Capítulo 3: Sobre vantagens de ser bruxa

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"Closing time, every new beginning

Comes from some other beginning's end"

(Semisonic – Closing Time)

Assim que o friozinho na barriga passa, eu abro os olhos. Estou voando para casa. Se é que a essa altura eu considero algum lugar no mundo como minha casa. Costumo pensar em "casa da minha mãe" ou "casa do meu pai" e sinto não pertencer a nenhuma delas. Porém, de novo, não é com isso que devo me preocupar agora.

Ainda essa semana vou me encontrar com as primas Angélica e Ingrid e vamos decidir o que fazer. Falei por vídeo com a minha mãe ontem e, apesar de ela estar feliz com meu retorno, parecia um pouco apavorada também, os testes iniciais confirmaram o Alzheimer precoce.

Uma senhora do meu lado tenta puxar papo mas eu corto o assunto e coloco meus fones de ouvido porque estou sem paciência para amizade de avião. Ela começa a papear com o homem do outro lado e eu aumento o volume. Serão onze horas bem longas.

Na tela fixada ao banco à minha frente, procuro algo para assistir e acabo encontrando episódios de "Sabrina". O irônico é que minha tia, irmã do meu pai, tem o mesmo nome da protagonista, mas não é uma bruxa. Aliás, nem desconfia dos segredos da minha família.

Sorrio com a lembrança de ter assistido às duas versões da série com Yasmim, nós sempre brincávamos que um dia teríamos um gato chamado Salem e faríamos um feitiço para ele falar. Claro que pra isso acontecer alguma de nós provavelmente começaria a miar, mas nós nunca discutíamos as consequências. Nós só queríamos aproveitar as vantagens de ter poderes.

Acabo dando play num episódio qualquer da versão de 2018, mas não presto a menor atenção nas cenas. Diversas lembranças se intrometem nos meus pensamentos.

Após o aniversário de trinta e três anos da minha mãe, a bisa começou a ensinar as artes da feitiçaria para ela — as primas Angélica e Ingrid também tinham sido iniciadas com a mesma idade

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Após o aniversário de trinta e três anos da minha mãe, a bisa começou a ensinar as artes da feitiçaria para ela — as primas Angélica e Ingrid também tinham sido iniciadas com a mesma idade. Nos momentos das aulas e dos rituais eu estava encarregada de cuidar da Clarinha e da Pammela — filha da prima Angélica — mas isso não me impedia de escutar a bisa Cassandra falando.

Com o passar do tempo eu e as crianças também começamos a participar de aulas, exceto Evandro (irmão da Pammela), que por ser homem ficava em casa com o pai, pois apenas mulheres desenvolvem o dom da magia.

Quando a memória da bisa começou a falhar com mais frequência, nós a visitávamos duas vezes por semana no asilo, durante o pôr do sol, e ela nos ensinava ao menos um pouquinho. Acho que já havia aprendido quase todo o básico quando me mudei para a Inglaterra, mas sinto falta desses momentos.

Pois bem, uns seis meses depois que esses ensinamentos começaram, a amiga da minha mãe, "tia" Luciana, nos convidou para uma celebração de Ostara, ou seja, o equinócio de primavera. Nós chegamos ao local no final da tarde, era um sítio há uma meia hora de carro de São Paulo, perfeitamente decorado para invocação dos elementos necessários àquele momento tão importante do ano. Havia muitas mulheres andando de um lado para o outro e foi maravilhoso ficar sabendo da sobrevivência de tantos clãs na nossa região.

O despertar do clã MedeirosOnde histórias criam vida. Descubra agora