A Nuvem Que Cobre o Brilho do Seu Olhar.

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A noite demorou a passar e o sono chegou para ela apenas na madrugada.
O barulho de pancadas lá fora, fez Paula sentar-se no colchão, assustada. Passeou os olhos pelo ambiente, se familiarizando, lembrando do porquê de estar deitada na cama de um homem que conheceu na escuridão da estrada. Dando-se conta que já tinha amanhecido, suspirou, sentindo um enorme vazio e uma dor insuportável por ter que voltar a enfrentar a sua inclemente vida. Aquela sensação de ter tido algo extirpado de seu peito, já sentira há alguns anos e a ocasião em si, não poderia ser descrita como apenas uma figura de linguagem.Desde então, sua existência se tornou um pesadelo sem fim. Realmente tinham extirpado de dentro dela uma vida, numa noite fria e macabra e a ferida, no dia anterior, foi novamente remexida e voltava a sangrar.

"Mas que Diabo é esse barulho?" - questionou segurando a cabeça, olhando o relógio na mesinha de cabeceira, que marcava 6:15.
Atirou as cobertas longe, para descobrir de onde vinham as batidas cadenciadas.
Amarrou melhor o roupão, tinha dormido com ele, e acercando-se da janela, afastou a cortina ligeiramente e descobriu do que se tratava.
Por entre a bruma que se elevava dos arbustos e sobre o capim molhado, típico das manhãs de Outono, Carlos manuseava o machado com destreza, rachando algumas toras de madeira, amontoando-as em lascas, de lado.
A musculatura forte, a cada levantada da ferramenta afiada até o impacto na madeira, se moldava sob o tecido branco da camiseta. De dia, Carlos parecia ainda maior e mais forte.
A aura natural de comando, em conjunto com a força e a sua masculinidade, o deixavam, sem dúvida, muito sexy. Por um tempo, ficou olhando o homem trabalhar, tendo uma estranha sensação a dominá-la. Com o peito acelerado, Paula trancou a respiração para afastá-la. Carlos lhe atraía, seu modo rústico e displicente era diferente de todos os outros homens que já conhecera. Todavia, contrariando todos aqueles músculos, suas mãos e voz eram extremamente suaves. O seu salvador a confundia e sem esforço nenhum, da parte dele, tinha conseguido ficar na mente de Paula uma parte da madrugada.

Deixando a cortina se fechar, ela então, abriu a bagagem em busca de algo para vestir.
As roupas tinham sido jogadas dentro da mala, de qualquer jeito e aquilo era um recado muito claro do asco que os empregados da mansão tinham dela. Apertou as mãos e sorriu raivosa. Martina achava que tinha ganhado a guerra. Estava enganada! Odiava a rival com todas as forças de seu coração e agora, também a Murilo, o homem responsável pela sua decadência.
Tanto amor dedicado a ele todos esses anos, tantos sofrimentos... tantas noites se deixando ser usada, se deixando ser magoada, suportando as suas traições...sonhando em ter o seu amor...Contudo fora jogada na calçada como uma boneca velha quebrada aos pedaços! Ele foi quem a desmantelou no passado e montou o monstro que o perseguia agora! Murilo acabara com o seu amor próprio e todo sentimento bom que algum dia existira dentro dela!

Tentou ligar seu celular, mas foi em vão.
"Droga!"- praguejou baixinho.
Revirou as roupas escolhendo entre as poucas opções, calça jeans e uma camisa, preta. A sua necessier com objetos pessoais básicos já estavam no banheiro, mas seus cremes, shampoos, maquiagens e perfumes importados tinham ficados por lá na mansão.

Desceu logo após, pensando num jeito de buscar o resto de seus pertences na casa de Martina e Murilo. Inevitável, também seria reencontrá-lo no escritório! Ela era uma das acionistas da principal empresa dos Márquez Muniz e Murilo teria que aturá-la!

