Capítulo 27

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Isaque

Cheguei em Santa Clara segunda-feira com a sensação de que o mundo havia ficado lindo de repente e que nada poderia tirar de mim o sentimento de felicidade que há tanto tempo não sentia. Claramente me enganei.

Depois de ter uma pequena discussão com Lucas sobre a torneira quebrada do banheiro do nosso quarto, fui para o refeitório comer antes da primeira aula. Lá, encontrei Hugo, Joaquim, Murilo e Tainá sentados em uma mesa, um olhando para a cara do outro como em um jogo de pôquer.

Paro ao lado deles e ninguém diz nada. Joaquim está de braços cruzados, encarando as mãos e Hugo está com um bico tão grande que quase encosta nas próprias coxas. Só Murilo que acena pra mim levemente com a cabeça. Não sei o que ele está fazendo aqui, mas acho que é pra cuidar de Tainá que olha para Hugo e Joaquim com uma carranca.

— É algum tipo de reunião e eu não fui convidado? — pergunto e me sento ao lado de Joaquim.

O clima está horrível. Tainá entrelaça os dedos em cima da mesa e suspira. Murilo a abraça pelos ombros e ela sorri para ele, mas quando volta a olhar para Hugo e Joaquim, seu rosto se fecha novamente.

— Eu tentei Isaque, mas não sei como posso ajudar aqui.

— Você pode começar me contando o que está acontecendo.

Joaquim resmunga e descruza os braços para pegar o copo de café em cima da mesa. Tainá pigarreia e olha para Hugo que está estático, mas também está com a expressão de quem não se importa mais. Ele acena que sim para a garota, dando permissão para que ela me conte.

— Hugo está saindo com o Gustavo — Tainá diz normalmente, como se estivesse falando que Hugo está preocupado com o jornal, por exemplo. Não parece que ela está falando que Hugo está saindo com o ex-namorado dela. — Se conhecendo, certo? — Ela olha de novo para Hugo que assente. Joaquim se mexe do meu lado, irritado. — Joaquim não está levando isso muito bem.

— Eu só não entendo por que você não nos contou antes que é... — Joaquim faz uma pausa e eu demoro a perceber que ele está falando com Hugo já que ele está olhando para o copo de isopor. — Você sabe.

— Nossa, Joaquim. — Hugo cospe as palavras com desgosto. — Você pode falar a palavra certa, não é um xingamento! Pelo menos não pra mim, agora pelo jeito pra você...

Ele olha para Joaquim com mágoa. O outro garoto não tira os olhos do copo então Hugo se vira pra mim.

— Eu sou gay — ele diz.

O momento chegou e está sendo bem menos dramático do que eu pensei, sem contar o problema entre Hugo e Joaquim. Joaquim sempre foi o rei do drama.

— Eu meio que desconfiei — digo e Joaquim levanta a cabeça rápido para me encarar. Ele está me acusando de algo então eu olho para Hugo que está surpreso. Tainá só me olha com curiosidade e Murilo não dá a mínima para a cena de novela que está presenciando. Seus olhos voltam para o rosto de Tainá a cada 30 segundos. Ele está preocupado apenas com ela. — Você nunca falou sobre os seus relacionamentos mesmo quando era óbvio que você estava saindo com alguém. Eu deduzi.

Foi isso, e também foi porque nas festas, quando Hugo sumia por entre as pessoas, eu o encontrei uma ou duas vezes sem querer falando com um garoto de uma forma que eu estaria falando com uma garota. Somei dois mais dois. Primeiro foi um choque, mas na segunda vez eu não liguei.

Não lembro se algum dia já achei estranha a ideia de duas pessoas do mesmo sexo se relacionando. Espero que não. Desde o dia em que eu joguei a partida de palavras-cruzadas com Pedro, meu melhor amigo da quinta série, e os dois pais dele, eu entendi que tanto faz. Naquele momento, aquela família era muito melhor do que qualquer outra que eu tinha visto. Muito melhor que a minha; Toda vez que eu olho para o meu tabuleiro de palavras-cruzadas eu lembro disso.

Hugo não se manifesta, apenas pisca tentando entender como ou quando ele deu os sinais que o entregaram.

— E você não me contou? — Joaquim pergunta lívido.

— Não tinha o direito de contar nada, né Joaquim? E pelo amor de Deus, por que você está nesse estado? Você é realmente esse tipo de pessoa?

Ele aperta os dedos no copo mole quase fazendo o café vazar.

— Joaquim está sendo infantil. — Tainá diz, mostrando mais uma vez que ela é mil vezes melhor do que nós. — Hugo não precisa te dar satisfação de nada. Gustavo é meu ex-namorado. Se alguém poderia estar brava aqui sou eu, mas eu não dou a mínima. Na verdade acho até bom. Hugo pode colocar um pouco de bom-senso naquela cabeça dura — ela bufa e Murilo passa os dedos no pedaço de pele do ombro da garota que está descoberto, talvez em um ato inconsciente para lembrá-la de que ele está com ela.

— Hugo deveria ter contado antes! — Joaquim diz mais alto.

— Você diz como se fosse fácil — Hugo retruca já sem paciência. — Chegar para os seus melhores amigos, que por sinal você vê seminu três vezes por semana no vestiário, e dizer que você gosta de garotos.

A pele de Hugo se avermelha de vergonha.

— Cara, relaxa. Não tem nada a ver isso do vestiário — Murilo fala pela primeira vez, olhando para Hugo. — Fica de boa.

Acho que Tainá quer dar um beijo em Murilo pela forma que o olha. Meu respeito pelo novato acaba de subir 200%, mas Joaquim continua alheio a qualquer coisa que não seja o fato de que Hugo escondeu isso dele.

É bem típico ele pirar por Hugo não ter contado algo pra ele. Joaquim gosta de atenção e de se sentir parte das coisas. Mas ele está sendo completamente irracional.

— Você disse que sabe disso desde sempre! — Ele ruge para Hugo. — Nunca passou na sua cabeça que nós merecíamos de saber?

Hugo arregala os olhos e aperta os lábios antes de falar.

— Nunca passou na... — Ele solta uma risada incrédula. — Você é mesmo um merda de um egoísta, Joaquim. Eu pensei nisso todos os dias, mas sabe, não é fácil falar sobre isso quando você ainda se lembra dos bilhetes homofóbicos que deixavam no seu armário da escola, ou quando nenhum dos seus vizinhos te chamava mais pra jogar bola no campo do bairro depois que você começou a sair com um garoto! Não é fácil, porra! Sério que você não entende isso?

Hugo se levanta com o rosto vermelho de raiva e os olhos brilhando de uma forma ruim. Ele vai embora tão rápido, carregando suas provas do jornal do mês, que ninguém tem tempo de falar nada. Tainá também se levanta e sai correndo atrás dele, sem nem se preocupar em falar nada para Murilo.

Olho para Joaquim e ele está encarando o lugar que Hugo ocupou. Joaquim me irrita fácil, mas hoje ele extrapolou.

— Isso foi feio — Murilo diz, apoiando os cotovelos na mesa. — Sério que você se importa tanto assim? — Ele pergunta pra Joaquim que engole em seco e volta a pegar o copo de café.

Murilo está de parabéns, Joaquim definitivamente não e por isso decido que não vou ficar pra ouvir nada que ele tenha a dizer.

Brilho e EspumaOnde histórias criam vida. Descubra agora