Irmãos

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  Não me agradava muito admitir, mas acordar em locais desconhecidos e estranhos já estava se tornando o meu hobby. E ainda assim, eu dizia para mim que seria a última vez. Gostaria de ter acordado com o cheiro de rosas ou a luz do amanhecer, mas ao invés disso, despertei do meu desmaio com uma voz rígida e mal-humorada.

- Ei! Acorda logo! - gritava uma voz feminina.

- Não seja assim maninha, ela deve ter passado por maus bocados - falou outra pessoa, não muito distante.

  Quando abri os olhos, quase levei um susto ao deparar-me com um rosto colado ao meu. Recuei instintivamente. "Oque diabos você estava olhando?! Quem é você?" pensei assustada. Eu estava deitada em uma cama, coberta por lençóis dos pés aos braços, e frente a mim estava uma garota de cabelos negros, de maria-chiquinhas, com os braços cruzados me encarando com rancor. O local em que estávamos, era uma casa antiga da qual eu não tinha conhecimento, onde haviam vários móveis de um quarto comum com o único diferencial de estarem velhos e empoeirados.

- Finalmente acordou hein, não creio ter te batido tão forte - disse a menina, agitando o seu vestido negro para dirigir-se ao garoto que se aproximava da cabeceira da cama - E então Alex? Oque faremos quanto a ela agora?

  O jovem próximo a cama também usava um conjunto de vestimentas negras, mas em oposição a garota, ele esboçava um largo sorriso com os olhos fixados nos meus. Ao ver aquela irritante expressão, eu me lembrei de tudo.

- Você! Foi você que me bateu do nada! - gritei para a menina que me olhou cheia de fúria, como se eu houvesse atiçado a fera.

- Bati e bato de novo! - rugiu a fera negra erguendo seu punho no ar - Experimente pôr suas mãos no meu amado irmão novamente e eu te faço em pedaços!

- Por as mãos em quem?! - protestei, sem ter ideia do que ela estava falando.

- Bem, acho que ela se refere a mim - disse, rindo e coçando a cabeça, o referido Alex. Que supostamente era o irmão da garota de preto.

  Encarei o sujeito, com total desdém, e voltei a fitar a menina.

- Jamais colocaria os olhos nessa porcaria! - depreciei o jovem, que se pôs a gargalhar.

- Ora sua...! - a menina imediatamente tentou saltar sobre mim, como uma pantera, mas Alex a segurou antes que o fizesse.

- Calma, calma, Serena. Ela não é um perigo para nós, fique tranquila - disse o garoto, esfregando sua cabeça contra a dela.

  Serena se enrijeceu e ficou completamente corada, como uma transformação instantânea. A garota virou seu rosto e encarou o de Alex, dando levíssimas arfadas. E quando já estava pronta para interromper os dois com mais indagações sobre quem exatamente eles eram, a menina... o beijou!

Agora eu é que fiquei envergonhada...

- QUE MERDA É ESSA?!! - eu urrei com toda a força de meus pulmões e o corpo vacilando.

  A menina desgrudou seus lábios rosados e me encarou com o rosto mais vermelho que um pimentão, enquanto Alex ao notar meu surto se pôs a gargalhar descontroladamente.

- Oque foi?! Nunca viu duas pessoas se beijarem?! - respondeu Serena, ainda desajeitada devido ao constrangimento.

"Na verdade não..." pensei.

- Mas vocês não são irmãos?! Que diabos é isso? - retruquei, desacreditada daquela cena esquisita. Quem diria que o primeiro beijo que eu veria seria assim...

  Por algum motivo Serena pareceu relaxar ao ver que esta era a minha pergunta, curiosamente sua força e confiança pareceram retornar com o fim da vergonha, e após um suspiro ela sorriu para mim com as mãos nas cadeiras.

- Ora, todo esse escândalo por isso? Sim, nós somos irmãos, e daí? - disse a menina com uma expressão desafiadora - Caso não saiba, o laço sanguíneo não é um proibidor de sentimentos. E tem mais, relações como esta eram comuns no passado para preservar-se o sangue dos nobres, não era?

  Me levantei da cama, e percebi que Serena era menor que eu. Apesar de ainda ser intimidadora e ter me nocauteado.

- Você disse bem, no passado!

- Passado, presente, futuro, qual a diferença...? - comentou a irmãzinha com um olhar vazio, escondendo o rosto entre os cabelos negros.

  Alex, curiosamente, com um rosto sério, coisa que ainda não havia visto, pôs sua mão no ombro de sua irmã, e ela o abraçou. Eu não sabia o que e nem porque, mas algo que eu dissera parecia ter trazido o lado amargo dos dois.

- Minha irmã tem razão, o tempo é diferente para nós incógnitas - falou o garoto ao olhar fixamente para os meus olhos.

  Aquela palavra fluiu pela minha mente, e deixou uma impressão familiar mas ainda diferente. Era como se eu já conhece, mas ao mesmo tempo não conseguisse lembrar, como uma palavra na 'ponta da língua'.

- Incógnitas?  - exclamei, e Alex me devolveu um leve sorriso, mas desta vez não era um deboche e sim, como se já tivesse ouvido tal pergunta.

- Não falo de variáveis em uma equação... Ah! A propósito, como se chama mesmo?

- Leslie, Leslie Von Gardenni.

- Pois então, Leslie, não falo de variáveis. Nós somos incógnitas, pessoas não afetadas por bruscas mudanças temporais, não acometidos por anomalias - argumentou Alex, enquanto Serena abria os olhos.

  Todos aqueles sons, aquelas palavras, tudo ecoou pela minha cabeça. Como se chanquelhassem a minha memória em busca de respostas. Depois de tanto buscar por verdades me acostumei a encontra-las por meio da observação, me acostumei tanto que foi um choque receber tais revelações de forma tão simples e direta.

  Mudanças temporais. Anomalias. Incógnitas....

- Então... - eu gaguejei, apesar de já ter imaginado tal coisa - Vocês também são...

- Viajantes do tempo - completou Serena, enquanto Alex afagava os seus cabelos.

  Serena. Alexander. Irmãos. Eu ainda nem imaginava o quanto eles mudariam a minha vida, o meu passado, o meu presente e o meu futuro, mas foi naquele momento que eu compreendi o que eu era. Uma INCÓGNITA.

Incógnitas - Anomalias do TempoOnde histórias criam vida. Descubra agora