Capítulo 17: Sobre o pior

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"Oh, I'm in pieces, it's tearing me up, but I know

A heart that's broke is a heart that's been loved

So I'll sing hallelujah

You were an angel in the shape of my mum"

(Ed Sheeran - Supermarket Flowers)

Estou sentada num sofá do hospital, observando pessoas irem e virem e ignorando ligações e mensagens que entopem meu celular. Clarinha chorou até dormir, deitada com a cabeça no meu colo.

Mais cedo Tiago foi com vó Brigite escolher um caixão e providenciar nem sei o que mais é necessário para um funeral. Agora a pouco foi arrastado daqui pelas irmãs dele. Imagino que querem que ele tome um banho, ou um calmante, ou as duas coisas, e se arrume para o velório.

O velório da esposa e melhor amiga.

O velório da bruxa, da mãe e da administradora: Regina do Prado Medeiros.

Vejo Angélica discutindo com um funcionário, questionando por que o corpo está demorando tanto a ser liberado. Permaneço esperando pois vou precisar assinar alguma coisa. Me explicaram, mas não assimilei a informação.

Meu pai e tia Sabrina passaram por aqui, e, desolados, eles me abraçaram e nos consolamos mutuamente. Eles sumiram faz um longo tempo.

Talvez não faz tanto tempo assim, só parece.

Lágrimas desceram pelo meu rosto, sim, mas estou tão agarrada à ideia de que vou mudar o que aconteceu que não consigo chorar de verdade. Me recuso a sentir de verdade. Não permito que seja verdade.

Angélica me traz uma prancheta e mostra onde devo assinar. Meu pai e a tia Sabrina ressurgem. Ambos têm os olhos vermelhos, mas não fazem o escândalo que eu esperaria que fizessem. Talvez já o fizeram escondido de mim. Ela se senta na minha frente e fala alguma coisa sobre me levar para casa, e eu concordo com a cabeça.

Cutuco minha irmã, ela acorda, resmunga, e nos levantamos. Passo um braço por sua cintura, ela suspira engolindo o choro e caminhamos caladas para o carro.

Meu pai e minha tia nos dão uma silenciosa carona, e sobem conosco para o apartamento.

Quando abrimos a porta, as duas irmãs de Tiago estão no sofá e não sabem o que dizer. Trocamos "boa tarde/meus sentimentos", eu e Clarinha deixamos os quatro para trás e seguimos pelo corredor.

— Marias? — a voz fraca de Tiago vem do quarto do fundo. Faz anos que ele não nos chama assim.

— Oi...

Nós ignoramos o primeiro cômodo, cuja porta foi fechada por algum ser abençoado, não queremos olhar a cama vazia.

Encontramos meu padrasto de banho tomado, usando calças sociais e camisa. Acho que ele parou de chorar, então é a vez da minha irmã correr e abraçá-lo. Vejo os dois alí, desesperançados, e me afasto. Entro no meu quarto, encosto a porta e corro para pegar o potinho da poção no fundo do meu guarda-roupas, pois é o alívio que preciso.

Basta tomá-la e fugir para o presente, assim não vivenciarei o enterro da minha mãe.

Meu relógio apita com uma notificação do celular: "Doutor Jebbeli ministrará uma palestra no próximo dia 3, durante o 57º congresso da Associação Internacional do Alzheimer, em Londres". Será minha chance de, na confusão do evento, conseguir uma cópia do estudo. É só eu voltar ao presente e retornar em duas semanas.

O despertar do clã MedeirosOnde histórias criam vida. Descubra agora