Capítulo Um

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Ela se olhou no espelho do carro e revirou os olhos diante da imagem refletida ali. Os cachos do seu cabelo estavam armados, provavelmente por causa da incessante chuva que caía sobre Seattle naquela tarde. Mas ela não podia dar-se ao luxo de ficar em casa em um dia como aquele. Precisava cumprir as horas de aula para seus alunos naquele ano. E como professora, ela era rigorosa com eles.
​Mariane saiu do carro e ajustou a calça jeans muito apertada e a camisa rosa com babados, pegou também seus materiais, e saiu na direção do portão da penitenciaria. O segurança ali já a conhecia, mas ela precisou apresentar seu crachá para entrar, e passou em seguida pelo corredor de tela que ficava de frente para o pátio agora vazio, onde os detentos jogavam basquete. Ela entrou finalmente no complexo, e uma mulher a acompanhou até o setor que ficava a sala de aula, e pelo barulho que ela ouviu do lado de fora, todos já estavam ali.
​Respirou fundo e ensaiou um sorriso quando entrou na sala, e viu dez homens vestidos com macacões laranjas a olhando estranho. Ela ignorou os olhares que ela já conhecia, e foi até a mesa, deixando o material lá. Ficou de frente para todos, e sorriu.
​— Como estão?
​— Bem. E a senhora? — Ed, o cara grandão no fundo respondeu como sempre fazia em todas as aulas.
​— Está bonita hoje, professora. — comentou um mais na frente, rindo.
​Indo na onda dele, outros começaram a rir, e ela sentiu desejo de gritar e perder a compostura. Mas ela era uma mulher alma, e em seu vocabulário não havia a palavra surto.
​— Obrigada pelo elogio, Clark. Sua beleza também está estonteante hoje. Vamos começar a aula. Abram seus livros na página 87, por favor.
​Quando ela foi até sua mesa para verificar o livro, notou que havia três chamadas de seu pai, o que era um problema, acreditava, já que ele nunca ligava, e pouco se lembrava que ela existia.
​Mas voltou a se concentrar na aula, explicando sobre a importância de Martin Luter King para o país. Estranhamente todos interessaram-se pela história daquele cara negro que tinha feito muita gente pensar diferente. Conseguiu dar a aula tranquilamente, e nem mesmo uma repentina falta de luz foi capaz de acabar com a explicação. Quando terminou tudo, pediu a todos que fizessem as atividades que ela distribuiu entre eles, e que seriam corrigidas na próxima aula.
​O guarda parado na porta da sala avisou que seu tempo tinha terminado, e Mariane reuniu suas coisas, e com um sorriso gentil se despediu dos alunos, que acenaram para ela.
​Pouco depois, quando já estava novamente em seu carro, ela fez o que lhe deixava com o estomago doendo, ligar para seu pai, o que ela também não fazia a cerca de um mês. Mas ele não precisava mais dela, não desde que se casara com Sara, uma mulher da mesma idade dela, que conquistara o coração do velho, e quem ele jurava não ser por interesse. Mas ela não tinha nada a ver com aquilo, já era suficiente ele estar feliz, o que nunca acontecera com sua mãe, e a morte dela serviu para ser a liberdade do velho Marcus, que logo já tinha um novo amor. Quanto a isso, Mariane não conseguia esconder que tinha um pouco de magoa de como o pai conduzira as coisas, e isso não tinha nada a ver com a nova esposa, já que as duas davam-se bem. Era só que... Bem, fora tudo muito rápido.
​Ele não atendeu também suas ligações, mas ela soube que havia algo errado, e por isso decidiu ir até a casa dele, um sacrifício, mas que sabia que era o melhor, porque se não o fizesse, ele apareceria em sua casa naquela noite. E ela não queria ter que ouvi-lo criticar seu apartamento de classe baixa, nem a forma como vivia, e muito menos sua aparência, o que era motivo de briga com ele sempre que se viam.
​Dirigiu até o bairro que o pai morava, um lugar que ricos compravam mansões para mostrar todo seu poder aquisitivo e construir uma família de aparências, enquanto encontrava-se com a amante aos sábados. Parou o carro em frente a grande casa branca de dois andares e desceu, ajeitando os óculos redondos. Caminhou rápido, fugindo das gotas de chuva caindo sobre ela, e apertou a campainha, esperando que a empregada atendesse. Mas para sua surpresa, quem estava do outro lado da porta era Sara, que com um grande sorriso, abriu os braços para um abraço. Mariane a abraçou sem jeito, constrangida, e começou a espirrar ao sentir o cheiro do perfume adocicado que a mulher usava.
​— Está com alergia, querida?
​— Estou. — confirmou a jovem, coçando o nariz. — Meu pai está?
​— No escritório. Venha até a sala, vou chamá-lo. — ela se equilibrou nos saltos altos vermelhos e rumou para o escritório.
​Enquanto isso a jovem sentou-se no grande sofá branco, olhou com desgosto para o grande dálmata de louça no canto da lareira. Eles tinham gostos duvidosos para decoração, a julgar também pelas almofadas de oncinha e de zebra que estavam sobre o sofá.
​Logo o pai apareceu, caminhando devagar, apoiando em sua bengala, e a primeira reação dele, que não foi de forma nenhuma inesperada, foi torcer o nariz ao ver a aparência da filha. É claro que isso aconteceria, ela deveria ter se preparado melhor para aquele encontro, talvez ter passado em casa antes, e se arrumado mais, o que possivelmente evitasse esse incômodo.
​— Como está, pai? — ela disse se levantando quando ele se aproximou.
​— Melhor que você. Sente-se. — ele mandou, sentando de frente para ela.
​— Eu vi suas ligações, estava dando aula, então tentei ligar depois...
