Capítulo 14: Sobre a inexistência da ocasião certa

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"Nobody said it was easy

It's such a shame for us to part

Nobody said it was easy

No one ever said it would be this hard

Oh, take me back to the start"

(Coldplay - The Scientist)

Tomo um banho rápido e janto com pressa. Me distraio por alguns minutos olhando minhas próprias coisas no guarda-roupas, a moda está um pouco mais unissex agora, tenho algumas calças com comprimentos e estampas esquisitas; camisas com decotes assimétricos e feitas de tecidos com proteção solar; e, para meu espanto, duas saias longas. Sorrio porque sinto que gosto mesmo delas.

Pego meu computador e decido me sentar no hall do prédio para pesquisar mais detalhes sobre a cura do Alzheimer. Os sons e os cheiros da minha casa me atrapalham a concentração.

Não tenho falsas esperanças de que o estudo completo já vai estar disponível na internet, provavelmente está sendo patenteado e tudo mais, mas talvez eu consiga informações suficientes para ajudar no aceleramento da descoberta. Talvez Henrique possa me ajudar a identificar o que é útil... O quão maluca ele vai achar que eu sou se contar pra ele que sou uma bruxa viajante no tempo?

Meu celular começa a tocar ao meu lado no sofá, bufo e dou o comando de voz para atender, sem olhar quem é. Uma imagem da cabeça da Yasmin é projetada a partir do aparelho:

— Preciso conversar com a minha melhor amiga, ela está disponível? — a voz dela me arrepia.

— Claro... Lógico... — respondo por impulso.

— Tô passando aí — ela dá uma risadinha e desliga.

Olho para baixo e encaro minha roupa de ficar em casa: calças e camiseta largas, um moletom velho com o símbolo da escola onde estudei parte do ensino médio e chinelos havaianas cheio de brilhos. Estou sem brincos e o cabelo nada ajeitado.

Dane-se, não vou me trocar. Mesmo porque ouço uma buzina e mal tenho tempo de pegar o computador, ela devia estar por perto.

— Oi... — entro esbaforida no carro.

— Oi... — Yasmin dá um sorriso deprimido.

Ela também está usando roupas despojadas e nenhuma maquiagem, a diferença entre nós duas é que nem assim ela consegue deixar de ser atraente.

Yasmin nos conduz para um dos tantos museus 24h que São Paulo possui agora. Descemos do carro, entramos no prédio e caminhamos para um canto mais vazio, onde há uma escultura bastante alta de dois corpos se esticando um na direção do outro, quase se tocando, feita de fios de nylon de várias cores. Apenas uma linha transparente liga o peito das duas pessoas, na altura do coração. É uma imagem linda.

Nos sentamos num dos bancos dourados sem encosto, ambas montadas como em cavalos, uma perna para cada lado. Yasmin fala emocionada e como se tivesse ensaiado:

— Eu sei que faz tempo que a gente não conversa, sei que temos muitos motivos... ou nenhum, sei lá. A vida, nossos problemas pessoais... Mas você é a única que vai entender a história toda, o problema todo, meu dilema... meu... A Bia quer que eu deixe de praticar bruxaria.

Abro a boca mas me impeço de reagir com um "ela não pode te mandar fazer isso", quando encaro o rosto aflito da minha amiga.

— Por quê?

O despertar do clã MedeirosOnde histórias criam vida. Descubra agora