Não Confunda as Atenções

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Sem correção

Pela manhã, no domingo, Paula tinha o coração apertado e desesperançoso.
Ainda era difícil de acreditar que Carlos pudesse ter sido tão duro com ela.
Sem coragem para enfrentar a solidão do domingo, foi à cozinha para desmanchar o cenário que arrumara com tanto carinho na noite anterior. Acondicionou o peixe  num pote grande e a salada num menor e decidiu tomar café na rua.
Na entrada da sala, examinando a aparência do rosto no espelho do aparador, seus olhos se depararam com a cópia da chave brilhando sobre a madeira escura. Aquele gesto da parte de Carlos era um sinal claro de que ele não a surpreenderia mais de nenhuma forma naquele apartamento. 

Respirou fundo, julgando já não ter mais lágrimas para derramar. Mesmo que Carlos a desprezasse, nada mudaria o fato dela estar esperando um filho dele. Em algum momento, eles teriam que parar e conversarem sobre o assunto. O pouco que conviveram juntos, tinha dado provas a Paula de que Carlos não ia eximir-se de assumir o filho. Acreditando nisso e carregando a tristeza da rejeição no coração, saiu.
Os alimentos foram entregues ao porteiro, que agradeceu a gentileza.

Na rua, uma rajada fria de vento gelou suas orelhas e arrebatou alguns fios dos cabelos curtos. Afastando-os impacientemente da testa, ela tratou de ajeitá-los e puxou o zíper do casaco para proteger o pescoço. Pôs os óculos escuros, escondendo assim, os olhos inchados de uma noite inteira de choro.

Pelas ruas do bairro caminhou sem muita pressa, queria aplacar a angústia e a dor que voltou a instalar-se em seu coração desde a noite anterior e por mais que não quisesse pensar em   Carlos e recordar a reação diante da notícia do bebê, era impossível.  As palavras soavam involuntariamente em sua memória e ficavam a ecoar em seus ouvidos, tomando os sentidos de assalto com uma amargura que lhe impregnava a alma como um cheiro ruim, de esperanças perdidas e sonhos frustrados.
A mágoa a cercava por mais que tentasse se distrair com o movimento das pessoas na rua.
Foi uma longa caminhada e estava a mais de meia hora de distância de casa.
Cansada e com frio lembrou que ainda não havia comido nada. Procurou aquecer as mãos frias dentro das mangas do agasalho cinza, que formava um conjunto com a calça de malha preta e o tênis, apropriado para fazer o exercício.

A temperatura baixara bastante nos últimos dias, e, embora o dia tivesse amanhecido com um sol, a sensação que tinha era de que congelaria.

Olhou as nuvens, o tempo começava realmente a mudar, porém para pior.
A fachada da confeitaria perto da igreja central apareceu a sua frente como uma benção.
Um café com leite bem quentinho seria uma boa pedida e aquilo a fez lembrar que precisava marcar o quanto antes um horário na nutricionista.

Normalmente não era muito chegada a doces, mas ao olhar o balcão onde eles estavam dispostos, sua boca salivou. Não ser seduzida a pedir um pedaço de torta de nozes foi praticamente impossível. Para espairecer, sentou-se a uma das mesas e enquanto comia, ficou observando pela parede de vidro, as crianças brincando na pracinha ao lado.
Como conseguiria ficar trancada no apartamento, ainda era uma incógnita.
Tinha a impressão de que morreria sufocada caso, entrasse para dentro daquelas quatro paredes e ficasse só, esperando a tarde e a noite passarem, na única expectativa de receber uma mensagem ou uma ligação de Carlos para que pudessem conversarem como dois adultos.

Quando saía da confeitaria, a vozinha estridente sobressaiu-se em meio ao burburinho das crianças e do povo, que descia as escadas da igreja.
__ Tia Paula!
Os olhos dela correram pela rua em movimento e avistaram a menina que acenava, enfiando-se por entre as pessoas. Quando ela aproximou-se jogou-se contra Paula, a enlaçando pela cintura.
__ Gabi, o que faz aqui?
Por um momento teve a esperança que Carlos pudesse estar junto.
__ Viemos à missa. Eu, tia Maitê e meus avós.Vou começar a frequentar as aulas da Primeira Eucaristia semana que vem. Eles estão lá dentro da igreja conversando com o padre.
Senti saudades suas. Quando vai visitar a gente?
Paula se inclinou para para dar atenção a ela, olhando ao redor. Não sabia até onde a história de alguém rondado as crianças era real. Pelo sim ou pelo não, melhor seria tomar cuidado.
__ Olha Gabi...eu sinto muito...mas não vou ir a sua casa tão cedo. Eu e seu pai...A gente não está mais...
Era difícil falar sem que as lágrimas lhe subissem aos olhos. Mas a esperteza da menina captou a mensagem.
__ Vocês não estão mais namorando, é isso?
Paula buscou o ar no fundo dos pulmões, levantando um pouco os óculos, para limpar os olhos.
__Sim, querida. Nós achamos que  poderíamos dar certo como um casal...assim como foi com sua mãe...mas não deu.
__ Mas o meu pai dizia que estava apaixonado.
Num gesto para se manter calma, Paula mordeu a boca e
diante da cara de decepção da garota,  lamentou.
__ Desculpa ter frustrados as suas expectativas! Eu sinto muito! Nem sempre, nós adultos acertamos em nossas suas escolhas. Contudo, eu continuo gostando muito, muito mesmo de você e Julian!
__ Deve ser por isso que ele está diferente. - concluiu triste.__Mas vocês podem continuar amigos, não podem?
__ Sim, podemos. - sorriu sem graça, pensando no tanto que Carlos a despreza agora. __E eu serei sua amiga ainda. Só preciso de um tempo para ajeitar minha vida. Eu estou trabalhando muito. - disse passando a mão nos cabelos loiros da garota que esvoaçavam com o vento frio.
__ Eu vou continuar falando com você no celular, está bem?
__ Claro, querida, pode me ligar a hora que quiser!

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