Capítulo 10

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Domingos Martins fica a 80 km de distância de Santa Clara, o que dá no máximo duas horas e meia de viagem de carro. Não é muito, mas a rotina de treinos e competições pela faculdade me fez preferir encontrar um lugar na cidade para morar.

Cheguei em casa no sábado de manhã para passar o meu final de semana de folga e encontrei minha mãe me esperando na porta como se eu ainda tivesse 14 anos. Esse final de semana ela também está de folga dos plantões no hospital.

— Eu estava quase indo te visitar na sua escola.

Escola...

— Mãe, menos. Foram só algumas semanas — resmungo enquanto organizo as coisas que estão fora do lugar no meu quarto.

Sempre que eu volto para casa encontro o meu quarto de um jeito diferente. No começo eu tentei pedir para Laura não mexer nas minhas coisas, mas acho que isso é pedir demais para minha mãe. Ela diz que sentes saudades e que arrumar o meu quarto alivia.

— Eu já falei para você largar esse trabalho na loja. — Laura continua o seu discurso que sempre dá quando eu volto para casa depois de algum tempo na faculdade. Essa é a primeira vez que eu volto desde o início do semestre e ela está despejando semanas de discursos reprimidos.

— Você deveria estar me incentivando a trabalhar e não o contrário, mulher.

Tiro da mochila alguns livros que trouxe para estudar e os coloco na escrivaninha. Olho para a minha mãe que está escorada no batente da porta e vejo que ela está com aquele olhar que mistura preocupação, felicidade em me ver e irritação.

— Eu quero que você estude e foque nos seus treinos, mas sem exagerar — ela explica. — Você não está exagerando, não é?

Não estou exagerando. Estou indo nadar todos os dias e isso é o meu normal. Para ela o meu normal é anormal e talvez ela tenha razão, mas eu só consigo funcionar assim.

— Na verdade, o treinador estendeu os treinos para sábado e domingo então eu estou meio que vivendo na água.

Ao fechar a mochila meus olhos batem em um bolo de papel meio amassado no fundo.

— Isaque Medeiros! Você vai atrofiar todos esses músculos, sua pele vai descamar, sem contar todas as doenças que você pode pegar ao se expor por tanto tempo em uma piscina...

O amontoado de papeis é o boneco do jornal da faculdade que Hugo me deu alguns dias atrás. A versão final deveria sair essa semana e eu não fiz nada para ajudar, porém Hugo anda calmo e zen como antes, o que me leva a acreditar que as coisas tinham se ajeitado. O Holofote ainda não foi ao ar e isso também contribui muito para o estado psicológico dele.

— É brincadeira. Não estou exagerando com a natação, pode se acalmar.

— Não dá para me acalmar quando se tem um filho que conseguiu ter uma inflamação na musculatura da perna depois de passar as férias nadando.

Laura adora trazer essa história à tona, mesmo que ela tenha acontecido anos atrás. Eu não tinha nem 15 anos, mas estava ansioso demais para a minha primeira competição nacional.

Entrei para um clube pequeno do estado aos 13 anos. Pensando agora, acho que essa deve ser a minha maior realização até aqui. Passei nos testes e comecei a competir no Espírito Santo com outros garotos da minha idade. Fiquei obcecado, claro. Ia para a cidade vizinha treinar no clube todos os dias, sem exceção. Levei alguns sermões do treinador da época, mas nada me impedia de pegar o ônibus e aparecer lá aos sábados e domingos em horários que eu sabia que ele não estaria. Claro que ganhei uma inflamação muscular.

Brilho e EspumaOnde histórias criam vida. Descubra agora