O tempo em si talvez não seja nada de excepcional, pelo menos não para quem realmente entende como ele funciona. A relatividade e a percepção, pelo contrário, são coisas que sempre despertaram minha atenção. Afinal, em uma situação, duas horas passam normalmente, sem nada de incomum, e em outra, extremamente rápido ou mesmo mais lento. Isto me soava fascinante, pois sentia que tinha o tempo sobre meu controle, que podia prolongar os melhores momentos e encurtar os piores.
Mera ilusão.
A percepção, assim como o tempo, não depende de nossas vontades mundanas e sim de nossas emoções inconsequentes. Esta visão cruel baixou sobre mim ao encarar os fatos.
Os melhores momentos passam depressa demais.
Os piores momentos parecem durar uma eternidade.
Isto não quer dizer que o tempo seja cruel. É que no fim, momentos são apenas momentos. Frações do infinito.
Para nós, incógnitas, o tempo havia tomado uma aparência ainda mais catastrófica. Pois de certa forma, ele já não nos fazia mais diferença. Fosse dia ou noite, ou qualquer data daquela época miserável, nós ainda estaríamos ali, nas ruínas apodrecidas do velho mundo. Mas talvez fosse isto o que nós éramos.
Não apenas, pessoas não afetadas pelo tempo, mas indiferentes ao tempo.
Após mais algumas horas de silêncio tremendo entre mim e o cientista, que depois da sua declaração misericordiosa se trancou no último lugar que estivera antes da queda do raio, comecei a me perguntar como seriam os próximos dias, semanas e anos que estavam por vir. Eu, trancafiada em um velho centro de pesquisas com um chorão, e o mundo se deteriorando aos poucos nesse turbilhão de acasos infortúnios.
"Como será que o Alex está?" várias vezes me peguei pensando. "Como estão as coisas lá fora?"
Não fazia quase tempo algum, desde a minha permanência naquele prédio cheio de memórias misteriosas, mas comecei a me sentir de certa forma presa. Como se também estivesse me isolando não apenas do tempo, mas também do espaço.
Como uma "incógnita" sendo isolada do restante da equação, que rumava desenfreadamente em direção a uma resposta nula.
Debruçada sobre uma mesa alta no salão escuro, tentava encontrar uma resposta positiva perdida na pilha de 'não's.
- Tem de haver um jeito... - eu repetia, como se aquilo realmente fosse me levar a alguma coisa.
Diferente de antes deu encontrar Alexander e Serena, da época onde eu buscava todas as informações acerca da verdade, naquele momento, todas as cartas estavam na mesa. Eu sabia tudo que precisava para resolver a charada, ou pelo menos uma pista para isso, mesmo que um mínimo detalhe. Então, cabia a mim encontrar.
Na manhã de 20 de Outubro de 2013, um raio atingiu o Centro de pesquisas Alcadimir Irvin. Marco Nicolaevich foi que levou um microscópio com as apelidadas "partículas temporais" para fora da proteção do laboratório, o que resultou no aceleramento do tempo.
Esta era a grande verdade por trás deste caos.
- Realmente tem de haver uma saída...
Muitos morreram. Muitos viraram abominações ambulantes. Poucos sobreviveram para agora seguiram para uma morte ainda pior. E as partículas temporais, que eram a chave do fenômeno, se perderam. Como Marco, o último sobrevivente do laboratório, não sabem de onde elas vieram, não há como obtê-las.
Quando estava prestes a esmurrar a mesa, de frustração por não conseguir resolver algo mesmo sabendo tudo, o cientista apareceu frente a mim, com as mãos nos bolsos do jaleco. Ele já não chorava, pelo contrário, sentia um pouco de determinação em seu olhar.
- Oque você quer? - perguntei, estava meio mal-humorada, mas ele pareceu não ligar para isso.
