Capítulo 18: Sobre esperanças

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"You can spend your whole life building something from nothing

One storm can come and blow it all away

Build it anyway

You can chase a dream that seems so out of reach and you know it might not ever come your way

Dream it anyway"

(Martina McBride - Anyway)

Faz nove dias que nossa mãe faleceu e hoje é o aniversário de dezesseis anos da Maria Clara.

Não sei como ela está se mantendo sã enquanto recebe telefonemas e mensagens de "parabéns" misturados com "meus pêsames". Imagino que ela preferiria esquecer os últimos dias e eu vou dar esse presente para ela.

Nem Tiago nem eu recomeçamos a trabalhar ainda porque temos direito àqueles "benevolentes" dias de luto. Ele vai voltar na próxima segunda e eu consegui emendar a licença com férias. Clarinha tentou ir pra escola, mas no segundo dia chegou em casa aos prantos e não quis conversar. Não insistimos.

O cheiro de álcool que caracterizava nossa casa aos poucos está sumindo, mas o silêncio permanece.

Estamos apenas existindo.

Às vezes um de nós se esconde para chorar, às vezes nos sentamos juntos e fingimos assistir televisão, ontem até conseguimos rir com uma comédia qualquer. Tiago saiu só uma vez, para ir ao mercado, e nos revezamos preparando as refeições.

Nós três nos consultamos com nossos psicólogos via vídeo, há anos nos preparamos para esse momento e obviamente nada foi o suficiente.

No dia seguinte ao enterro meu padrasto levantou cedo, e surgiu na cozinha trocado e de banho tomado, enquanto Clarinha e eu encarávamos nossas xícaras de café, ainda de pijama.

— Eu acho que vou voltar a frequentar o escritório.

Nós concordamos com a cabeça e ele continuou:

— Clarinha, você vai querer voltar pro seu quarto?

— Que? — ela o encarou, espantada — Não! Não sei...

Ele deve ter percebido que estava agindo de um jeito muito esquisito para quem tinha acabado de ficar viúvo, em negação é claro, mas ainda assim bem esquisito.

Meia hora depois ele estava com uma roupa mais confortável, sentado no sofá, olhando para o nada.

Na quarta ele disse ter repensado e decidido continuar trabalhando de casa porque seria melhor para Clarinha. Dois dias depois ele disse que talvez procuraria um outro emprego.

Nós continuamos assentindo.

E numa noite dessas, ele me encarou e sussurrou, até com uma certa vergonha:

— Majú... Vocês não conseguem... Sabe... Falar com ela?

Ele me olhava com tanto desespero e eu quis muito poder dizer que sim.

Mas não é algo possível nem se eu estivesse disposta a aceitar a pior das consequências. O espírito dela se uniu às bruxas antecessoras e nos fornecerá energias positivas, mas ela não é mais uma consciência no nosso universo. Pode até ser que ela reencarne, mas ela nunca mais será a nossa Regina.

— Não... — meus olhos se encheram de lágrimas — Nós manipulamos a natureza e o mundo dos vivos, mas...

— Ela se foi... — ele suspirou e, sem esperar que eu o consolasse, se afastou e se fechou no quarto.

O despertar do clã MedeirosOnde histórias criam vida. Descubra agora