Capítulo 28

2 0 0
                                    

Zahara

— Como você sabe que o Lucas não vai aparecer? — pergunto ao pisar no quarto de Isaque.

— Ele está com a Bia por tempo indeterminado.

Meus olhos vão direto para a janela fechada, para o vidro molhado onde água não para de correr. Está chovendo mais do que o considerado comum para essa época do ano o que já costuma ser muito. Começou enquanto Isaque treinava e mesmo estando dentro do ginásio, coberta por telhas e paredes de concreto, eu me encolhi assim que vi a luz do primeiro raio atravessar as vidraças. Ao sair da piscina, Isaque me abraçou e me molhou inteira, mas eu gostei. Ele tocou o meu rosto e me beijou antes de dizer bem baixo, só para mim:

— Vai ficar tudo bem. Daqui a pouco para e enquanto não parar você vai ficar comigo.

Não sei se ele entende como aquilo me acalmou e é por isso que eu estou no quarto dele, encharcando o chão e ouvindo o barulho da água bater com uma violência inacreditável na grama, nos prédios e em tudo o que ela encontra pela frente.

Olho para Isaque e sorrio porque ele está se livrando da camiseta ensopada. Seu corpo está molhado pela chuva e pela água da piscina e eu gosto de ficar o olhando assim. O cabelo castanho úmido caindo na testa, as gotas escorrendo pelo seu tórax liso e sumindo quando encontram o tecido da sua calça.

— Cama — ele diz, indicando com a cabeça o colchão coberto por um edredom azul.

Tiro os meus sapatos e meu vestido e Isaque me coloca bem junto a ele quando me deito. Ele nos cobre até que cada parte de nós esteja escondido e protegido.

— Vamos ficar aqui embaixo até os raios pararem? — pergunto. Nem as nossas cabeças estão para fora.

— Sim ou até a gente morrer sufocado.

Nossas pernas se enroscam desajeitadamente e eu rio começando a beijar o peito dele devagar. Não consigo me conter, eu realmente gosto daquela parte dele.

— Você acha que vai estar chovendo amanhã?

— Se estiver, a gente vai continuar aqui. — Isaque desliza os dedos pelo meu braço.

Ainda ouço o barulho da chuva correndo lá fora, dos trovões fortes que fazem o prédio tremer

— E se chover para sempre?

Ele sobe os dedos até o meu cabelo.

— A gente fica aqui para sempre.

A boca dele pressiona a minha de repente. Por alguns segundos é só isso o que acontece por que Isaque está esperando que eu reaja. Separo meus lábios para que a língua dele deslize para dentro e quando isso acontece tudo em mim esquenta e eu fico morrendo de vontade que ele me beije pelo corpo inteiro. Mas Isaque não força nada e esse é um dos motivos que me fazem ficar confortável perto dele.

Desde o primeiro dia Isaque me respeitou. Não importa o que ele ouviu sobre mim antes, ele respeitou o meu corpo todas às vezes que ficamos mais íntimos. Eu sei que ele esperaria até que eu mostrasse o momento certo e sei que ele não me forçaria a nada se o momento certo nunca chegasse.

Um calor passa pelas minhas bochechas, mas eu ignoro. Estou me acostumando com esse tipo de coisa que Isaque me fala. Às vezes eu tenho dificuldade para entender que a vida pode ser boa.

A chuva para eventualmente, mas demora. Não sei ao certo quanto tempo leva porque paro de prestar atenção, pois fico beijando Isaque e acariciando o rosto nele sob a coberta. De vez em quando ele me beija no rosto, encostando os lábios devagar na minha pele. Outras vezes nós só nos encaramos, captando as sombras dos nossos olhos no breu do nosso esconderijo. Eu poderia ficar na cama para sempre, mas me forço a levantar ao perceber que o barulho da água do lado de fora diminuiu.

Ando até a janela para olhar o campus vazio e encharcado.

— Nunca gostei de chuvas, mas tudo piorou depois do enterro. — Começo a falar, analisando o lado de fora. — Estava chovendo no dia e por isso agora até a chuva parece ser mais difícil de suportar. Tudo fica difícil quando não se tem mais vontade de viver. — Viro para Isaque e ele está sentado na cadeira de uma das escrivaninhas do quarto. O tabuleiro de palavras-cruzadas continua lá do jeito que eu havia visto semanas atrás.

Isaque me beija quando me puxa para o colo dele e eu tento dizer tudo o que eu quero com as minhas mãos que sobem pelos braços dele até o seu cabelo. Isso é o máximo que ele pode fazer por enquanto e é maravilhoso.

Eu poderia ficar para sempre o beijando, mas o ar acaba e ele acaricia o meu rosto quando separamos nossas bocas. Apoio a cabeça no ombro dele e dou um beijo na pele rígida do pescoço. Meus lábios formigam e eu encosto a ponta do nariz no corpo dele.

A mão dele continua me segurando contra o seu corpo, mas a outra está mexendo no tabuleiro. Posso escutar o barulho das peças leves sendo arrastadas. Não posso vê-las por que meu rosto está enfiado estrategicamente no pescoço de Isaque e meus olhos estão fechados.

— Zahara Espumante... — Isaque dedilha o meu queixo e eu me forço a erguer o rosto. Ele está apreensivo agora e eu não sei o porquê. — Posso ser o seu namorado?

Ele olha para o tabuleiro e eu sei que devo fazer o mesmo. As pontas dos meus dedos estão geladas e todo o meu organismo se calou. Até o meu coração, que estava batendo absurdamente forte até dois segundos atrás parece ter sido desconectado da tomada. A nuvem preta do medo tenta se formar de novo dentro de mim, mas ao olhar para as letras de madeira eu sorrio.

SIM NÃO

Com certeza um mapa seria mais fácil. Eles não beijam ou cheiram bem. Eles não são Isaque.

— Nunca namorei ninguém — digo baixo, encarando um ponto do ombro dele.

Em silêncio, peço para que o universo faça a parte dele e me deixe viver isso em sua forma mais plena. Sem recaídas, sem buracos escuros para me sugar. Espalho as letras do tabuleiro e deixo apenas o sim. Isaque me beija de novo com mais vontade e mais urgência e eu sorrio sem perceber, mas quando noto entendo que isso é algo que eu faço sempre perto dele.

Brilho e EspumaOnde histórias criam vida. Descubra agora