Direção

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  Sem trocarmos nenhum olhar, Alexander e eu, após nos despedirmos cordialmente de nossas falecidas amigas, seguimos para o tal laboratório. O céu ainda continuava obscurecido por nuvens carregadas de água, ou talvez por causa de um deus choroso que lamentava pelas perdas do dia. Mas a chuva já havia cessado, nos dando um descanso que eu esperava que fosse longo.

  Atravessamos barro e mais barro, que volta e meia afundava meus sapatos, ao contrário do guia a minha frente que parecia acostumado a tudo aquilo. É realmente irritante esbarrar em plantas molhadas, me dá um arrepio só de tocar, e creio não ser a única a pensar assim. Por fim, voltamos a cidade. Molhados, sujos e comigo espirrando vez ou outra. Rezei para não ter pego uma pneumonia, se bem que considerando a situação, seria mais fácil eu pegar lepra. Dei uma curta e disfarçada risada com meus pensamentos idiotas.

  Com as solas de nossos sapatos esfolados de volta ao concreto, Alexander enfim voltou a falar, vendo que nos aproximávamos de nosso destino.

- Para falar a verdade, este era um dos motivos de termos trago você a esta cidade - começou o garoto, de costas para mim o tempo todo - Eleonor foi apenas um ponto de parada para obtermos aquela informação.

  Desde que havia descoberto o motivo deles terem vindo até ali, no caso, encontrar Eleonor para aprender os pontos fracos das anomalias, me questionei várias vezes de qual seria o significado para isso. "Por que viemos de tão longe apenas para perguntar isso?" Pensei.

- Foi apenas por isso que foi até Eleonor? - perguntei, sentindo que ainda tinha algo por trás de suas palavras.

  Alexander parou por um segundo, hesitante quanto ao que dizer.

- Queríamos protegê-la... - murmurou.

- Como assim?! - questionei de imediato, antes que pudesse completar a frase.

- Para caso Serena e eu morrêssemos, conhecendo Eleonor você teria alguém a quem recorrer. Desta forma não ficaria desamparada.

  Voltei a ser perturbada por aquele sentimento. Fraqueza. Meu orgulho querendo ou não, eu aceitando ou não, no fim eu não passava de uma garotinha fraca e impotente. Alguém sem coragem para puxar um gatilho. Me senti mal por Alex. E pior ainda por Serena e Eleonor. Pensei em me desculpar, mas sabia que de nada adiantaria.

  Cansados, mas fingindo que não, nós nos deparamos com o laboratório. Parecia um prédio de três andares e grande extensão. Todo branco cor de ovo. Em um letreiro, com letras faltando, decodifiquei seu nome. "Centro de pesquisas Alkadimir Irvin". Alexander parou, e somente então se virou para mim, com os olhos vermelhos.

- Era aqui que planejávamos trazê-la desde o início.

- E que lugar é esse? Oque tenho de encontrar ai?

- Um homem. Há um cientista ai dentro, outro incógnita - disse o garoto, que parecia um tanto quanto indiferente aquele que residia ali.

  Nunca tive certeza de que se os lerdos tinha consciência ou não da lerdeza. Mas naquele momento, com o esclarecer do óbvio, tive consciência da minha.

  De acordo com o que Alexander vinha dizendo, a viagem no tempo partiu deste laboratório e um dos envolvidos também é um incógnita. Em outras palavras...

- Ele pode nos fazer voltar no tempo?! - indaguei, quase pulando, escancarando um sorriso que jamais pensei que daria naquele dia.

  Mesmo que minha alegria fosse contagiante, o jovem a minha frente não demonstrava nem um respingo de animação quanto a notícia que ele mesmo anunciara. No entanto, nem mesmo as suas próximas informações poderiam abalar o que eu havia descoberto. Poderia ser uma mínima fagulha, mas ainda havia esperança.

- Não será tão fácil assim - interrompeu-me Alexander, mais sério do que nunca - se ele tivesse o poder para nos mandar de volta já teria feito a essa altura.

  Mais uma vez, a lerdeza me atacou. Mas ainda estava confiante.

- Então por que temos de ir até ele?

  Neste instante, o garoto reagiu de forma estranha ao que eu disse. Espantado e ainda mais triste, olhando para mim com descrença, como se mais uma vez eu não tivesse percebido algo crucial.

- O que foi?! - interroguei impaciente com o silêncio que se alojara entre nós.

  Alexander se recompôs, e começou a caminhar na direção oposta.

- Desculpe Leslie... - começou Alex, e ao ver o meu olhar corrigiu-se. Nunca tinha visto ele daquele jeito - Quero dizer, Lily. Mas desta vez eu não poderei ir com você.

- Do que está falando? Não ia me apresentar o cientista?!

- Desculpe - murmurou o garoto, voltando a se distanciar de mim, caminhando contra o laboratório - mas eu... vou passar um tempo sozinho para pensar.

  Sabia que era mentira. Não houve lerdeza para me afastar desta verdade. Conhecia-o o suficiente para saber. Mas estranhamente, eu não estava preocupada com isso, apenas com um amigo que não estaria mais junto de mim. Aquela poderia ser uma prova ainda mais real de minha fraqueza, minha dependência, vendo-o partir. Como uma criança que se perde da mãe e não sabe por onde começar a procurar.

  "Mas eles me deram uma direção" eu me lembrei, expulsando todas as minhas inseguranças de que jamais voltaria a ver aqueles irmãos. Foi somente quanto vi suas costas me deixando que percebi que havia mudado, mesmo que um pouco. Eu já não era mais a mesma, eles tinham me mudado.

  Corri até Alex, cedendo-me aos instintos de algum órgão interno bombeador de sangue, sentindo que aquele poderia ser o nosso último encontro, mesmo que naquela linha do tempo. Sem lhe dar chance de escapar, eu o abracei, e numa tentativa desastrosa de afastar a vergonha e o mandei se calar quando começou a me indagar, sobre o que diabos eu estava fazendo.

  Escondi meu rosto em suas costas, esquecendo a sujeira e o fedor que ali estavam, e segurando minhas lágrimas eu lhe disse:

- O-Obrigado...

- Pelo que? - ouvi ele dizer.

- Por ser meu amigo.

  Alexander olhou por cima dos ombros e encontrou meus olhos, os quais eu tentavam disfarçar, sem êxito. O garoto sorriu, sem sarcasmo ou deboche. Ele apenas sorriu, sincero.

- Se Serena estivesse aqui ela lhe daria um murro na cara - falou.

  Sorri de volta, lembrando-me daquela menina ciumenta.

- Eu bem que gostaria de um soco dela agora.

  Com lágrimas nos olhos, reprimidos por uma represa rachada e pronta para desabar, nós caímos na risada. De alguma forma, felizes com o tempo que passamos juntos.

  Alexander partiu, prometendo me encontrar de novo. E eu adentrei o laboratório, prometendo jamais esquecê-lo.

Incógnitas - Anomalias do TempoOnde histórias criam vida. Descubra agora