​— Ainda dá aulas àqueles bandidos? — estalou a língua, desaprovando.
​— Sim, pai, e eu recebo por isso.
​— Pouco, pelo jeito que você se veste. E aquele carro, ainda anda?
​Ele apertou a o jeans da calça, nervosa.
​— Ele me serve bem.
​Marcus balançou a cabeça contrariado. Mas parecia se conter um pouco naquele dia.
​— Foi bom ter vindo, me poupou de ir até aquele apartamento de quinta. — reclamou, fazendo um gesto de desdém com a mão. — O que quero dizer é muito importante, e como minha filha, com certeza irá acatar.
​Mariane o olhou em expectativa, ele nunca tinha falado daquele jeito, e parecia sério.
​— Como sabemos, completou trinta anos esse ano, e eu esperei que se mostrasse disposta arrumar um pretendente. Já que isso não aconteceu, eu mesmo o fiz, e você se casará em dois meses, minha filha.​​Espere, talvez ela tivesse entendido errado. Ele tinha dito que ela se casaria em dois meses. Era uma piada! Começou a rir, com a mão na barriga, porque era completamente louco aquilo. Mas quando o notou sério, encarando-a, ela percebeu que sim, era sério. Senhor!
​— Pai, não... Isso deve ser piada. Não há como... — ela gaguejou, nervosa.
​Sara apareceu, e sentou ao lado do marido, ele colocou a mão sobre a perna dela.
​— Você ouviu bem, Mariane. Se casará com Santiago Hernandez, meu futuro sócio. Ele é do México, e mora aqui há três anos. Se darão bem, eu garanto.
​Ela se levantou, irritada.
​— Eu não vou me casar com um homem que sequer vi. Eu... Eu... — ponderou, quase chorando. — O senhor sabe sobre minha aparência...
​O pai olhou para a esposa, que sorriu para ele.
​— Eu garanto que isso não será um problema, minha filha. Santiago procura uma esposa para finalmente firmar-se nesse país, e como temos negócios em comum, e ele investirá na minha empresa, sugeri que casassem. Ele aceitou de pronto. — contou o homem, fazendo gestos com as mãos.
​A jovem respirou profundamente.
​— E se eu me negar?
​Ele deu de ombros.
​— Serei obrigado a desconsiderá-la como filha. Sua mãe não gostaria que isso acontecesse, Mariane. Ela queria um homem bom e honesto para cuidar de você, e isso é o que Santiago é. Eu prometo. — ele falou sério, olhando nos olhos dela.
​Realmente? Aquilo estava acontecendo mesmo?
​— Está jogando sujo, pai, porque não quero perde-lo, é minha única família, o senhor sabe disso. — ela disse entre lagrimas que escorriam amargamente por seu rosto.
​— Então aceite o casamento. — insistiu ele.
​Então era daquela forma que seria? Um casamento de negócios com um homem que nunca vira em sua vida, que passaria o resto de seus dias. Era deprimente, porque apesar de nunca ter se apaixonado, Mariane sonhava ainda em encontrar um homem para amar, o que não mais aconteceria. Se dissesse não, perderia seu pai, o que lhe restara de uma família. Era chantagem, e infelizmente ela cairia nessa.
​— Eu aceito. — disse resignada. — Mas quero conhecê-lo apenas no dia do casamento, por motivos que só cabem a mim.
​— Como quiser. Vou marcar a data. E por favor, se esforce para parecer um pouco bonita no dia mais importante de sua vida. — Marcus falou se levantando. — Cuide-se ao voltar para casa.
​— Quer comer alguma coisa, querida? — ofereceu Sara.
​— Não, eu preciso voltar. — Mariane deu as costas aos dois.
​Lá fora, a chuva já havia parado, e ela entrou no seu velho carro e por alguns minutos permitiu-se chorar sozinha. Seu pai era cruel, o mundo era cruel também. Não deveria ser obrigada a se casar. Isso era coisa do século passado! Mas não tinha escolha, porque já vivia uma vida ruim, e mendigava atenção do pai, que parecia ter se esquecido dela para dedicar-se a nova esposa.
​A jovem dirigiu para casa, e ligou o radio, esperando espantar a tristeza, mas começou a tocar uma musica romântica, o que deixou seu humor pior. No caminho de casa, ela passou no drive thru do McDonalds e pediu dois hamburguers com muito queijo. Passara o dia sem comer, e tudo que queria era se entupir com algo gorduroso. Ela descontava suas frustrações na comida, o que tinha a feito chegar o número 46 nas roupas, e que já estavam ficando apertadas. Mas não se importava com aparência, apesar de ficar receosa em como o futuro marido reagiria ao vê-la pela primeira vez.
​Chegou ao seu pequeno apartamento e se jogou no sofá velho, enquanto ligava a TV e comia o hambúrguer que tinha comprado. Frida, sua gata preta e branca apareceu manhosa ao seu lado, e Mariane se levantou e foi até a cozinha colocar ração para ela.
​— Ficou o dia todo sozinha, meu amor? Venha, coma um pouco.Da próxima vez deixarei mais comida em seu potinho. — acariciou a gata e ficou olhando ela comer, para só depois voltar para o sofá.
​— Não acredito que em dois meses estarei casa, Frida. Vamos ter que nos mudar. Será que Santiago gosta de gatos? Bom, de qualquer forma não vou me separar de você.
​Só de pensar que teria que conviver com uma pessoa totalmente desconhecida, e que bem podia ser um idoso que seu pai não quisera contar. Tudo bem que ela não podia exigir muito da aparência de ninguém, mas ela sonhava com alguém... Bonito. Para equilibrar sua feiúra, pensou ela, rindo sozinha.

O CEO que amei COMPLETO ATÉ DIA 10/04Onde histórias criam vida. Descubra agora