O semestre começou há três semanas, mas até agora ninguém entrou no ritmo das aulas. As férias ainda estão muito vivas na nossa memória para nos fazer levar a sério alguma coisa na faculdade. Não que isso mude com o tempo, mas com certeza aumenta a frequência nas reuniões do diretório acadêmico.
O nome oficial dos encontros é "seletivas do diretório". Cada área de especialização dos cursos oferecidos pela USC tem um diretório que nada mais é do que uma espécie de grêmio. É lá onde toda sexta-feira ocorrem reuniões dos estudantes em que teoricamente são listadas críticas e sugestões dos alunos sobre as aulas, professores e qualquer coisa do tipo para depois serem repassados para a coordenadoria e reitoria. Acho que eles até fazem isso nos primeiros 15 minutos. Não sei dizer pois nunca participei. Sempre que chego a coisa já se desenvolveu para "a verdadeira seletivas do diretório" que acontece no penhasco.
Quanto mais tarde, mais cheio o barracão fica. Os inspetores e seguranças não podem reclamar. Quanto mais alunos participassem da reunião melhor. Mais melhorias aconteceriam para faculdade e assim ela continuaria entre as melhores do país.
— Achei que você fosse pra casa para ficar trancado no seu quarto chorando pelo treino perdido ou olhando para o teto. — Mal passo pela porta da frente e Joaquim aparece.
— Eu pensei nisso, mas Lucas está lá, se irritando até com o jeito que eu respiro — respondo sem olhá-lo. Lucas é o cara com quem divido um estúdio minúsculo em um condomínio lotado de repúblicas que fica a poucos metros do campus.
Dou uma olhada em volta e vejo as pessoas de sempre. Uma ou outra são dos outros pavilhões, mas a maioria é aluno dos cursos de humanas. Tem o grupo dos hippies, dos desleixados, dos hipsters, das meninas descoladas, dos atletas – que eu faço parte mesmo sem me encaixar totalmente – e dos que não se encaixam em nenhum.
— Quando você vai começar a tentar achar outro lugar para morar?
— Nunca. Ele é chato, mas é suportável. Às vezes até mais do que você.
— Dá um tempo. — Joaquim reclama.
Andamos entre as pessoas que estão conversando e lendo estiradas nas almofadas coloridas ou escoradas nas paredes cobertas de recortes de jornais que mostram as conquistas do diretório ao longo dos anos. Jornais que a própria USC publicou em algum momento nos seus 65 anos de existência porque nenhum outro meio de comunicação se interessa em publicar coisas como a troca dos papeis para recicláveis ou a mudança das regras de conduta da instituição.
A área em que o pequeno prédio fica faz parte do terreno da USC, o que significa que é proibido álcool e acima de tudo drogas. Cigarros podem ser fumados em locais específicos marcados por faixas amarelas no chão e placas que obviamente não são respeitadas por ninguém.
A coisa é diferente no lado de fora. É costume passar por dentro do prédio para chegar até lá apesar de não ser necessário. O muro que separa o campus do resto mundo, logo atrás do barracão, tem um buraco. Nos outros dias da semana ele é pregado com um pedaço de madeira e escondido por caixotes vazios, o que é uma perda de tempo e esforço já que todo mundo sabe que o buraco existe, e isso incluí a coordenadora, os professores e até o reitor.
Não tem como não saber da existência do buraco já que ele é grande o bastante para servir de passagem para os alunos. Uma vez por semestre, ou na melhor das hipóteses uma vez por ano, ele é fechado pela faculdade que desiste de fingir que ele não existe, mas ele sempre acaba reaparecendo de forma misteriosa.
Ao atravessar o muro o que se vê é um terreno abandonado. Não se sabe direito de quem ele é. Em todo esse tempo nenhum suposto proprietário veio checar se estava tudo bem e deu de cara com um bando de estudantes usando o lugar como refúgio da vida acadêmica. A polícia de Santa Clara aparece de vez em quando, mas não dá em nada e isso nos faz imaginar que não é uma propriedade privada senão todos seriam presos por invasão. Por enquanto ele é só mais um terreno sem dono que serve uma vez por semana como ponto de encontro.
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Brilho e Espuma
RomanceTudo na vida de Isaque parece ser normal. A faculdade, os amigos e até a sua obsessão pela natação são coisas com que ele está acostumado e consegue lidar. Mas ninguém é perfeito, todo mundo tem pelo menos uma partícula de loucura e talvez tenha sid...