Isaque
Costumava ir para Guarapari com os meus pais quando era menor. Gostava de ir por causa das praias e do mar que eu não via com tanta frequência.
Nadar no mar não é a mesma coisa, é mais difícil e mais perigoso. Um pouco antes da minha família se desintegrar, nós fomos passar um final de semana na cidade. Meus pais não podiam tirar os olhos de mim que no segundo seguinte eu já estava longe, no meio da água aonde mais ninguém se arriscava a ir. Não era coragem exagerada ou falta de bom senso, era só vontade de nadar.
Hoje, ao chegar no destino final apontado pelo GPS eu tive certeza de que estava perdido. O aparelho dizia que eu já havia chegado, mas tudo o que eu vi foi uma rua com o asfalto perfeitamente nivelando e calçadas cheias de arbustos verdes e árvores gigantes. Casas que estavam bem longe de ser como a minha ou como as do meu bairro. Eram grandes demais. Largas, visivelmente caras e bem protegidas com cercas elétricas e muros arborizados. Mesmo assim, nenhuma delas era como a casa de Zara.
Depois de me identificar no portão e passar por um segurança, tive que dirigir mais um pouco por um caminho longo e cheio de árvores até chegar à entrada do lugar. Aquilo estava bem longe de ser uma casa. A construção de seis cômodos e um jardim de inverno em que eu morava em Domingos Martins é uma casa. Já aquilo na minha frente não poderia ser uma casa para apenas uma família.
Um homem já me esperava na escadaria branca que leva até a porta de entrada e eu saí do carro sem olhar mais que uma vez para os outros três Audis e uma BMW parados do lado. Meu carro parecia um brinquedo descartável perto deles.
Mesmo tendo recebido com muita educação pelo homem que me esperava na porta da casa, não deixei de duvidar por nenhum minuto que tudo aquilo era um grande engano. Até que ela apareceu na sala de mãos dadas com uma menina e com os olhos cansados arregalados para mim.
— Você é o Isaque? — A garota se solta de Zara e se aproxima com o braço estendido.
Fisicamente, a maior diferença entre ela e a irmã são os olhos. Os de Nailha são em um tom de mel um pouco mais claros que o de Zara que são como uma cachoeira de chocolate. O cabelo da pequena é diferente também. É mais liso e sem os cachos cheios que envolvem o rosto da irmã.
— Isso mesmo. E você deve ser a Nailha.
Envolvo a sua pequena mão e a balanço. Nailha está bastante satisfeita, mas Zara continua parada no mesmo lugar e eu nem sei se ela está respirando.
— Sou eu sim! Olha, Zahara, é o seu amigo!
Zara pisca.
— Como você chegou aqui? — ela pergunta — Ninguém em Santa Clara sabe onde eu moro.
Está muito claro que eu não deveria ter vindo. E está muito claro também que ninguém em Santa Clara sabe onde ela mora, porque entre todos os boatos que cercam o nome dela, nenhum fala sobreo fato de ela ser tão rica. Já estive em casas de pessoas com dinheiro antes, mas nada comparado isso.
— Eu fui convidado.
— Eu chamei o Isaque. Liguei pra ele quando você estava dormindo. — A animação de Nailha sumiu nos últimos dois segundos e agora ela está cabisbaixa olhando para Zara. — Você á brava? Eu achei que você fosse gostar porque ele é seu amigo e te ensinou a boiar.
Nailha funga e Zara acorda do choque em que a minha presença em sua casa a colocou.
— Não, não, Nai! — Ela vai até a irmã pequena e segura o rosto dela entre as mãos. — Por que eu estaria brava, monstrinha? Eu estou feliz! Muito feliz!
— Mesmo? — Assim como eu, Nailha não está muito segura disso.
— Mesmo. Você é muito boa nisso. — Zara passa os dedos pelos olhos da irmã e a beija na testa. — Me desculpa Isaque, eu só estava surpresa.
