CAPÍTULO 67

3.6K 218 98
                                    

Jess

Nós fazemos o mesmo caminho que fizemos da última vez que eu estava triste. Silêncio no carro, lugar longe da cidade, minutos a mais no volante, a subida na colina, e nós dois sentados no banco do alto daquele monte.

Garcia passou os braços pelos meus ombros e encostou a cabeça na minha. Ele passa seus dedos pela minha bochecha e acaricia a minha pele, enquanto eu encosto minha cabeça no seu ombro e sinto o seu cheiro perfumado.

- Isso te faz se sentir melhor? - Pergunta ele, apontando para a cidade que está a metros de distância de nós. - Ficar longe deles e ter uma vista bonita.

O sol agora se esconde por detrás das nuvens, mas não para de brilhar com força. O calor chega a minha pele e me abraça, carinhosamente. Me faz enxergar as pessoas vistas de longe, agora bem pequenas, como se eu pudesse superar ou me adaptar com  isso que está acontecendo comigo. O que, pelo visto, é a única alternativa que tenho.

Não consigo dizer se este lugar é mais bonito a noite ou durante o dia. Dos dois jeitos, ele com certeza é perfeito, e a sensação também é a mesma, a sensação de nos sentirmos abraçados e consolados é a mesma, mas não acho que é por causa do lugar que estou sentindo o que estou sentindo.

- Você faz eu me sentir melhor, - respondo baixo, beijando o canto de sua boca.

Ele sorri pra mim e beija o canto da minha boca, do mesmo jeito que fiz com ele.

- Quer saber, Jess? Você estava certa, você realmente não precisa deles, você tem a mim.

Sua voz é doce. Por mais que tenha saído rouca e baixa, a sinto chegando com todo o poder em meus ouvidos.

- É verdade, - concordo. - Não preciso, isso só me faria entristecer a este ponto. Ser amiga deles, quero dizer.

- Viu? Isso é bom. Agora você sabe em quem não confiar, e não tem aquele monte de menino achando que podem se aproximar de você, porque agora sabem que você já não está mais solteira. Se eles acham que podem, estão muito errados.

- Agora você é ciumento, é? Achei que estávamos falando de amigos, não de homens se aproximando de mim. - Brinco com ele, que leva a sério.

- Não sou ciumento, não tenho ciúmes de amigos ou de... outras pessoas, - ele diz, como se estivesse montando a frase no mesmo tempo que pronuncia as palavras.

- Não?

- Não.

- Ótimo, porque eu também não, - respondo. - lNão preciso, até porque, você não tem amigos, ou outras pessoas. Está no mesmo barco que eu, meu amigo, - digo inocentemente, apenas falando fatos que percebo ao longo do tempo. - E se aquelas piranhas se aproximarem, nunca mais irão ver a água.

Ele ri.

- O que? É claro que eu tenho amigos, - responde, com um sorriso amarelo no rosto.

- Não tem não, não me lembro de ter te visto com uma amizade verdadeira naquela escola, ou ao menos andando com uma pessoa ao seu lado. Nem com os seus amigos antigos você conversa.

- Como pode dizer isso? Mas que mentira!

Ele me olha indignado, como se eu tivesse acabado de ter cometido uma calúnia. Garcia tira os braços do redor dos meus ombros para poder me olhar direito enquanto conversamos.

- Olha só, se você nunca me viu andando por alguém de lá, é porque eu não ando com ninguém de lá, - admite. - Não posso me aproximar tanto das pessoas assim, só servem pra te decepcionar e te deixar irritado. - Ele pausa para respirar. - Mas isso não quer dizer que eu não tenho amizades dentro daquela escola. Eu apenas não sou tão próximo das pessoas desse jeito, tá bom?

Paro e penso em suas palavras. Ele acha que as pessoas só servem para te decepcionar? Ele achou isso sobre mim? É por isso que demoramos tanto para nos acertar?


- Porque você acha que as pessoas só te decepcionam? - Pergunto.

