A LAMPARINA ESTAVA ACESA

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O mentiroso, geralmente não gosta de ser superado em sua capacidade imaginativa e, por isso, muitas vezes, quando desafiado, recorre ao absurdo para que seu causo fique ainda mais fantástico ou fantasmagórico do que os outros.

Numa dessas, dois compadres estavam acampados na margem de um pequeno rio, com uma única finalidade, pescar. Não tinha tempo nem hora; não queriam nem saber qual era o dia da semana, pra não lembrar que podia haver algum serviço esperando por eles.

Foi num tempo em que não era comum os fogões ou fogareiros e lampiões à gás e, muito menos, geradores de energia, de modo que o fogão dos compadres era uma trempe de pedras mesmo e a luz era de lamparina.

Certa noite, enquanto preparavam aquela jantinha gostosa, com peixe frito, degustando, de vez em quando, um golinho de uma boa pinguinha de engenho, um deles contou:

- Êh cumpade Pêdo (Pedro)...! Notro dia qui em vim pescá sem ocê... ali pa riba, dispois daquela cuiva adon-de tem um pau caído, que quais travessa o rio, no poço da pedrona... eu tava lá bem sussegado, quais cuchilano, quando dirrepente deu um carrerão qui eu pensei qui era um piau "treis pinta" dos maió... mais ocê num é de vê qui era um lambari!?!?

- Lambarí cumpade Livino...?!?!? Cum carrerão desse jeito...?!?!? – espantou-se o outro.

- Pois intão cumpade...! Só qui era um lambarizão des tamãe... – e mostrou com as mãos o tamanho do peixe, continuando em seguida: ...e óia qui eu levei ele pa casa e pesei... pesô seiscentas e trinta grama...! – reforçou Livino.

- Cumpade do céu...! Será qui ocê num inganô não...?!?! Será qui num era um piau memo, ou quem sabe uma piapara...!?!? – cogitou Pedro.

- Não cumpade...! Ocê tá achano qui eu num cunheço de pêxe...?!?!? – redarguiu o outro com ares de ofendido.

- Né isso não cumpade...! É qui os lambari que eu já vi num cresce des tantão não...! – disse Pedro, em tom de desculpa.

- Pois é cumpade...! Mais esse cresceu...! – disse Livino, dando por encerrada a história.

Instalou-se entre eles, durante algum tempo, um silêncio meio sem graça. Enquanto isso o compadre Pedro remoía no pensamento:

- "Essa eu tenho qui rebatê, sinão o cumpade vai fica achano qui é mais vantajoso du qui eu..." – e teve a ideia.

- Pro cê vê cumé qui é as coisa, cumpade Livino! De fato acontece um'as coisa muito isquisita, num é memo? Cumigo tamém já aconticeu! Cê lembra daquela vêis qui ocê num pôde vim cumigo, por mode que a cumade tava mei perrengue... pois veja só...! Eu tava lá naquele poção pra baxo da cachuêra, já tava bem de tardizinha, e eu já tava quais recoieno as traia pa vim pu rancho quando cumeço a puxá a linha, mais num foi uma carrêra de verdade, era só um trem pesano no anzor, intão eu em pensei: "qui diabo de pêxe será esse meu Deus do céu...?!?!" – e fui puxano a linha bem divagá, e óia o meu susto quando o trem saiu da água...! Era uma lamparina presa no anzor.

- Ah! Cumpade! Isso foi arguma lamparina véia qui os otro jogo fora no rio, e ela ingarranchô no seu anzor... – disse Livino, como quem acha muito normal a ocorrência, e também pra não dar muita importância ao causo do seu compadre.

- É cumpade Livino...! Mais a lamparina tava ace-sa!!!

O silêncio entre eles fez-se então ainda mais denso e, logo que terminaram de jantar, cada um dos compadres tratou de ir deitar. Eles dormiam em redes, armadas nos esteios do ranchinho, um de cada lado.

Lá pelas tantas da madrugada, o compadre Livino, o que contara a história do lambari de seiscentos e trinta gramas, chamou o outro:

- Cumpade! Ô cumpade Pêdo!

- O que qui foi cumpade Livino? Tá passano mar? – perguntou Pedro

- Não cumpade! Né isso não! É qui eu tô quereno fazê um trato cocê...! – disse Livino

- Um hora dessa cumpade?!?!? Qui diabo de trato vem a sê esse, home de Deus...?!?!? – perguntou Pedro.

- Óia cumpade... o negócio é o seguinte: eu vô tirá seiscentas grama do lambari, e ocê apaga a lamparina, sinão eu num dô conta de durmi...!!!! – propôs Livino.- !?!?!?!?

* * *

Por um AcausoOnde histórias criam vida. Descubra agora