Os degraus terminaram e Paula parou para conhecer melhor o lugar. A sala, em ambiente aberto, era dividida com a de jantar. A mesa e as cadeiras de madeira rústica se destacavam e a cozinha se localizava depois de um arco de vigas. Os armários modulados dispunham sobre eles, vários eletrodomésticos modernos e uma ilha era o charme do espaço. Realmente, não era uma casa no estilo aristocrático espanhol como a mansão, mas era bonita e tinha todo a personalidade de Carlos. Passeou com calma por entre os móveis, concluindo que o lugar era bem aconchegante e Paula arriscou-se a defini-lo com um lar, daqueles que só se vêem nos filmes.
A lareira, em pedras, fazia contraste com a madeira envernizada das paredes e com o forro, que assim como no quarto, exibia as vigas de madeiras sob ele. A decoração era bem serrana. Cortinas combinando com as cores do sofás e uma porta janela com vidros e venezianas se abria para uma varanda. Pelos quadriculados, viu as plantas que caíam como cascatas de folhas verdes, penduradas por trançados de corda e as floreiras, cheia de Gerânios, presas às grades de madeirinhas. O lugar era perfeito para apreciar um final de tarde, observando o sol se pôr, sentado numa das cadeiras cobertas pelas almofadinhas floreadas. Imaginou quantas horas Carlos e a esposa tinham passado ali, conversando sobre coisas banais, sobre os filhos...ou até mesmo fazendo amor na escuridão de uma noite de Verão.
Num impulso de proteção, esquivou-se quando sentiu algo roçar em suas pernas. Seus olhos então, pousaram no bichano de olhos azuis curiosos, dengoso, perto de seus pés. Ela se agachou tocando no pelo alto, cinzento e brilhante.
__ Olá, amiguxo! - ele ronronou, se enroscando em seu carinho.__ Qual o seu nome, hein?
Ela acompanhou o gato, que saltou para uma das guardas do sofá enfeitado com uma manta e almofadas coloridas. O bicho ficou a observá-la enquanto ela continuava a sua análise dos objetos decorativos dali, que eram muito diferentes das obras de artes, as quais estava acostumada a apreciar.
Um cercadinho com alguns brinquedos, no canto da lareira, chamou sua atenção. Correu os dedos pelo estofado, que protegia o ferro, imaginando a boquinha rosada do bebezinho da foto mordendo o tecido de bichinhos.
__ E então, gostou da minha casa à luz do dia?
A voz grave a fez girar e então, se deparou com o homem de cabelos claros, caídos sobre a testa, carregando um feixe de lenha sobre os dois braços.
Carlos foi casual, passando por ela.
__ Bom dia! Ainda não fiz café. - avisou.
Ela enfiou a mão nos bolsos da calça, coração palpitando, dando de ombros, se recriminando pela sua súbita fraqueza.
__Você levanta cedo. - concluiu, ignorando sua indagação sobre a casa.
__ Durmo tarde, acordo cedo. Insônia, conhece? Desculpa o barulho. - olhou os feixes lascados.__ Mas como precisarei ir até a cidade, a lenha da lareira tem que ficar pronta. Faço isso duas vezes na semana. Eu e as crianças gostamos de ficar aqui na sala à noitinha. E os dias, já começaram a ficar bem mais frios. Gabi e Julian são fascinadas pelo fogo!
Enquanto depositava as rachas na caixa ao lado da estrutura de pedras, ele explicou:
__ Vou buscá-los na fazenda dos avós. Eles moram aqui perto. Você deve conhecê-los, Pablo e Olga Alvarez.
__ Acho que já ouvi falar. São os pais da sua esposa, presumo.
__ Sim, são. Preciso passar na cidade, fazer compras...Acabei não tendo tempo ontem. Quero aproveitar, que com a festividade religiosa, o comércio está aberto para agradar aos turistas.
__ Gostaria de uma carona...claro, se não for atrapalhar. Estou sem celular. Preciso muito reaver minha vida.
__ Certo. - ele bateu as farpas dos braços e poeira das mãos, a examinando de alto a baixo. __ Tirou a camisa da garrafa?
__ Como? Não entendi!
__ A roupa amassada.- apontou com a cabeça e sorriu.
Ela baixou os olhos para as mangas da camisa.
__ Ah, é. - disse sem jeito.
__ Na porta ao lado da geladeira, fica a lavanderia, se quiser usar o ferro de passar, fique à vontade.
Paula olhou para a cozinha.
__ Posso mesmo?
__ Estou dizendo que sim. Sabe passar roupas, não sabe?
__ Tentarei.- ela mexeu a boca, evitando sorrir e seguiu pelo endereço indicado.
Já tinha passado muita roupa na época da faculdade, mas há alguns anos, recebia tudo pronto.

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