Medo

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  O suor descia pelas cascatas de meu corpo e minhas pernas já não suportavam o meu peso, esta era a minha condição após passar um dia inteiro caminhando incansavelmente. Meu corpo estava bem quente, e suspeitei que estivesse para ter uma febre. "Acho que no fim das contas, não sirvo para a vida de aventureira" pensei, ainda espantada e impressionada com os dois irmãos ao meu lado, que excepcionalmente mal demonstravam sinais de cansaço.

- Essa garota está suando como um animal... - murmurou Serena para seu irmão, e Alex descaradamente olhou para o meu rosto e riu.

- Eu ouvi tá!! - gritei para os dois, mas ainda curiosa quanto a resistência deles - E é claro que estou suando, ficamos sob o sol o dia todo! Vocês que são estranhos, pois nem parecem cansados!

  Talvez eu tivesse exagerado, mas aparentemente eles nem ligaram para o que eu disse, do contrário teriam apontado as minhas estranhezas.

- Eu não tenho muita certeza, mas talvez seja porque nós já estejamos acostumados a isso - respondeu Alexander com um olhar distante..

"É verdade... suas memórias ainda estão confusas"

  O céu já havia sido tomado pela escuridão da noite, e a estrada íngreme nos levava a cidade começava a se tornar cada vez mais assustadora. Da última vez que encontramos cadáveres de anomalias era dia, de forma que o sentimento de medo ainda não nos sucumbia, mas naquele momento era diferente. Além de já ser noite, os cadáveres com que passamos a nos deparar eram humanos.

  Serena levava uma lanterna nas mãos, e com ela indicando por onde devíamos passar, avistamos várias coisas estranhas pelo caminho quebradiço entre terra e asfalto. Primeiro, vieram as manchas de sangue, que iam aumentando até um certo ponto, como se alguém houvesse se arrastado por ali apesar de um grave ferimento. Depois, surgiram os corpos.

  Uma mulher com metade do corpo arrancado, como se dentes a houvessem destroçado, e deixado apenas a sua boca para suplicar entre o desespero e a morte. Fiquei horrorizada, e sem perceber me aproximei dos irmãos, que observavam com desgosto aquela cena.

  "Ainda bem que não estou mais sozinha..." esta frase se repetiu como um mantra em meus devaneios assustados, em me acalmou por um segundo.

  O corpo de um menino foi o seguinte, ao contrário do da mulher, este estava no centro da estrada e envolta dele havia uma gigante poça de sangue. E com a luz da lanterna sobre o cadáver, nós entendemos o porque. Ele não tinha mais cabeça.

- E-Eles eram... incógnitas, n-não é? - perguntei, tentando ao máximo esconder o meu medo, mas eu gaguejava a cada frase. E Alex apenas confirmou com a cabeça.

  Mesmo quando eu estava no passado, junta de minhas 'amigas' eu tinha medo de sair anoite. Elas me chamavam para ir ao cinema ou a uma festa de aniversário, mas eu sempre descartava com uma desculpa de última hora.

  Sempre fui uma medrosa, e tinha consciência disso. Sabendo disso que sempre fiz de tudo para esconder esse meu lado covarde, até de mim mesma. Fingindo ser forte para espantar o medo... somente assim eu poderia me aguentar de pé cara a cara com aquela anomalia da fábrica, a qual não me decepou por um triz.

  Mas aquela situação era diferente. Da última vez eu havia escapado graças a ajuda de Eugênio, porém ele não estava ali. Se aquelas feras aparecessem diante de nós, definitivamente seria o nosso fim.

  Não importava no que eu pensasse, minhas pernas continuavam a tremer, como se meu corpo tivesse uma mente própria, a qual não escondia a suas fraquezas. Mas isto era fato, não importava como eu olhasse para aquela situação, nós estávamos em uma estrada deserta cheia de cadáveres no meio da noite, erámos uma presa fácil.

- N-Não acha que deveríamos acampar ou algo assim? - indaguei aos dois que davam um passo após o outro, sem nunca cessar - Se um inimigo aparecer estaremos cansados demais para lutar.

- Hmmm acampar, hein? Então quer dizer que a senhorita Lisboa deseja passar uma noite agradabilíssima comigo----- Antes que Alexander completasse a sua piada infame, e eu o corrigisse dizendo que meu nome não era 'Lisboa' e sim Lily, Serena lhe deu uma rasteira e o garoto que, como um burro de cargas, levava todas as nossas coisas foi ao chão com o peso impactante das bagagens.

- O que foi que você disse?! Hein?! - rugiu a menina, como um dragão, na fuça do sujeito que gritava de dor e ria ao mesmo tempo.

  Era como se estivesse gostando... masoquista?

  Alex jogou as bagagens no chão, para se livrar do peso, mas logo em seguida a menina se pôs em cima dele e começou a golpeá-lo.

- Repete o que você disse!

- Era... hahaha... brincadeira... haha - falava o irmão entre risadas e esquivas dos punhos de Serena.

  Olhando para os dois, não sei porque mas, tive uma vontade incontrolável de rir. Talvez fosse porque eles brigando era engraçado, ou porque a calmaria e a descontração deles levasse o meu medo embora.

  Ao contrário de Eugênio, eles não faziam eu me sentir segura. Mas de alguma forma, faziam eu me lembrar do passado. Me faziam feliz.

- Ei do que você tá rindo?! - gritou a menina.

  Alexander então, de repente, envolveu Serena com seus braços. Seu corpo pareceu enfraquecer, pois não conseguiu lutar contra eles, e simplesmente caiu sobre o peito de seu irmão, o qual lhe abraçou ternamente. E com seus rosto lado a lado, o jovem murmurou em seu ouvido:

- Lily tem razão, porque não passamos a noite juntos hoje.

  A menininha enrijeceu por completa, e em um salto, como uma pantera negra, ela se afastou rapidamente. Com os olhos arregalados e o rosto mais vermelho que um pôr do sol.

- N-N-N-Não!! Ainda não é a hora!! - gritou Serena, de forma tão fofa que sinceramente me deu vontade de abraça-la, enquanto o irmão ria sem parar.

  "É óbvio que ele não tá falando sério" pensei, mas a menina realmente havia acreditado naquela mentira descarada.

  Foi enquanto Alexander recolhia as bagagens derrubadas que ele avistou, ladeira abaixo, um grande casarão em meio as árvores abundantes e a grama alta.

- Ora ora, e não é que encontramos o nosso abrigo - comentou o garoto com seu habitual sorriso de deboche.

  Então, mesmo sem mais o medo em meu coração, nós nos decidimos por passarmos a noite naquela mansão, para fugirmos dos perigos da noite e da própria escuridão.

Incógnitas - Anomalias do TempoOnde histórias criam vida. Descubra agora