Capítulo 33

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Isaque

No carro, pegando a estrada de volta para Guarapari, meu coração ainda está batendo fora do ritmo normal. Parece que eu estou prestes a mergulhar em uma piscina e ser avaliado por uma banca de treinadores, mas eu só estou dirigindo com uma garota do lado. A garota.

Não sei se minha pulsação está assim ainda por causa de Nicolas ou por causa de Zara. Deve ser um misto de tudo. Ela estava certa, eu queria vê-lo. Não tive nenhuma revelação profunda ao olhar para o meu meio-irmão pela primeira vez, mas agora tenho certeza que não o odeio e a ideia de ter um irmão 19 anos mais novo que eu não me parece mais tão horrível.

Paramos em um posto, depois de meia hora de puro silêncio em que Zara ficou balançando os dedos do lado de fora da janela. Os olhos fechados e o vento batendo no rosto dela.

— Donuts? — eu pergunto depois de dar uma olhada nos pneus.

Zara sorri e balança o pacote que segura. Ela correu para loja de conveniência, dizendo que precisava comprar uma coisa.

— Até que você me conhece mesmo. Pensei em levar pra Nai um pouco, e comer o resto, é claro.

Eu amo quando ela sorri. Eu amo ainda mais quando ela sorri pra mim como está fazendo agora. Ela apoia as costas no carro e pega com o guardanapo um donut coberta de chocolate.

— Acho que você daria um belo frentista — ela diz, me observando encher o tanque de gasolina.

— Vou considerar isso quando minha carreira como advogado der errado.

— Você não vai ser advogado — Zara dá uma mordida pequena no doce e mastiga, limpando os lábios com a língua. — Vai ser nadador profissional.

Dou uma risada controlada, mas ela está séria, me avaliando.

— Você acha mesmo isso?

— Tenho certeza.

O apito da máquina me faz acordar e eu coloco a mangueira no lugar. Zara continua me olhando, um pouco mais relaxada e eu sinto vontade de beijá-la, de ficar abraçado até que o perfume dela impregne em mim, de voltar para aquele quarto em Vitória e não sair de lá nunca mais.

— Preciso te falar uma coisa.

— É a pergunta pessoal de hoje? — Ela sorri e seu cabelo voa com o vento. — Porque se for, pode esquecer. A gente já extrapolou os limites da intimidade hoje.

— É uma afirmação.

Zara ergue as sobrancelhas, totalmente surpresa.

— Essa é nova.

— Eu também sei surpreender.

— Eu sei. Você me surpreende a cada dia.

— Duvido. Quem faz isso aqui é você.

Os dedos dela estão sujos com cobertura de chocolate e ela os limpa com um guardanapo.

— Você se subestima demais. Te acho a pessoa mais surpreendente de todas.

Chego mais perto dela e toco a ponta do seu cabelo.

— Só surpreendente?

— Instigante, interessante, inteligente. Está bom assim ou você quer que eu amacie mais ou seu ego? — ela resmunga, mas dá um sorriso de canto.

Toco a sua bochecha morna.

— Eu aceito só isso se você me der um beijo.

Zara me analisa, mas segura o meu rosto e me beija. Seus lábios são puro chocolate e é maravilhosamente bom. Mas ela me solta rápido demais e eu resmungo.

— Naiha está me esperando — sussurra, me dando um selinho. — O que você queria me dizer?

A boca dela está mais vermelha do que nunca.

— Obrigado por ter vindo comigo.

— Você pode me agradecer me deixando dirigir — ela sugere e dá um pulo quando eu entrego as chaves. Como uma criança ganhando um brinquedo. — Era só isso que você queria me dizer?

Zara é esperta demais. Ela é a combinação perfeita de todas as versões do ser humano.

— Não. Eu queria dizer outra coisa. Zahara Espumante, eu amo você.

***

Vou ser expulso do time. Penso isso ao sair da piscina no treino e ver os péssimos 3 minutos estampados no relógio pendurado no teto, resultado da minha exaustão pela noite mal dormida. Ramon me chama para conversar e Samuel age como se o natal tivesse chegado mais cedo.

Em todos os treinos Ramon vem nos dando um sermão sobre responsabilidade e foco. Comigo ele usa muito o termo "bolsa de estudos" e "sucesso" e eu até o compreendo. Eu só não sei se conseguiria atingir as expectativas dele.

Em um gesto de consolo, Murilo se aproxima e dá tapinhas no meu ombro quando Ramon termina o discurso de sempre. No universo masculino tapinha no ombro serve para parabenizar ou demonstrar pena. Gosto do Murilo, mas ele pode parar com essa palhaçada.

No vestiário, encontro Joaquim e Hugo em uma zona de guerra.

— Sabe o que você é, Joaquim? — Hugo nunca grita e não seria agora que ele começaria a fazer isso. Ele junta os dentes e deixa a voz sair abafada por entre eles. — Um egoísta intrometido. Não consegue aceitar o fato de que todo mundo tem uma vida aqui menos você.

Na hora do almoço Hugo não sentou comigo, Joaquim, Tainá e Murilo. Ele foi para uma mesa no canto do refeitório se sentar com Gustavo e outros garotos que eu acho que fazem Administração. A falta de Hugo fez com que Tainá começasse uma discussão com Joaquim que Murilo e eu tivemos que presenciar.

Tainá pediu para Joaquim parar de ser um completo idiota e pedir desculpas para Hugo pelo surto que ele teve bem no momento que Hugo precisava de apoio. Joaquim respondeu que não entende como ela pode estar bem em ver um amigo com o ex-namorado dela. Isso obrigou a garota a provar pela milésima vez que ela é um ser superior.

— Por que eu não estaria bem, Joaquim? Eu gosto do Hugo e ele está feliz. Gustavo não é minha pessoa favorita no mundo, mas ele não é alguém ruim. Hugo está com uma pessoa boa e é isso que importa aqui. E se você quer saber, Hugo veio falar comigo antes de sair do armário pra vocês.

Claro que essa última parte fez Joaquim quase cair do banco. Ele não conseguia acreditar que Hugo falou com a Thay antes de falar com ele e comigo (ele disse isso mas duvido que Joaquim esteja se doendo por mim). Quando ele falou isso em voz alta, Tainá se levantou com o almoço intocado nas mãos e foi embora com Murilo. Eu mesmo estou tendo que me esforçar bastante pra não jogar Joaquim na primeira lata de lixo que encontrar.

— Puta que o pariu, Hugo. Dá pra calar a boca?! — Joaquim já é mais exagerado por natureza, então a voz dele ecoa pelo vestiário e tenho certeza que chega até Ramon do lado de fora. — Se eu sou egoísta intrometido você é um babaca duas caras. — Olho para os lados e noto que não sou o único a assistir a cena completamente boquiaberto. — Quer saber? Foda-se isso.

Dramaticamente, Joaquim pega a mochila e sai andando, sem ligar para o fato de que ele está sem camisa e isso poderia gerar uma advertência caso algum inspetor o pegasse seminu no meio do campus. Hugo o observa sair com uma fúria assustadora estampada no rosto.

— Mas que porra está acon...

— Agora não, Isaque! — Ele me interrompe com um resmungo, jogando com força a toalha sobre o ombro. Eu me calo, surpreso demais para falar alguma coisa.

Samuel e Erick riem entre si e eu sinto vontade de bater a cabeça deles uma contra a outra. Não tem nada de engraçado aqui.

Brilho e EspumaOnde histórias criam vida. Descubra agora