Isaque
Laura já está desesperada pensando nos preparativos do almoço que reuniria a família inteira na Páscoa. Viriam os irmãos da minha mãe, meus avós maternos que também moram em Domingos Martins e meus primos que ou me detestam ou me idolatram como se eu fosse o novo César Cielo.
Sempre preferi ficar sozinho e reunir minha família era sinônimo de ouvir perguntas sobre Dante. Ninguém perguntava nada para mim, pois sabiam que eu não responderia com os detalhes que eles gostariam de ouvir. Meus parentes partiam para cima da minha mãe que é gentil demais para mandá-los cuidar das próprias vidas.
Eu odeio vê-la falando sobre ele e, pior, vê-la ouvindo palpites sobre como ela deveria seguir em frente já que ele obviamente fez isso muito bem. Pra mim ela já seguiu em frente. Depois de todo esse tempo Laura parou de beber a quantidade "a mais" que ela havia acostumado na época em que meu pai foi embora, e parou de ir dormir chorando. Laura fala sobre o assunto Dante-Florine-Nicolas com muita naturalidade, e se isso ainda a machuca, ela esconde muito bem.
Mas o "seguir em frente" que minhas tias e até minha vó se referem é sobre ela conhecer outra pessoa. Nunca parei para pensar na possibilidade, mas ainda que eu achasse estranha a ideia de ver minha mãe namorando, eu não interferiria se ela estivesse feliz.
Não passávamos um final de semana inteiro juntos em casa desde o começo do semestre. Os horários não batiam e muitas vezes eu a via apenas um dia, ou só quando ela chegava de um plantão. Esse final de semana ela teria folga dupla do hospital e decidiu que testaria uma nova receita de torta de maçã caramelizada para o feriado.
— Quer me ajudar? — ela pergunta quando eu desço para a sala no sábado de manhã.
— Na verdade não. Posso no máximo dar apoio moral, experimentar, filmar para colocar no Youtube. Falando nisso, você poderia ter um canal de culinária.
Ela está sentada no sofá, anotando algo em um caderno.
— Pra todo mundo me ver? Nunca! E eu nem sei fazer essas coisas diferentes que o pessoal da internet gosta.
— O pessoal da internet gosta de comida que seja fácil e boa, mãe. Você vai testar o bacalhau também? Com batata assada e molho de laranja? Eu não acharia ruim.
— Vou perguntar de novo, você vai me ajudar? É fácil ficar sentado esperando.
— Eu até gostaria, mas preciso treinar um pouco. — Aponto para a mochila que havia trazido do quarto. — A semifinal já está quase chegando.
Aquilo interessa minha mãe.
— Você vai ao Aquatic Center? — pergunta e eu me forço a não revirar os olhos.
— Eu não vou lá há anos, mãe. Você sabe disso.
— Você não pode dirigir para a cidade vizinha toda vez que quiser treinar. Por que não se associa a algum clube daqui?
— Porque as piscinas não são boas. Nenhuma é de 25 metros, não tem raias ou a profundidade que eu preciso.
Já havia repetido tudo aquilo milhares de vezes, e é impossível ela ter se esquecido. Minha mãe só está fazendo o que ela sempre faz.
— Mas é muito incomodo ir até Marechal Floriano!
— Não é. Não dá nem vinte minutos de carro e eu já acostumei.
— Você deveria ir ao Aquatic Center. — Ela insiste e eu desisto de falar alguma coisa. — Tenho certeza de que tem tudo o que você precisa e foi lá que você aprendeu a nadar.
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Brilho e Espuma
RomanceTudo na vida de Isaque parece ser normal. A faculdade, os amigos e até a sua obsessão pela natação são coisas com que ele está acostumado e consegue lidar. Mas ninguém é perfeito, todo mundo tem pelo menos uma partícula de loucura e talvez tenha sid...