CAPÍTULO 76

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Garcia

Quando o sol já está mais baixo, vejo que eu e Jess já podemos ir para o monte, pois não correríamos mais risco de nos queimar.

Passamos o dia passeando pela cidade e aproveitando a companhia um do outro. Depois do final de semana horrível que tivemos, tudo que eu queria era ter um dia como esse com ela, e estou feliz que pelo menos isso deu certo.

Nós chegamos no morro e subimos sem pressa. Por mais que nós dois tínhamos horário para voltar para casa, ainda faltavam duas horas para nossa aula terminar, o que era bastante tempo.

Nós nos sentamos no mesmo banco de sempre e apreciamos a vista magnífica a nossa frente, mas não consigo parar de pensar sobre nós. Sinto o peso da situação cair sobre meus ombros como algo sem volta, como se sentíssemos nossa pele sendo perfurada por alfinetes cada vez maiores. Tudo que tinha para dar errado já havia dado errado. Nossos pais não aceitam a nossa relação, nossos amigos não aceitam a nossa relação, temos que esconder tudo de todos para não sermos mais pisoteados e julgados por causa disso, por simplesmente nos render ao o que amamos.

- Garcia, - Jess chama olhando para mim de canto de olho. - Eu estive evitando esta conversa pelo dia inteiro, mas a gente tem que falar sobre isso.

- Eu sei, - respondo.

Vi hoje de manhã que a Jess não podia esperar para falar comigo sobre nosso atual relacionamento secreto, mas evitei falar sobre isso mais cedo porque tudo que eu queria era evitar a realidade e viver do jeito que nós estávamos acostumados, mas agora sei que as coisas mudaram, e sei que não tem como simplesmente ignorar isso.

- E... o que a gente faz? - Ela pergunta, agora com seu corpo e seu olhos totalmente virados e focados em mim.

- Eu não sei, eu... nós sabemos que eles vão fazer muito mais do que impor um horário para voltarmos para casa. Não duvido de mudarem um de nós de escola ou até de casa. Sabem que nós estamos passando o dia inteiro juntos, não importa aonde.

- Sei que vão, - diz ela, com a voz pesada e com seu rosto cheio de preocupação. - Eu sinceramente não sei porque estão fazendo isso. Já tentei entender, mas não consigo, não importa o motivo, eu apenas não entendo. Achei que já tinha entendido o porquê, mas quanto mais eu penso sobre isso, menos tudo faz sentido.

- Acho que, - falo depois de pensar por alguns instantes. - Acho que eles têm medo, medo do que pode acontecer no futuro.

- Claro que tem, todos nós temos, mas isso não é motivo para simplesmente estragar a vida dos filhos.

- Acho que eles têm medo que, no futuro, nós acabemos falindo ambas as empresas. O que nós temos que entender é que os nossos pais já tentaram trabalhar juntos múltiplas vezes é nenhuma deu certo. Acho que eles têm medo que aconteça isso com a gente, que no futuro nós decidamos juntar nossas vidas profissionais também, e como os dois sabem, ou acham, que as nossas famílias não combinam no ramo dos negócios, acham que nós vamos falir as empresas e acabarmos ficando desempregados e com fome.

- Não é motivo o suficiente, - diz ela, quase imediatamente depois que eu termino de falar.

- Eu também acho.

- Não é direito deles dizer se vamos fracassar ou não no futuro. Nós fizemos isso dar certo, - ela aponta para nós dois. - Por que não podemos fazer as empresas trabalharem juntas também?

- Porque eles são empresários, Jess, são homens de negócios, eles antecipam tudo que pode acontecer nos os próximos dez anos, é isso que eles fazem. Eles não repetem o erro, e para eles o erro é o nosso sobrenome, para eles, nossas famílias só foram feitas para serem vizinhas e nada mais.

Jess xinga em voz baixa e cruza os braços.

- Mas que droga! - Ela grita logo depois, se levantando do banco e se virando para mim. - Eu não vou acabar com isso, Garcia, não vou, e espero que você também não. Não vou parar de te ver.

- Eu sei que não, eu também não vou.

Eu me levanto e a abraço. No momento que eu toco nela, sinto as lágrimas caindo dos seus olhos com violência. Seus braços me apertam forte, mas sinto seu corpo sem forças, como se ela estivesse cansada de lutar tanto, mas mesmo assim, luta sabendo que nunca irá desistir.

- Você está cansada? - Pergunto a ela, depois de um tempo, ainda a abraçando.

- Como assim? - Ela limpa as suas lágrimas e se afasta de mim para poder me olhar nos olhos.

Me dói vê-la desse jeito. Odeio ver a Jess sofrer e ser obrigada a lidar com tantas pessoas imbecis todos os dias. As pessoas até hoje olham para ela como se ela tivesse matado alguém ou roubado um banco. Seus antigos amigos ainda a xingam todos os dias, as pessoas continuam sendo cruéis. Por mais que seu sorriso ainda brilhe, vejo mais lágrimas saindo de seus olhos do que deveria, e odeio que isso seja a minha culpa.

- Você falou agora que não iria desistir, mas... você já está cansada de tentar? - Pergunto com insegurança.

Seu rosto entra em choque. Jess olha para mim sem se mexer, e seus olhos procuram em mim alguma explicação justa para o que eu acabei de dizer.

- Como assim, Garcia? - Ela repete. - Você acabou de falar que não iria desistir.

- E não vou, - asseguro. Dou um passo a frente e seguro as suas mãos frias. - Mas preciso saber como você está lidando tudo isso, Jess. Odeio te ver chorando assim, não quero que você sofra com tudo isso. Quero descobrir algum jeito de te fazer feliz, e quero estar com você para te ver sorrindo, mas preciso que me diga como você está.

- Nunca vou estar cansada de tentar, - ela diz com a voz trêmula. - Não espere por isso, isso é certeza.

Fico em silêncio. Quero saber, quero ouvir da sua boca que ela está bem ou irá ficar, quero ouvir a verdade e arrumar um jeito de consertar tudo o que está acontecendo.

- Nós sabíamos que isso não seria fácil, Garcia, - ela limpa as lágrimas novamente. - Desde o dia que descobri que você era o Renato que eu conhecia quando era criança, sabia que não seria fácil, mas eu ainda estou aqui, não estou? E você também está. Nenhum de nós desistiu porque sabemos que isso vale a pena.

Jess faz uma pausa para respirar, uma pausa longa.

- E é melhor você ficar comigo, é por causa de você que eu estou aguentando o difícil.

Quase não consigo escutar as últimas palavras que saem da sua boca, já que a Jess explodiu em lágrimas antes de conseguir terminar a sua frase.

Eu a tomo em meus braços novamente, mas desta vez eu a aperto mais do que tudo, a protegendo com tudo que tenho.

- Eu estou aqui pra você, sempre. - Falo.

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Diga meu nome | Renato Garcia (Concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora