Capítulo 13

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Nos beijamos tanto que em certa hora eu tiver certeza de que alguma coisa aconteceria naquele quarto. Podia sentir o calor do corpo dela por cima do tecido da sua roupa. Mas nada aconteceu. Ela não quis. Ela impôs o limite e eu tomei o cuidado para não o desrespeitar.

— Eu estava pensando... — Zara começa a falar, rolando o corpo para longe de mim. — Sobre como seria se eu tivesse te conhecido quando eu tinha 12 anos, por exemplo.

Acho que eu estou me acostumando com esses assuntos aleatórios que Zara joga para quem quisesse ouvir. Não fico tão confuso ou me perguntando o que ela está querendo dizer. Só tento seguir o raciocínio.

— Com 12 anos eu não estava afim de amizades. Eu provavelmente ignoraria você.

Eu a ignoraria mesmo. Estava ocupado demais revoltado com o universo por ter tirado indiretamente o meu pai de mim. Nessa época eu me tornei uma criança chata – os resquícios de chatice estão até hoje, eu sei – e eu acabaria deixando Zara passar como só outra garota bonita.

— Eu falaria com você mesmo assim e chutaria sua canela até você falar comigo.

— Nossa, garota!

— Eu sou persistente. Bom, eu era. — Zara se apoia nos cotovelos. Não sei quando ela teve a ideia de tingir a ponta dos seus cachos de vermelho, mas foi uma ideia boa. — Nós seríamos melhores amigos

— Não sei não.

— Ou não suportaríamos. No final ia dar na mesma e a gente acabaria dando uns beijinhos. — Começo a rir porque ela está falando sério. — Seria lindo o tempo todo, mesmo quando não fosse. Como em um livro do Jonh Green.

Seu corpo cai na cama de novo e eu me aproximo dela.

— Não sei quem é Jonh Green, mas nós podemos fazer tudo isso agora.

Zara ri baixinho.

— Viu? É por isso que eu sei que teria sido lindo. — Ela boceja e entrelaça o braço no meu tronco. — Teria sido maravilhoso.

***

O tempo passa devagar com Zara deitada do meu lado, olhando para o teto do quarto escuro como se estivesse vendo uma passagem incrível. Ninguém está olhando para TV. De vez em quando ela sorri para o nada e depois vira o rosto para mim, me deixando ter a atenção dela. Nessas horas ela também me deixa beijá-la e nós voltamos para o ciclo interminável de nos beijar por todos os lados.

A chuva continua na mesma. Quase tudo lá fora continua igual e Zara se levanta para olhar pela janela. A chuva parou e já parecia ser seguro ir para o lado de fora sem correr o risco de ser atingido por um raio.

Então, Zara pega um cigarro, liga o computador e coloca uma música.

"Os Cegos do Castelo" começa a ecoar pelo quarto. Zara nota minha expressão descrente e disse:

— Não faça careta para Nando Reis.

— Essa música é rui...

— Shiu. Sem blasfêmias.

Fiquei em silêncio e estou assim já há algum tempo, só assistindo ela fumar.

— Você tem que sentir a música.

— Não entendo por que você gosta dela.

— Você não está prestando atenção. Ninguém presta. As pessoas precisam prestar mais atenção nas coisas, Meu Deus!

Eu não quero mais mentir

Usar espinhos que só causam dor

Eu não enxergo mais o inferno que me atraiu

Dos cegos do castelo me despeço e vou a pé até encontrar

Um caminho, um lugar pro que eu sou

Zara pisca e olha para o próprio pulso, os dedos correndo pela sua pele marrom.

— Você deveria estar nadando em um clube — ela diz de repente — Em um time profissional. É o que dizem por aí.

Essa parte é novidade. Costumo saber o que as pessoas falam de mim nesse campus, mas isso?

Zara não para de me olhar. Acho que ela está lendo a minha mente.

— Eu fui de um clube profissional dos 13 aos 16 anos. — Começo a falar, mas paro de olhá-la. Esse assunto é desconfortável pra mim. — Participei de várias competições com ele e até de algumas nacionais.

Me calo e Zara me analisa com mais atenção. Ela não está satisfeita.

— O que aconteceu? — ela pergunta em voz baixa e eu inspiro com força, entendendo que eu vou ter que falar para ela mais uma história vergonhosa sobre mim.

— Meu pai aconteceu, pra variar. Eu tinha acabado de sair de uma final em que eu fiquei em quarto lugar no nado peito. Sem medalhas, sem nada. Mesmo assim ele achou uma boa ideia me falar naquele instante que iria casar com uma mulher 15 anos mais nova que minha mãe. — O cigarro dela está aceso e, por mais que ela o leve aos lábios de vez em quando, não vejo nada no rosto dela que mostre algum tipo de prazer em estar fazendo aquilo. Pelo contrário, é como se ela estivesse se obrigando a tragar. — Meu desempenho no time caiu depois disso e eu perdi a vaga um tempo depois — murmuro. — Sei que parece ridículo.

— Não parece ridículo, parece triste. — ela diz, desistindo de fumar e apagando o cigarro no batente da janela. — Pra mim, nadar faz parte do seu ser e você deixou que outra pessoa apagasse a sua essência. – ela ri da minha cara – Falando assim parece que eu tenho um lado filosófico.

Sim, eu me arrependo de ter deixado a minha frustração me atrapalhar, mas eu não penso muito sobre isso porque tenho dúvidas se a natação faz parte de mim. Não tenho uma ideia clara sobre o meu ser como ela parece ter. Não sei sobre nada o que me compõe, mas agora eu sei que quero descobrir.

— Eu estou apaixonado por você.

Já sabia daquilo há dias. Não foi a observação de Hugo durante o jogo de basquete que iluminou a minha mente, foi a própria Zara quem me fez perceber com o seu texto sobre o ser.

Eu sou 100% melhor perto dela. Eu enxergo coisas novas e sinto coisas novas não só com relação a ela, mas a tudo. Se isso não é o mais perto que eu cheguei de encontrar o meu "verdadeiro ser" eu não sei mais o que é.

Zara está mais séria do que eu gostaria que ela estivesse depois de ouvir minha declaração. Mesmo assim ela desce da escrivaninha, largando a janela aberta. Deita-se do meu lado, se cobrindo com o lençol. Apoia o braço no meu abdômen e encosta a cabeça no meu peito.

— Queria mesmo ter te conhecido antes.

***

Quando acordo no outro dia, Zara não está.


Brilho e EspumaOnde histórias criam vida. Descubra agora