Capítulo 21: Sobre consequências

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"Oh, if the sky comes falling down, for you

There's nothing in this world I wouldn't do"

(Avicii - Hey Brother)

Acordo já suando, deve estar fazendo trinta graus nessa manhã de dezembro, mas não reclamo, estou me condicionando a não praguejar contra a natureza — a Bisca me passou um sermão sobre isso outro dia. Entre bocejos pego meu celular e vejo mensagens não lidas numa quantidade muito acima do normal. Meu coração acelera quando constato que a maioria das notificações é do pessoal dos podcasts, com quem estou voltando (ou começando?) a interagir.

Tremendo, clico no site de notícias que mais confio e, num canto, leio a melhor manchete da minha existência: "Jovem neurocirurgião britânico surpreende comunidade científica ao anunciar cura definitiva para o Alzheimer".

— Mãaaae! — arremesso o lençol longe e saio correndo sem nem passar no banheiro.

Ela está brincando com Clarinha, sentada no tapete felpudo da sala e arregala os olhos com a minha chegada.

— Que foi?!

Ajoelho ao lado dela, ainda desacreditando que tudo deu certo. O teste que ela fez retornou positivo e, mesmo sabendo que o resultado seria esse, ela passou dias chorando. Tiago já procurou especialistas e a família toda está surtada; meu pai até cogitou voltar para o Brasil, mas nós o convencemos de que não seria necessário.

— Ai, meu Deus! — ela pega o celular da minha mão e clica na reportagem.

Lemos em voz alta os superficiais cinco parágrafos que compõem a notícia; a universidade afirma que, graças a uma proposta de mudança radical nas pesquisas, feita pelo doutor Jebelli, a cura para o Alzheimer foi adiantada em pelo menos dez anos e a última fase dos testes deve começar já em 2020. Sorrio a cada linha e uma das citações de JJ é a que me faz começar a chorar e ser incapaz de continuar lendo: "Mais de um milhão de vidas serão poupadas". Minha mãe também está emocionada, mas eu sou muito mais escandalosa.

Clarinha diz "não chora" e começa a fazer um bico. Temos que rir, limpar nossos rostos e nos acalmar para que ela não chore também.

Minha mãe tenta distrai-la enquanto eu releio a reportagem. Clico em "voltar" para ver se essa é a única notícia sobre o assunto, e é quando meus olhos são atraídos para uma outra manchete. Engulo em seco ao ler "Pneumonia de causa desconhecida intriga médicos chineses".

— Puta merda! — tento processar as informações.

— O que?

— Puta merda... — recordo Clarinha me dizendo "as consequências já aconteceram".

— O que, Maria Júlia?!

Nem sei se sou capaz de explicar o que estou pensando.

— Tá vendo isso? — viro a tela para ela — vai causar muitas mortes, muitas mesmo.

Ela sussurra:

— Um milhão?

Franzo a testa e sinto uma pontada na cabeça, por um minuto parece que detalhes do futuro estão me faltando:

— Não lembro exatamente dos números, mas, talvez...

Minha mãe arregala os olhos:

— Consequências?

Concordo com a cabeça.

— Mas, como você sabe? — ela está tão confusa quanto eu.

— Nada tá fazendo sentido! — solto o celular e esfrego o rosto — A linha do tempo não é essa. Primeiro nós vivemos a pandemia e depois é que eu fui pro futuro e adiantei a cura do Alzheimer.

O despertar do clã MedeirosOnde histórias criam vida. Descubra agora