RASTEIRA NO AZAR

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Certa vez, estava eu na estação rodoviária da cidade do Rio de Janeiro, pretendendo viajar para São Paulo.

Naquela época, meados de 1986 (em pleno "Plano Cruzado" - alguém lembra daquela tragédia?), pois é... parece que todo mundo estava viajando para algum lugar...todas as estações de embarque lotadas e eu ali, na fila,aguardando para adquirir um bilhete de passagem para dalihá algumas horas. Sempre se tinha que esperar algum tempo.

Eu, que nunca fui muito sortudo em matéria de companhia de viagem, vislumbrei naquele momento uma possibilidade de me dar bem.

Na fila, à minha frente havia um rapaz e, imediatamente à frente dele, uma mulher jovem e bonita (inteiramente bonita).

Então, do alto dos meus 1,90m, dei um jeito de ficarobservando por cima do ombro do sujeito que estava na minha frente, para tentar descobrir qual seria o número dapoltrona da garota. Deu certo, ela adquiriu o bilhete como número da poltrona 17, ou seja, uma poltrona de janela.

Saindo a moça, foi a vez do rapaz à minha frentecomprar o bilhete e ele o fez solicitando, também, umapoltrona de janela.

"Dei uma rasteira no azar", pensei. Chegando aoguichê, com a cara e a voz mais naturais do mundo, pedi obilhete para a poltrona de número dezoito, isto é, a quefica ao lado da poltrona 17.

Quando se aproximava o momento do embarque, dirigi-me à plataforma correspondente e fiquei ali, ao ladoda porta do ônibus, observando a entrada dos outros passageiros e na expectativa da chegada daquela que seriaminha companheira de viagem.

Entraram todos os passageiros, o ônibus lotado enada da beldade aparecer. Veio o motorista e me convidou para entrar porque era hora de partir. Entramos. Apoltrona 17 vazia, então pensei, quando o ônibus estiversaindo da estação ela vai chegar correndo, pedindo paraparar e vai entrar. Não chegou. Não apareceu!

Durante todo o percurso da avenida Brasil ainda fiquei na expectativa de que um táxi iria alcançar o ônibuse fazer sinal para parar (acho que isso só acontece nointerior). Não apareceu táxi nenhum e eu lá, sozinho naspoltronas 17 e 18.

"Bom, antes só do que mal acompanhado", foi o meupensamento naquele instante. Ledo engano.

Pouco depois de deixar a avenida Brasil, quando oônibus já trafegava na Via Dutra (Rodovia Presidente Dutra), percebi a aproximação de uma pessoa, pelo corredordo ônibus, vinda lá da parte de trás do veículo.

Bem, aquilo não era bem uma pessoa, mais parecia umurso pardo. Era um sujeito enorme, gordo, peludo e, paracúmulo, vestia uma camiseta cavada.

Ele parou do meu lado e com um vozeirão de trovoadaà distância, perguntou:

- Essa poltrona aí tá desocupada?

Eu não tive outro jeito senão dizer:

- É... tá né...!

- Posso sentar nela? É que eu tava sentado lá atrás,junto com outro gordo e tava muito apertado... - ele voltou a perguntar já se justificando (Naquele tempo eu eramagrinho).

O que é que eu podia fazer, né? Fui obrigado a dizerque sim.

Bem, no fim das contas, o sujeito era "boa praça" echegamos a bater um bom papo, principalmente depois queeu contei a ele toda a minha artimanha para sentar pertode uma mulher bonita e de como acabei ao lado dele.

Demos boas risadas e ele, durante toda a viagem, devez em quando dizia, como se fosse para si mesmo: "É muitoazar", e voltava a soltar sua gargalhada estrondosa.

Assim é a vida.

Por um AcausoOnde histórias criam vida. Descubra agora