Capítulo 13: Sobre o futuro

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"You look like a movie

You sound like a song

My God, this reminds me

Of when we were young"

(Adele - When We Were Young)

2032

É Dia das Mães e estamos reunidas. Não apenas por isso, mas também porque hoje acontece um eclipse solar.

Em outros tempos, um Dia das Mães seria comemorado num churrasco em família ou um eclipse seria adorado num ritual com outras bruxas, mas Clarinha e eu nos afastamos tanto dos clãs quanto dos nossos familiares. Queremos aproveitar as ocasiões em que a energia natural da terra está mais forte, para estarmos com a nossa mãe, a versão real dela. Os pores do sol já não tem o mesmo efeito, por isso aguardamos ansiosamente por nesses momentos mais intensos. Teremos quatro maravilhosas horas hoje, coisa que não acontece há bastante tempo.

Preparamos café, chá, sucos e nos apertamos em torno da cama de hospital, onde minha mãe ainda está dormindo: Clarinha, eu, Tiago e meu pai. Ele retornou em definitivo para o Brasil faz quinze dias e ainda não tinha vindo vê-la.

— Quer um café, Guilherme? — Tiago pergunta enquanto organiza as coisas em cima da escrivaninha e meu pai permanece estático, tenso, assustado.

— Quero... — a voz dele sai super baixa, sabemos que está impressionado com a aparência da melhor amiga, mas todos disfarçamos.

Seleciono algumas coisas para mostrar para minha mãe: fotos dos parentes, um vídeo das primas e o clip novo da Miscelânea. Por causa da música que fizeram para ela, a banda já até apareceu na televisão e foram contratados a fazer shows pelo Brasil.

O despertador toca, são 08:09 e o eclipse está começando. Abro a janela e me aproximo devagar da cama:

— Mãe... — encosto os dedos no rosto flácido e ela resmunga — Acorda... Vem conversar com a gente...

— Fiz até suco de acerola! — Tiago fala alto e animado. Está tão acostumado com toda a situação desse quarto que não a trata igual uma boneca de porcelana, como o resto de nós.

Ela abre os olhos e respira fundo, me encarando por alguns segundos. Faz menção de levantar, mas não tem forças:

— Oi filha, quanto tempo... — a voz sai rouca e ela dá uma pigarreada, sorrindo.

Eu a abraço, depois Clarinha e depois Tiago a beija na boca e nós desviamos o olhar, fingindo reclamar de nojo. Meu pai levanta devagar, pra ficar no campo de visão dela.

— Gui? — ela dá mais um sorriso fraco.

— Oi, Paixão. — ele se aproxima e a abraça suavemente, como se tivesse medo de quebrá-la.

— Olha o respeito! — Tiago brinca e todos rimos.

Levantamos a metade de cima da cama para ficar numa posição em que ela possa ficar sentada e começamos a beber e conversar. Minha mãe não come mais nada; por causa da doença ela se esqueceu como é mastigar ou engolir e agora usa sondas. Durante esses momentos de lucidez, mesmo ela se lembrando como o corpo funciona, não é mais possível fazê-lo corresponder, pois está atrofiado e dificilmente algo além de líquidos passaria pela garganta dela. Por isso não há nenhum pão ou biscoito no nosso café da manhã, não queremos deixá-la com vontade.

O despertar do clã MedeirosOnde histórias criam vida. Descubra agora