Zara sorri para mim, mas eu não sou criança então não acredito tão facilmente.
— Isaque, você quer almoçar com a gente? — Nailha pergunta tão formalmente que Zara dá uma risada baixa. — Débora fez uma torta de chocolate que é muito boa, você vai gostar muito!
Tenho que dizer que não, que não posso. Tenho que dizer que não pois acho que é isso que Zara quer, mas quando eu olho para ela eu não consigo.
— Obrigado, Nailha. Vou aceitar o seu convite.
Ela bate palmas de felicidade.
— Por que você não vai falar para o Otávio que Isaque vai almoçar aqui e já dá uma espiadinha na cozinha pra ver o que vamos comer? — Zara sugere sorrindo.
Todas as vezes que ela citou Nailha no meio de uma conversa eu pude ver o amor no rosto dela, mas agora vendo as duas interagirem não tem como não ver que aquela criança é importante para ela.
— Meu estômago tá roncando — Nailha resmunga.
— O meu também! — Zara ri. — Anda longo antes que a gente morra de fome.
Nailha sai da sala correndo e eu fico sozinho com Zara. Ela respira fundo e olha para mim.
— Quando o seu irmão for grande ele vai fazer isso com você. Pegar seu celular e ligar para as pessoas sem te falar.
Ela é a única pessoa além do meu pai que já falou do novo bebê para mim. Minha mãe não o cita, porque ela tem medo de me chatear. Hugo, Joaquim e Tainá também nunca tocam no assunto pelo mesmo motivo.
— Eu posso ir embora se você quiser.
— Fica, por favor. Nailha está muito feliz com você aqui.
— Tá, mas e você, Zara? — pergunto e ela dá a volta no sofá devagar, parando bem do meu lado.
Ela acabou de acordar, tenho certeza. A preguiça e moleza do seu corpo me dizem isso e me deixam com vontade de abraçá-la. Está com um moletom e uma calça jeans simples que destoam demais no meio da sala cheia de móveis e objetos comprados com o valor que meu pai deve ganhar por ano.
— Eu também estou feliz, só estou um pouco envergonhada para variar.
— Nailha me disse que você estava triste e por alguma razão ela acha que minha presença aqui te faria se sentir melhor.
Zara junta as mãos, encabulada.
— Eu posso ter falado um pouco de você pra ela. Nai é louca por piscinas apesar de não saber nadar como eu. Disse que você gosta de nadar.
Concordo com um aceno, mas estou pensando em outra coisa.
— Me diz o que aconteceu. — Ela me olha confusa. — O que fez sua irmã de oito anos achar que você está triste ao ponto de ligar pra mim.
Zara vira de costas e eu me seguro para não tocar o seu cabelo.
— Não aconteceu nada.
— Eu vim até outra cidade para te ver. Eu quero saber.
Ela se afasta e para a alguns passos de distância.
— Você tem certeza de que quer, Isaque? — Ela volta a me olhar com a expressão séria e os olhos lacrimejando.
— Eu quero — repito, porém não estou mais tão seguro assim.
Ela balança a cabeça para mostrar que entendeu. Seu peito infla com o ar que ela puxa com força pela boca.
— Eu não estou triste. Eu sou triste. Uma parte de mim é só tristeza. — Zara apoia os dedos no sofá e desvia os olhos de mim. As bochechas estão coradas e a respiração mais lenta e profunda. Ela está travando uma batalha consigo mesmo sobre o que falar e como falar. Eu queria não ter perguntado nada. — E um dia eu tentei morrer e às vezes parece que eu consegui.
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Brilho e Espuma
RomanceTudo na vida de Isaque parece ser normal. A faculdade, os amigos e até a sua obsessão pela natação são coisas com que ele está acostumado e consegue lidar. Mas ninguém é perfeito, todo mundo tem pelo menos uma partícula de loucura e talvez tenha sid...