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Cillín passou todo horário de visita procurando a moça de cabelos cacheados. Ele ainda podia sentir levemente o cheiro dela. Cheiro de vento com brasas e chuva e terra molhada. Uma mistura que era perfeita. Como poderia existir tal mix de cheiros em uma só pessoa, ele não fazia ideia.

Ele caminhou pelos corredores, subiu as escadas, olhou de cima para vê se à achava, e nada. De alguma forma, sem entender, seu sangue e alma clamavam por ela.

Até que chegou perto do horário de fechar as portas e ele desistiu de procurá-la. Seguiu caminhando para seu quarto, e por fim se jogou no colchão macio e único. O seu travesseiro tem o cheiro dele, leve cheiro de grãos negros com lenha queimada.

Ele tirou toda roupa excessiva do dia, lavou seu rosto na bacia com água que era mantida em seu quarto. Trocou suas roupas, passou a mão por seu cabelo e saiu novamente do quarto, seguindo em direção a sala de jantar.

Sua mãe já estava presente, sentada elegante e com o olhar distante, como se algo a tivesse deixado entorpecida. Os longos cílios dos olhos azuis de sua mãe piscaram e ela saiu do transe, voltando toda atenção a Cillín.

– Tesouro, não lhe vi durante toda visita. - ela perguntou calmamente

– Estive na biblioteca, cuidando pessoalmente do meu tesouro.

Os lábios de sua mãe curvaram para cima e um leve sorriso brotou ali.

– Entendi docinho - disse ela e depois deu uma garfada no tomate que estava em seu prato - Depois vá ver sua irmã, ela estava fazendo as travessuras que você ensinou. Creio que ela sente sua falta.

– Irei assim que terminar. - ele começou a se alimentar com a comida presente em seu prato. Tomate, folhas verdes e grãos brancos.

Após terminar a refeição, ele bebeu um pouco da água que estava no copo e saiu da mesa em direção ao quarto da sua irmã.

Passou novamente pelos corredores cinzas e sentiu algo puxando seu corpo. Ele virou em direção ao puxão mas não viu nada, estava somente ele no corredor. Seguiu andando, e começou assobiar para afastar o que é que estivesse ali.

Chegou na porta do quarto da irmã e entrou. A doce criança olhou a porta abrir e então começou a sorrir, gargalhar para dizer a verdade.

– Oi bombom, sentiu minha falta ? - ele a pegou no colo e começou brincar com ela.

Não podia demorar brincando com ela, estava consideravelmente tarde e ele estava cansado. Seus olhos estavam pesados, sua cabeça estava latejando um dor fina e havia um peso em sua alma como se algo estivesse colocando a mão.

Ele balançou sua irmã no colo e ela dormiu tão tranquilamente que ele achou que suas roupas estavam com um sonífero infantil.

– Bombom, dormiu rápido hoje hein?! - ele caminhou em direção a pequena cama e a colocou para que pudesse dormir. – Até amanhã meu docinho - deu um beijo em sua testa e saiu do quarto.

Voltou novamente para o corredor frio e desbotado. Os detalhes do seu palácio são únicos. Em algum lugar do passado deveria ter sido um dos mais belos palácios de todos os quatro. Após atravessar o palácio, ele finalmente chegou ao seu quarto. Caminhou em direção ao seu pequeno lavatório e se limpou.

Após se preparar, colocar uma cueca e deitar na cama foi fácil para ele pegar no sono, mas esse sono não era o mais dócil que ele teve. Um sono confuso, pesado, um dos sonos que não tem como descansar. Ao contrário, é ainda mais cansativo ao nascer do sol.

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Seu sonho era forte. Sonhava com algo antigo, diferente e quente. Um sonho diferente dos que ele já teve.

