Epílogo: Sobre o presente

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"It's times like these

You learn to live again

It's times like these

You give and give again

It's times like these

You learn to love again

It's times like these

Time and time again"

(Foo Fighters - Times Like These)

Imagine o ano que quiser...

Yasmin ainda está roncando quando eu colo um cartaz de "Feliz Dia das Bruxas" na parede em frente à cama. Temos tudo planejado para esse Halloween e isso inclui tanto um ritual com o clã que nos acolheu por aqui quanto uma festa na casa da Emily.

Atravesso a sala em direção à entrada da nossa casa — finalmente sinto que pertenço a uma —, e sorrio para a coleção de porta-retratos ocupando a parede de tijolos aparentes no meio do caminho. Ajeito o meu quadro preferido, que insiste em tombar para a direita e eu nunca desisto de desentortar: é uma foto em preto e branco na qual minha mãe, Clarinha e eu exibimos nossas gargantilhas com pingentes de pentagrama.

Abro a porta e olho para cima, o céu está cinza e chuvoso; talvez um feitiçozinho inocente me ajude a chegar seca na faculdade hoje. Se bem que isso pode estragar meu futebol do final de semana.

Estamos morando no subsolo da casa do meu pai e da Nicole, para economizar na nossa estadia, afinal, eu ainda não sou uma bioquímica formada e a Yasmin ainda não é uma artista plástica famosa.

Não se trata de um porão de teto baixo e sem janelas, como o nome "subsolo" possa remeter, é apenas uma residência construída abaixo do nível da rua. Aliás, é um lugar bem melhor do que o que poderíamos pagar aqui na Inglaterra.

Ligo a cafeteira e os dois computadores em cima da mesa. Comprei um novo e estou passando o conteúdo de um para o outro. Enquanto as máquinas trabalham, fico assistindo stories:

Henrique posta uma foto da própria mão, enlaçada com a de alguém, e na imagem seguinte a frase: "Num mundo em que você pode ser qualquer coisa, seja você mesmo".

Minha mãe, Tiago e os amigos deles pulam, alegres e suados, no camarote de um show da Miscelânea.

Há uma sequência de uns dez stories da Bel, com diferentes maquiagens e roupas, fazendo charme para a câmera.

Meu primo Ivan mostra um entardecer lindo de Teresina. Ele se mudou para lá por causa do novo emprego faz uns dois meses e quase todo dia posta alguma coisa. Depois do falecimento do vô Cido e do encerramento das atividades da transportadora, ele ficou algum tempo sem rumo na vida, mas aos poucos se reencontrou. Sorrio e comento "inveja".

Me surpreendo com o primeiro stories da minha vó Luzia, brincando com a neta, com certeza foi a tia Sabrina quem a ajudou a fazer.

O Kauã postou uma contagem regressiva para vir nos visitar com meus sogros: faltam 43 dias, 12 horas e alguns minutos. Espero que seja tão caoticamente divertido quanto foi ano passado, quando minha mãe, Tiago, Clarinha e a vó Brigite vieram passar o Natal.

No whatsapp, minha irmã me mandou um áudio, toda empolgada, contando como ela e a Pammela convenceram a Angélica a resgatar um cachorro que estava sendo mal tratado — e que pediu socorro para nossa prima —, e agora elas estão tentando ficar com ele em definitivo.

Ingrid enviou uma foto tirada no domingo: ela e Angélica, com minha mãe no meio. Sempre que a observo, saudável e feliz, agradeço à Deusa por sua existência e não gosto nem de imaginar como as coisas seriam sem ela.

Paro de conferir as novidades quando o computador mostra uma mensagem, preciso confirmar se quero transferir um arquivo absurdamente pesado chamado "Palestra Jebelli 2032". Sorrio para a tela, pensando que neste semestre estou tendo a oportunidade de ter aulas com esse ser humano maravilhoso. Desconheço o conteúdo do arquivo e talvez seja melhor apagá-lo... Meu dedo fica parado em cima da tecla "deletar" por um longo tempo, tanto tempo que o arquivo começa a ser transferido automaticamente.

Bom, talvez eu o assista qualquer dia... Se é que o vídeo ainda existe.

Como se estivesse aguardando um sinal, a cafeteira apita no mesmo instante que Yasmin entra na cozinha, sorridente apesar da carinha de sono. Entrego uma caneca de café para ela e ela me retribui com um selinho:

— Bom dia, flor do dia!

Dou risada. É tão bobo, mas eu adoro ouví-la dizer coisas assim.

— Bom dia!

— Feliz Dia das Bruxas! — ela bate com a caneca dela na minha.

— Sim! Feliz nosso dia!

Nós nos sentamos lado a lado e passamos os dez minutos seguintes trocando carícias, conversado sobre a agenda do dia e outras coisas triviais.

E então temos que nos levantar e enfrentar a realidade.

Mas é uma boa realidade.

Meu celular vibra com uma ligação em vídeo.

— Quem é a essa hora? — Yasmin para no meio do caminho para o banheiro.

— É a Clarinha! — aviso — Deve estar ligando pra falar feliz dia das bruxas.

Yasmin corre e se põe ao meu lado.

Minha irmã surge na tela com um sorriso enorme:

— Majú, você não vai acreditar no que eu sonhei!

Fim



O despertar do clã MedeirosOnde histórias criam vida. Descubra agora