O TOTÓ E O TATU

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Alguns podem pensar que só o ser humano é que tem índole, que tem memória, que tem gosto ou preferência por alguma coisa, que implica ou toma raiva de alguém, mas não é verdade, os animais, especialmente os domésticos –esses a gente pode observar mais de perto – e dentre estes últimos destacando-se os cães, ainda que possam ser mais rudimentares, também têm aptidões e características, além de serem capazes de desenvolver habilidades, que muitas vezes nos assombram.

Desde menino, no seio da minha família, eu convivi muito com cachorros e também possuí vários, que foram verdadeiros companheiros na minha vida, cada um com uma característica especial e capacidade de aprendizagem diferenciada.

O Ringo, por exemplo, aprendia espontaneamente muitas coisas. Numa ocasião, eu estava chegando de uma pescaria, que durara alguns dias e ele, ao me ver entrar no portão, veio em desabalada carreira e se atirou com toda confiança em meus braços e como eu incentivei a que repetisse o ato, desde então, bastava chama-lo e dar o comando próprio para que ele fizesse novamente. O Ringo adorava também jogar bola, era um excelente goleiro.

Certo dia, contudo, ocorreu um fato que me deixou deveras intrigado. Apanhei uma arma de brinquedo, do tipo"Air Soft" e apontei para o Ringo, como se fosse atirar e ele, num átimo, saltou rosnando e mordeu o cano, quase tomando a arma da minha mão. Daí em diante, não se podia apontar nem o dedo em sua direção, como se fosse uma arma,que ele arrepiava o pelo ao longo das costas e rosnava.Será que havia ali um traço de memória atávica?

Depois vieram o Sansão e a Dalila, esses dois, apesar de irmãos, da mesma ninhada, tiveram trinta e quatro filhotes ao longo da vida, que na verdade não foi assim tão longa, o Sansão viveu nove anos, a Dalila foi mais longe, chegou perto dos dezesseis. Uma das características desses dois, que eu me lembro bem, era que a Dalila adorava presunto e o Sansão não comia de jeito nenhum,nem misturado com outras coisas, ele separava.

Na infância e até uma parte da juventude, convivi muito também com cães de caça, principalmente na casa de meu tio Totõe Chumbo, que foi o maior caçador que eu conheci. Esse tio contava muitas histórias de caçada se, nelas, sempre havia algum detalhe relacionado com os cães, mostrando a singularidade do temperamento de cada um.

Mas, num certo lugar, desse nosso imenso Brasil, no tempo em que, no meio rural, as caçadas ainda eram coisa corriqueira do cotidiano, existiu o Totó.

O Totó era um cachorrinho de médio pra pequeno porte, mas musculoso e ágil e era exímio caçador de tatus.

Certa feita, o dono do Totó convidou um compadre seu para uma caçada daquelas, que em regra ocorria no período noturno.

Era preciso estar sempre controlando o Totó, para que ele não se adiantasse muito, porque senão ficaria impossível para os caçadores chegarem a tempo de capturara caça, quando ele a localizasse.

Naquele dia fatídico, logo que adentraram o cerrado mais denso, o Totó disparou no encalço de um grande tatu galinha ou "folheiro", como também era chamado. O tatu,no afã de escapar, entrou no primeiro buraco que encontrou, mas deu azar, era um buraco raso, que só tinha sido iniciado e ele ficou com o rabo quase todo do lado de fora.

Os compadres chegaram em seguida e o dono do Totó,ao perceber a situação, agarrou imediatamente no rabo do tatu e tentou puxar para tirá-lo do buraco. Quem diz que conseguiu, porém! O tatu, além de cravar as grandes unhas no chão, estufa o casco de modo que fica preso nas paredes do buraco e não sai de jeito nenhum.

Nesse momento o compadre do dono do Totó sugeriu:

- Enfia o dedo no fiofó dele que ele solta compadre!

Dito e feito, num instante, lá estava o pobre do bichinho pendurado pelo rabo. Virou farofa.

O que ninguém percebeu, foi que durante toda aquela ação, o Totó permanecera ali do lado, observando a presepada, pra não dizer sacanagem, que fizeram com o tatu.

Não passou muito tempo e lá se vão os dois compadres para nova caçada de tatu. O Totó estava lá, assim meio desconfiado da maçada, mas rente no eito, disposto a cumprir sua tarefa.

Não demorou muito para que o Totó encontrasse, perseguisse e obrigasse outro tatu a entrar em um buraco também, só que esse buraco era mais fundo e o tatu sumiu chão adentro.

Por isso, quando os caçadores chegaram ao local,lá estava o Totó numa atitude bem esquisita. Ele enfiava a cabeça dentro do buraco, ficando com a bundinha arrebitada, dava dois latidos (au, au), virava-se para trás e rosnava mostrando os dentes (grrrrr), como quem diz:"Comigo não gavião... !!! No meu ocê num vai infiá o dedo não...!!!"

Vai dizer que cachorro não aprende e não lembra das coisas!?!? O Totó gravou direitinho a lição.

* * *

Por um AcausoOnde histórias criam vida. Descubra agora