O sonho se passava em um templo antigo e cheio de desenhos de flores na cor vermelha. Alguns tinham o nome embaixo: Tulipa, Gérbera, Rosa e Astromélia. Todas as flores eram lindas, mas somente uma nomeada de Amarílis chamou sua atenção. A cor cativou seus olhos, com fundo dela era branco e o pólen amarelo estava nas pontas.

Ele levantou a mão para tocar nela.

Ele queria sentir o cheiro, queria ter a cor do pólen em seus dedos, mas era tudo desenho de paredes antigas e a tanto tempo esquecida.

Após isso, continuou caminhando por seu sonho. Um longo corredor à sua frente, e as paredes carregavam agora frases. Tais frases de versos que ele nunca tinha visto.

Após a chegada dela, os outros virão. Ela mudará a história, mudará tudo que vocês conhecem.

Ele leu aquela frase e sentiu seu corpo formigar.

Após a chegada dela os outros também vão chegar. Eles terão que ser fortes e achar maneiras de se encontrar com ela.

Após a chegada dela, o fogo será o próximo.

A pessoa que for abençoada com a deusa do fogo deverá ser a luz e o calor que pessoas que passam frio precisam.

Cillín sentiu algo em sua mente abrir. Como se um cadeado a muito tempo fechado abrisse em sua mente, seu sangue, sua alma.

Cillín. - uma voz doce, nova e ao mesmo tempo mais velha que o céu, disse o nome dele em seu sonho.

Ele se mexeu na cama, revirando o lençol tentando acordar do sonho.

Cillín, ouça a minha voz. Reconheça ela.

Ele não queria reconhecer, queria acordar, sair correndo de seu quarto ou pegar sua espada e correr em direção ao quarto de sua mãe e da sua irmã e proteger elas. Mas algo em Cillín queria ouvir, queria aceitar, e fazer tudo que ela quisesse.

Por incrível que pareça ele parou e ouviu a voz.

Eu lhe reconheço, fale.- a sua voz no sonho era suave e rouca ao mesmo tempo.

- A muito tempo, sua linhagem foi escolhida para ser descendente da deusa Fride do fogo. Muitos vinheram antes de você. Alguns sabiam sobre a benção que seus ombros carregam e outros não sabiam e morreram assim.

Cillín começou a entender o motivo de sempre se sentir pesado e inquieto.

– Algumas pessoas de sua linhagem eram tão maus quanto o terror que mora a milhares de metros abaixo da terra que você anda. Só estou falando contigo agora, após 250 anos de espera, pois chegou a hora de sua linhagem reconhecer o poder que Fride lhes deu. Você é o abençoado do fogo. Tal poder foi doado pessoalmente por ela. Sua mão direita está sempre sobre seu ombro esquerdo.

Cillín sentiu algo em seu corpo, ele começou suar. Algo deslizava, ascendia, queimava dentro dele. Seu corpo ficou inquieto, procurando algo que não estava em seu quarto, em sua cama, em seu palácio.

– Cillín, você vai aprender a conduzir seu poder. Mas para que isso aconteça, você deverá encontrar a abençoada dos quatro elementos. Deverá deixar ela entrar e sair de sua biblioteca, dará apoio e segurança a ela.

– Quem é ela? – sua voz saiu como se mil espadas estivessem em sua garganta.

Após ele fazer essa pergunta, uma imagem apareceu em sua mente. A mesma moça que ele tinha visto mais cedo, ele reconheceria seu cabelo a milhas.

Encontre ela e salve o mundo.

Após essas últimas palavras Cillín acordou. Seu corpo estava suando frio, e sua mão estava quente como se estivesse no meio de uma fogueira.

A sombra do seu corpo suado estava impressa na cama, e no lugar de suas mãos estava um leve queimado. Ele analisou, respirou fundo e se levantou da cama e foi em direção a biblioteca. Sua mente só conseguia repetir a última frase dita por aquela voz.

– Encontre ela e salve o mundo.

E ele iria encontrá-la.

A AbençoadaOnde histórias criam vida. Descubra agora