Zahara
— Zahara! — O grito de Nailha ecoa pelo hall assim que eu abro a porta de casa — Que bom que você chegou!
Eu sorrio ao vê-la correndo na minha direção para envolver os braços na minha cintura. A aperto contra mim e fecho os olhos.
— Vim ficar com você. O que vamos fazer hoje? — eu faço a pergunta que costuma ser dela.
Nailha ergue os olhos para Otávio que entra atrás de mim, carregando a minha mochila.
— Fiz uma surpresa. — Minha irmã dá uma risadinha e eu entendo que ela andou aprontando alguma coisa. — Vem ver! — Ela segura a minha mão e me puxa pela escada. Ainda está com o uniforme da escola e o cabelo preso com um laço de cetim.
Do lado de fora, no jardim, a movimentação está igual a sempre. Pessoas podando as flores, limpando a piscina, varrendo a grama. Do lado de dentro o barulho é quase nulo, mas isso não significa que a casa está vazia. No andar de cima eu encontro Rose, a empregada responsável pela limpeza, que me cumprimenta sorridente e com uma visível preocupação nos olhos.
Eu deixei a casa inteira preocupada nas férias. Quando eu voltei do hospital, o silêncio dos cômodos quase me deixou surda. Minha casa nunca foi barulhenta, mas naqueles dias eu podia sentir que todos estavam prendendo a respiração e de olho em mim, que não saía do quarto. Nas vezes que saía sempre encontrava um rosto me encarando com nervosismo como se eu fosse uma bomba prestes a explodir. Talvez eu fosse uma mesmo. Talvez eu ainda seja.
Entro no meu quarto de mãos dadas com Nailha. Van Gogh pula da minha cama e se arrasta até ela. A mim ele não dá nem um miado, mas tudo bem, também não estou ligando muito para ele, minha atenção está no outro lado do cômodo.
Nailha é tão melhor do que eu. Não é por nada que minha mãe, Otávio, todos os empregados e funcionários da empresa Calabazas e até Van Gogh preferem ela. Eu também prefiro. Tenho certeza de que ela fez tudo isso sozinha. Pegou os lençóis brancos do closet e barbantes para pendurá-los como uma tenda gigante com ajuda de algumas cadeiras que ela roubou do escritório do papai. Pegou o colchão de ar, o encheu e o forrou com mais lençóis e um edredom dela, estampado com flores vermelhas. As almofadas e travesseiros da minha cama estão lá também e os forros das cortinas do quarto foram fechados para que o cômodo ficasse mais escuro e aconchegante.
É tão convidativo que Van Gogh se afasta de Nailha e entra na tenda, se jogando no colchão.
— Você fez uma tenda da soneca para mim?
A tenda da soneca é uma coisa nossa que surgiu recentemente. Os motivos que fizeram a ideia nascer não eram bons, eram péssimos. Começou depois do enterro. Ninguém conseguia dormir nas noites seguintes, mas com Nailha era pior. Ela sequer tentava fechar os olhos por dois segundos. Ficava acordada, vagando pela casa com Van Gogh entre os braços. Uma hora ela estava no quarto, deitada embaixo dos lençóis e parecia que tudo ficaria bem, mas então eu a ouvia andando nos corredores, falando com o gato sobre como eles deveriam ficar acordados para esperar o papai.
Melissa tentou, mas Nailha não estava interessada em dormir no quarto dela ou que mamãe dormisse em seu quarto. Ela também não queria dormir na minha cama. Segundo a psicóloga com que ela teve algumas sessões na época, o simples ato de dormir poderia estar a assustando. Nailha não queria acordar e perceber que o que estava acontecendo era verdade. Ela estava enxergando tudo como uma coisa irreal e a verdade é que eu também estava.
Não podia ser verdade. Como que alguém pode estar aqui um dia e no outro não? Não é justo.
Antes que minha mãe se desesperasse de vez, eu chamei Nailha para o meu quarto em uma das noites que a ouvi saindo do escritório de papai às 3 da manhã. Ela me ajudou a juntar os lençóis e a separar os objetos essenciais para a nossa tenda. Um pote de biscoitos amanteigados, água, livros, o tabuleiro de palavras-cruzadas, muitas almofadas e lanternas e um espaço para Van Gogh. Comemos, brincamos, lemos histórias até que ela dormiu completamente grudada em mim. Fizemos isso durante uma semana.
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Brilho e Espuma
RomanceTudo na vida de Isaque parece ser normal. A faculdade, os amigos e até a sua obsessão pela natação são coisas com que ele está acostumado e consegue lidar. Mas ninguém é perfeito, todo mundo tem pelo menos uma partícula de loucura e talvez tenha sid...