apoiado em meu joelho. Sem rumo na minha trágica investigação, me pus a fazer anotações relevantes sobre tudo de que eu havia presenciado naquele dia.

- Hmm... vamos ver... ah! Também teve isso - eu murmurava enquanto escrevia nas folhas amarelados do caderno, com um lápis cujo grafite estava solto por dentro - Bem, acho que é isso.

  Ressaltando as coisas óbvias, mas porém importantes, estas eram as informações a serem lembradas:

1 - Eu acordei com algo ou alguém mexendo na minha perna, provavelmente a mesma pessoa que rasgou minha calça.

2 - Todos, exceto eu, simplesmente desapareceram. Nem mesmo animais cheguei a avistar, apenas uns ratos bem sinistros.

3 - Cheguei a ver de longe alguns cadáveres e manchas de sangue, mas sem dúvida alguma, nem chegavam perto da quantidade de pessoas na cidade.

4 - Tudo estava em ruínas. Prédios, casas e lojas.

5 - E principalmente, e mais misterioso, em vários lugares haviam marcas de garras, das mais variadas. As quais poderiam ter alguma ligação com a anotação 1.

  Depois que terminei de escrever, fiquei alguns minutos encarando a folha de papel, lendo e relendo, como se de repente fosse surgir a lâmpada amarela em minha cabeça. Mas a ideia mirabolante e fictícia que responderia todas as minhas questões não veio.

  "Será que cães selvagens mataram todo mundo?" Foi um devaneio idiota, mas naquele momento qualquer sugestão estava valendo a pena considerar. "Talvez aliens tenham atingido a terra com um raio vaporizador..." Acredite ou não mas esta foi a minha melhor forma de explicar os fatos.

  Foi quando eu olhava para o caderno que subitamente me dei conta de algo extremamente importante, o qual derrubava todas as minhas últimas teorias.

- Espera! Quanto tempo eu fiquei desmaiada?! - perguntei para mim mesma, me sentindo uma burra por não ter pensado nisso antes.

  A maior questão desde o início era, oque aconteceu então pouco tempo para deixar tudo naquele estado deplorável? Afinal eu provavelmente só havia permanecido inconsciente por algumas horas. Levei meu braço ao rosto e olhei para o relógio, que marcava 11:23 am. O horário claramente se encaixava com as minhas contas, mas...

  Como uma brincadeira do destino, foi exatamente naquele momento que vi o celular de minha mãe, debaixo do estrado, quase imperceptível. Me estiquei, sem me importar com a sujeira, e o alcancei. Mas ao ligá-lo, ali mesmo debaixo do estrado, deparei-me com algo fora do comum. Que de alguma forma parecia resumir toda a minha situação.

  Jaziam no visor LED, com letras brancas e chamativas, as palavras que me tiraram completamente o ar:

11:25 am - 29 de Janeiro de 2307.

Incógnitas - Anomalias do TempoOnde histórias criam vida. Descubra agora