Capítulo 5: Sobre 2022 até 2027 - Parte 2/2

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"Don't hide yourself in regret

Just love yourself and you're set

I'm on the right track, baby

I was born this way"

(Lady Gaga – Born this way)


2025

Minha mãe e Tiago deixam a sala do setor administrativo do cemitério segurando alguns papéis e escuto ele dizer para os três filhos da minha bisavó: "O corpo já foi liberado".

À exceção de minha tia-avó Eva, que recomeça a chorar, ninguém parece inconsolável. Os familiares e amigos tinham ciência da proximidade desse dia. Aos 93 anos, Cassandra Mavelle do Prado faleceu, em paz, durante um pôr do sol.

Estou sentada num dos sofás da sala de espera do velório com Clarinha, Pammela e Evandro, que não largam os celulares. Nem sei por que eu preciso ficar aqui, essas crianças são auto cuidáveis.

Quando a sala é liberada, eu entro para vê-la. De longe avisto as duas enormes coroas de flores, uma de cada lado do caixão e me aproximo.

— Oi, Bisca... — sorrio com o velho apelido que Pammela inventou e todos os bisnetos adotaram, mesmo algumas pessoas considerando ofensivo. É uma junção das palavras "bisavó" e "Cassandra", mas para quem não sabe disso pode significar algo como "vadia".

Vestiram o corpo dela com roupas de cores neutras que não combinam em nada com quem ela era: uma mulher que se divertia com qualquer coisa, como por exemplo com os bisnetos a chamando em público por um apelido que poderia ser considerado de mal gosto.

Coloco a mão num cantinho do luxuoso caixão, me falta coragem para tocá-la, e sussurro "até breve" em latim, não que eu tenha certeza de ter dito as palavras corretamente.

Me sento numa das cadeiras e um copo plástico cheio d'água surge na minha frente, levanto o rosto e encontro conforto no olhar do Henrique. Ele me deu carona até aqui quando recebi a notícia no meio do dia. Faz um mês que nos beijamos pela primeira vez e ele me trata tão bem que não tenho coragem de lhe dar um fora. Enquanto ele não tenta avançar o sinal nem me manda mensagens melosas, eu vou levando.

Minha mãe me olha de longe, com um sorrisinho de aprovação no rosto. Talvez as coisas sejam mais fáceis assim.

E então a família de Yasmin chega e sinto o coração acelerar.

Me remexo na cadeira e puxo um assunto qualquer com Henrique. Isso é um enterro, não é hora de pensar nessas coisas.

* * *

É feriado e pretendia dormir até tarde, mas abro os olhos antes das oito com Clarinha me chacoalhando.

— Que é? — reclamo.

— Um sonho.

Num susto, me ponho sentada na cama.

— O que? Com quem?

Ela não está tão desesperada desta vez. Será que essa menina de apenas nove anos está se acostumando a sonhar com coisas ruins?

Dou dois tapinhas no espaço ao meu lado e ela se senta:

— Eu vi um homem sendo atropelado.

Faço uma careta aflita:

— Que mais?

O despertar do clã MedeirosOnde histórias criam vida. Descubra agora