Capítulo 20: Sobre transformações

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"I'm never gonna look back

Woah, never gonna give it up"

(American Authors - Best Day Of My Life)

2019

Quando meus olhos conseguem se focar em algo, noto que estamos na garagem da casa da prima Ingrid e estou sentada numa cadeira, observando os adultos bêbados, dançando.

Bocejo e olho para baixo: visto uma bermuda jeans branca e uma regata rosê gold, se não me engano foi a tia Sabrina quem me deu essa roupa. Passo os dedos pelas cicatrizes da bilocação, um pequeno pedaço delas não está coberto pela bermuda, pelo visto agora essas marcas fazem parte de mim não importa para onde ou quando eu for. O relógio exibe: 1:08 da manhã.

Nesse momento minha mãe atravessa a porta de entrada da casa segurando a taça anual de espumante dela. Meu coração dá um pulo.

Posso afirmar com toda a certeza do mundo que nunca me senti tão feliz como me sinto agora.

Agarro a lateral da cadeira para me impedir de correr para um abraço apertado, afundar meu rosto no pescoço dela e respirar fundo, sentir o cheiro, a temperatura, o aconchego, a vitalidade... Se eu fizer isso ela com certeza vai desconfiar, minha mãe é muito atenta a detalhes. Porém as lágrimas de alívio são impossíveis de conter, tento limpá-las, mas outras descem logo em seguida e um soluço começa a surgir. Corro para dentro da casa, passo na frente da televisão exibindo o "show da virada" para algumas pessoas que já dormem e me tranco no banheiro.

Enquanto me acalmo, apalpo meu peito e constato que os cartões de memória vieram, ainda bem.

Me observo, me sinto, me analiso: é esquisito ter 15 anos e meio outra vez. Minha mãe comentava como se sentiu ao voltar à adolescência com a consciência de uma mulher adulta e é claro que eu não dei muita bola. Mas cá estou eu, fazendo quase a mesma coisa.

Com a diferença de que eu tenho uma missão a cumprir.

Saio do banheiro estranhando o peso e o formato do antigo celular no meu bolso, e vejo Tiago — bem mais apresentável ainda com cabelo — tentando fazer Clarinha se acalmar, aparentemente algum barulho a acordou.

— Deixa eu ficar com ela? — estranho o som da minha própria voz.

— Tá... — ele franze a testa e me entrega o serzinho de cachinhos bagunçados — Qualquer coisa leva ela lá fora.

— Oi... — eu começo a chacoalhá-la e o choro vai se acalmando. Caminho para um dos quartos, onde o som da televisão não vai atrapalhar.

Nem parece que essa criança de dois anos no meu colo vai se tornar aquela Clarinha inteligente, poderosa, insolente e de sobrancelhas tingidas de azul.

— Sabia que você é uma bruxa?

— Buxa... — ela apoia a cabeça no meu ombro e eu dou risada.

— É, é sim...

— É, é sim

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O despertar do clã MedeirosOnde histórias criam vida. Descubra agora