- Gostaria de sua companhia até minha casa - disse Marco, ao mesmo tempo que percebi um mochila de viajem em suas costas - Desde o acidente eu não saio daqui, e creio que talvez possa encontrar algo nos documentos e dissertações que nos ajude a encontrar um jeito de voltarmos.
- E por que quer que eu vá? Está com medo de ir sozinho? - soltei uma risadinha bem provocativa, minha necessidade de rir fez uso de meu escárnio.
- Tsk! - Marco estalou a língua em protesto, pois era evidente que e desejava a minha companhia devido ao medo das anomalias, que vergonha.
Levantei-me da mesa e me aproximei do cientista, agora com os braços cruzados de raiva, com a moral despedaçada. Sem dizer nada, passei por ele e fui em direção a porta do salão, e ele entendeu minha resposta.
Eu realmente estava curiosa quanto ao porque da coragem, não muita, repentina de Marco. Estava motivado porque encontrou a sobrinha de sua amada e julgou isso um sinal divino? Não era algo que fazia juz a ele, mas em situações extremas só nos resta recorrer aquele que diz fazer o impossível. Ou será que ele havia tido uma espécie de ataque de consciência? Queria saber o porque.
- Não tinha dito que é impossível voltarmos? - insinuei, tentando tirar algo do cientista.
Nos deparamos com o corredor tomado pela água, que ultrapassava nossas canelas.
- Eu achava que viagens no tempo eram impossíveis, e veja onde estamos. Então talvez tudo seja possível.
- E porque só agora pensa assim?
Começamos a nos esgueirar pelas pesadas estantes.
- Desde que aquilo aconteceu... não, desde antes daquilo. Tudo que eu mais queria era voltar no tempo e me declarar para Amélia. Já não tenho mais medo de perdê-la, afinal, eu já a perdi - ele parou próximo a última estante e a água ondulou lindamente ao som de suas palavras - Eu achava isso impossível, mas aí você apareceu.
- Acha que sou uma espécie de gaivota que guiará o seu navio a terra firme? - a referência veio a mente e não me contive, mesmo sentindo a profundidade das palavras de Marco.
- Não, você apenas me lembrou que tudo é possível.
Cruzamos as estantes e a virada do corredor, e percorríamos em linha reta até a saída, rodeados de portas.
Foi então que uma porta capturou minha visão, minha mente, todos os meus sentidos. Ela estava aberta, provavelmente por causa da pressão da água vinda do lado de dentro. E lá dentro estava o mesmo monstro. A anomalia que afogava-se na chuva interna da sala.
Ainda estava vivo, e me encarava com aqueles olhos negros que me enojavam e davam-me vontade de abraçar-lhe.
E foi então que eu percebi.
- Ah, esse foi um monstro que se prendeu ai, foi graças a ele que tive a ideia das estantes. Demorei dias para arrasta-las para o corredor.
Meus pensamentos oscilaram.
- Marco.
Meus olhos realmente se abriram.
- Oque foi?
Meu corpo gemeu em frio.
- Desde quando ele está aqui...?
Uma nevasca de nervosismo. Uma avalanche de suor.
- Hmm? A anos talvez... mas por que está perguntando isso?
A lógica possessa.
- É possível... - murmurei.
Lágrimas em repressão.
- ELES SÃO A RESPOSTA!! - eu gritei, e de alguma forma as forças me faltaram e me corpo vacilou.
Desabei no rio sobre o concreto e admirei aqueles olhos no baque com o frio, que assimilava-se ao de meu corpo gelado.
- Leslie! Leslie! - ouvi o cientista gritar.
Uma verdade exposta, entre a podridão e o medo.
- É possível... é possível...
Para que somente alguns tivessem a coragem de fitar.
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Incógnitas - Anomalias do Tempo
FantascienzaEm uma sinistra tempestade, a jovem Leslie recebe um misterioso telefonema. No entanto, após este estranho ocorrido, ela se encontra em um novo mundo. Um lugar mórbido e macabro. Para onde foram as pessoas? Onde ela está? Seria este o fim do mundo? ...