ESPERA DE ONÇA

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No tempo em que as caçadas eram não só um costume, mas também uma necessidade, tanto como meio de subsistên-cia pela carne proporcionada, assim também para preserva-ção das roças, conforme já comentei em outros "causos", a espera ou tocaia era uma das modalidades empregadas pelos caçadores.

Os animais mais comumente abatidos nas esperas eram as pacas, capivaras, catetos (ou caititus), veados, entre outros.

Havia basicamente dois modos de se armar a espera, o primeiro era em árvores frutíferas de variadas espécies, em que os animais, nas épocas de frutificação ou florescência (alguns animais apreciam as flores do pequi, por exemplo), compareciam à noite para se alimentar. O segundo modo era a ceva, no qual se colocava diariamente em um ponto do carreiro dos bichos, alimentos (os mais apre-ciados por cada espécie), que podiam ser milho, mandioca, frutas etc, até cevar, isto é, até eles se acostumarem a comer ali.

O caçador então, preparava um jirau ou armava a rede no alto de uma árvore próxima, de onde pudesse visualizar o local onde os bichos vinham comer. Se fosse numa árvore frutífera, em regra era no alto dela mesma que se ficava de tocaia. Dependendo do local ou da situação, especialmente nos lugares onde proliferavam as onças, era muitas vezes aconselhável que o caçador, tendo ou não abatido alguma caça, permanecesse no alto da árvore até amanhecer o dia.

Na questão da preservação, não eram só as roças que precisavam de cuidados, os rebanhos também eram vítimas de predadores de mais de uma espécie, mas os que mais es-tragos faziam eram as onças. Se uma onça se acostumasse em uma fazenda onde havia um bom lote de bezerros, ove-lhas, porcos e até equinos de pouca idade, ali permanece-ria até consumir o último espécime, a menos que se desse um jeito nela.

As caçadas de onças não eram para qualquer um. Havia que ter os apetrechos necessários, tanto no que se refere às armas de fogo, como cavalo e cachorros bem treinados, além de uma pontaria certeira e uma dose de coragem acima da média. Por essa razão, quando alguém se especializava nesse tipo de caçada, era muitas vezes requisitado até para fazendas distantes, a fim de livrar a propriedade de um predador incômodo.

Meu tio Totõe Chumbo, de quem já falei em outros "causos", foi um desses caçadores. Tinha os apetrechos, o cavalo e os cachorros, geralmente em número de oito a dez. Era exímio atirador, isso eu pude comprovar em mais de uma ocasião, e não demonstrava nenhum tipo de temor diante de situações de risco.

Porém, conforme ele mesmo me contou, houve um dia em sua vida em que ele não sentiu só medo não, foi um pavor paralisante, que o deixou de tal modo sem ação ou reação, que ele nunca mais quis vivenciar outra situação daquela novamente.

Em certa ocasião, segundo ele, quando estava ainda mais próximo da juventude do que da idade madura e sem muita experiência no que quer que fosse, na fazenda mesmo onde morava, uma onça começou a atacar o gado, chegando a abater até mesmo novilhas, o que indicava tratar-se de um animal de grande porte. Pelas pegadas os entendidos diziam que era uma "pintada" das maiores, mas a bichana era arisca que só ela mesma. Em mais de uma oportunidade reuniram-se vários caçadores com os respectivos cachorros, mas a onça invariavelmente conseguia despistar a matilha.

Em um dia qualquer, estava o tio Totõe a campear o gado e se fazia acompanhar apenas de um cachorrinho, que era seu companheiro fiel nessas ocasiões, quando ao passar pela orla de um capão de mato, o cachorro, que nem era treinado para a caça, se pôs a farejar o chão e excitado saiu em disparada rumo ao mato, pondo-se logo a latir acuando. Meu tio, que não despregava do trinta e oito e do carabinote 44 de oito tiros, preparou a arma e seguiu em direção à acuação.

Por um AcausoOnde histórias criam vida. Descubra agora