- Você sabe que é verdade, e nem adianta me olhar com essa cara, - ele aponta para mim. - Algumas vezes apenas não vale a pena se aproximar. Quando você já se decepcionou demais para uma vida inteira, é quando descobre em quem pode confiar.

Não, ele não acha que eu o decepcionarei, e isso é bom. Me enganei, eu espero. Espero muito.

Quando olho para mim mesma, é quando percebo que estou com meus braços cruzados, com meus lábios pressionados um contra o outro, e com a minha cabeça pendida para o lado, o analisando como se fosse ele quem estivesse cometendo um crime.

- Como assim eu sei? Claro que não, - repondo, desfazendo minha posição de acusadora. - As pessoas não te decepcionam. Quer dizer, as vezes a grande maioria sim, mas é porque nós não sabemos escolher nossas amizades. Bom, eu não sei, pelo visto.

Ele concorda com a cabeça, rindo da minha cara. Só Garcia mesmo consegue rir de uma desgraça dessa tão grande. E o pior é que eu também fico com vontade de rir, como se tudo o que eu conhecia antes dele fosse uma piada.

- Claramente, - diz ele, começando a rir sem controle. - Então eu estou certo?

Não respondo, rio junto com ele, com gargalhadas altas. Sim, talvez ele esteja certo. Bato no seu ombro e rio de mim mesma. Ele realmente conseguiu melhorar o meu humor em mil porcento apenas rindo do meu problema, e isso é estranhamente bom. Mesmo em um assunto que provavelmente traria uma discussão enorme entre nós, nós levamos em uma boa, querendo que isso desse certo.

- Mas não se preocupe, - diz diminuindo o riso. - Como você disse, estamos no mesmo barco. Se muitas pessoas entrarem, vamos acabar afundando, então é melhor deixar apenas o necessário e verdadeiro no barco por enquanto.

Eu o escuro com atenção e olho para a paisagem na minha frente. As vezes acho que a combinação deste lugar e dessa pessoa é mágica, como se tivesse algo aqui que deixasse tudo ainda mais perfeito, como a moldura de um quebra-cabeça já montado.

- Vamos embora daqui, - digo puxando a sua mão.

Nós descemos a colina juntos, de dedos e corpos grudados. Quando chegamos no carro, Garcia olha para mim como se lesse os meus pensamentos.

- Sabe, - ele começa. - Você muda de humor tão rápido que daqui a pouco vou querer um aviso com antecedência para quando você for fazer mais alguma coisa inesperada, porque isso está ficando muito complicado.

- Eu não era assim antes, é culpa sua," brinco. - Suas intensas mudanças de humor agora são minhas.

Ele se aproxima mais do carro e abre o porta-malas. Eu estanho no início, mas logo me dou conta. O carro é alto e o porta-malas é realmente muito espaçoso quando você dobra os bancos da frente.

- Se eu estou te devendo uma no carro, que seja pelo menos confortável, - diz ele, estendendo a mão para me ajudar a entrar.

Eu rio dele e seguro a sua mão, mas algo logo vêm a minha mente.

- Ah, temos que passar na farmácia depois, - digo, mas logo percebo como isso é nada apropriado para a situação.

Garcia me olha de lado, provavelmente se perguntando o que se passa na minha cabeça. Mas eu também não sei o que tem por aqui.

- O que? É importante, meu anticoncepcional acabou ontem. Isso devia te preocupe também, você nunca perguntou se eu tomava.

- É, mas eu já sabia que você usava, por isso não perguntei.

- Como você saberia que eu tomo anticoncepcional?

- Te vi guardando na mochila uns dias depois de nós transarmos pela primeira vez, - ele responde, e eu fico, por algum motivo, surpresa.

- Ah.

Não devia ficar surpresa, já que o Garcia é claramente muito observador e inteligente, mas não sabia que ele reparava nisso. E isso me deixa ainda mais apaixonada por ele, apenas por ele reparar nos detalhes.

- Eu não estraguei o clima, estraguei? Pergunto, insegura.

- Jess, nós estamos falando sobre não ter filhos, é claro que não.

— — —
+30

Diga meu nome | Renato Garcia (Concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora