MEDO DE MORRER

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Quem é que não tem, não é mesmo? O medo de morrer é inerente a todo ser vivo, como forma de preservação da vida e da espécie, é instintivo, não depende da vontade.

O pavor da morte porém, tratando-se do ser humano, é algo que às vezes ultrapassa as fronteiras da lógica, do bom senso e da racionalidade.

Escutam-se por aí muitas histórias acerca de verda-deiras extravagâncias praticadas por medo da morte.

Me contaram certa vez, a história de um senhor já idoso que foi acometido de tal pavor da morte, que não conseguia mais dormir, com medo de não acordar e a situ-ação chegou a tal ponto, que ele ficou tão debilitado pela falta do sono reparador, que acabou morrendo. Morreu de medo de morrer.

O medo de morrer, como tudo na vida, pode acabar provocando também situações hilárias.

Soube de um grupo de amigos que, ao menos duas ou três vezes por ano, costumava pescar juntos, resolveu, certa feita, de tanta insistência do próprio, levar um sujeito que não fazia parte da turma.

Como não contratavam ninguém para cozinhar ou para qualquer outra tarefa, eles mesmos se revezavam nos ser-viços necessários.

O tal novato, não demorou muito a demonstrar que era um chato de galocha (não sei o que as galochas tem com isso não, mas tudo bem). Não ajudava nos serviços comuns, estava sempre ocupado com alguma coisa pessoal, pedia o tempo todo que alguém fizesse algo por ele, como apanhar uma bebida, trazer um tira-gosto, guardar um prato ou qualquer objeto que tivesse nas mãos. Era do tipo que não lavava nem o prato e os talheres que usava.

Pior do que isso era o fato de que reclamava de tudo. Nada estava bom para ele. A comida ou estava sal-gada ou sem tempero. A carne estava crua ou assada de-mais. A cerveja nunca estava no ponto ideal e da higiene então... estava sempre perguntando se tinham lavado as coisas direito, reclamava que o prato, o copo ou os ta-lheres estavam mal lavados, que não comia isso ou aquilo porque tinha nojo e sempre achava mais mil e um motivos para reclamar.

A situação chegou a tal ponto, que já no terceiro dia de pescaria os amigos resolveram armar uma brincadei-ra para dar uma lição no dito cujo.

Com tudo combinado, quando à noitinha estavam reu-nidos no acampamento saboreando um peixinho frito regado com cerveja, um deles começou um assunto relacionado com cobras, dizendo que o lugar onde estavam acampados era infestado delas e que havia que ter cuidado inclusive fechando bem as barracas quando fossem dormir.

Outro logo prosseguiu o assunto, levantando a questão das providências que deveriam tomar caso alguém fosse picado, uma vez que estavam muito longe do hospital mais próximo e a estrada, na maior parte, não era asfaltada.

Nesse meio tempo, de quando em quando alguém fingia servir uma rodada de cachaça, mas deixando só o chato be-ber.

Prosseguindo no assunto dos ofídios, cada um dava uma opinião indicando algum tipo de providência e até remédios naturais, até que o mais velho deles, que era o líder do grupo, afirmou que sabia de um remédio infalível, que, segundo seu avô e seu pai, se não eliminasse, ao menos retardava bastante o efeito do veneno de qualquer cobra.

Todos quiseram saber qual era esse remédio milagroso e ele declarou:

- Chá de bosta!

Alguns fizeram cara de asco, enquanto outros afirma-ram que, se fosse para salvar a vida e não tivesse outro jeito, tomariam. O chato porém, com cara de vômito, afirmou com veemência que nem pra salvar a própria vida beberia uma porcaria daquelas, que aquilo era um absurdo e proferiu mais uma série de impropérios.

Terminada a tertúlia, com o nosso amigo completa-mente bêbado. Todos foram deitar.

A ideia da brincadeira relacionada com as cobras, surgira pelo fato de haverem capturado naquela tarde, uma cobra inofensiva que é comumente chamada de cobra cipó e que haviam guardado em uma pequena caixa, sem que o chato percebesse.

Bem cedinho no dia seguinte, antes que o chato acor-dasse, trataram de colocar sorrateiramente a cobra dentro da barraca dele e um dos amigos encarregou-se de arrumar um pequeno galho com dois espinhos bem agudos, com os quais espetou o pé do sujeito, na altura do tornozelo, saindo de perto rapidamente, antes que o outro notasse sua presença.

Acordado abruptamente pela agulhada no tornozelo, o chato deu com a cobra dentro da barraca e começou logo a berrar:

- Meu Deus! Uma cobra me picou... eu vou morrer... me ajudem... socorro!!!

Os amigos acorreram solícitos e enquanto uns davam jeito de afastar a pobre da cobrinha, sem feri-la, outros procuravam olhar o local da picada, todos demonstran-do preocupação e dizendo que aquela cobra era das mais peçonhentas e que dificilmente daria tempo de chegar ao hospital, quando o mais velho, tudo conforme combinado, lembrou do remédio que mencionara na véspera, dizendo:

- Pois é...! Tem o tal chá de bosta que eu falei, mas ele disse que não bebe nem amarrado, então não tem jeito... !

Ouvindo isso o pobre do chato, que já estava às lá-grimas, implorou:

- Pelo amor de Deus gente...! Eu tomo sim, podem fa-zer que eu bebo... eu não quero morrer não! Por favor... e se tiver um pedacinho para eu ir mastigando enquanto o chá não fica pronto, pode me dar aqui...!

- ?!?!?!?!?...

* * *

Por um AcausoOnde histórias criam vida. Descubra agora