Com o tempo passando e as coisas fluindo lentamente para Palias, que havia recebido uma mensagem sussurrada em uma de suas noites de sono. Seu afazeres estavam tão focados em flertar com Aiyana e mostrar a ela como seus dons poderiam ser usados para tantas coisas que, a cada ensinamento novo ela brilhava, se alegrava e se mostrava muito mais que uma simples abençoada, de fato uma herdeira.Cillin estava sempre ao lado da abençoada como se estivesse prevendo algum evento futuro e grande caos e tristeza. De fato, aquilo iria acontecer, mas seria de forma tão cuidadosa que ninguém desconfiaria de muita coisa.
Rowena, Tyr e Azura tinham assumido seus postos de bem feitos para a cidade. Tudo que eles pudessem fazer através de seus dons, eles fariam. E iria muito além de colocar água nos baldes e bacias, eles riam, contavam histórias de seus reinos e com suas famílias. Eles eram amigos daquela cidade, daquele reino. As vilas pobres se alegravam ao verem eles chegando com seus sorrisos e seus dons.
E Aiyana, bem.... Ela vivia seu tempo entre invocar seu dom da escuridão, misturar com o do da luz e misturar todos os outros dons elementais. Ela estava cansada, exausta, necessitava de um banho de banheira. Um banho quente acompanhado de sabonetes raros de romã e maracujá. O tempo que lhe era reservado para comer, tinha que dividir a mesa com outras cinco pessoas que conversavam mais do que comia. O tempo que lhe era reservado para dormir, ouvia os outros deuses lhe cobrando a quebra da maldição, lhe cobrando forças e poder. O tempo que lhe era reservado para correr - sempre antes do nascer do sol -, tinha que parar várias vezes para realizar pedidos dos moradores da vila. Desde acender a fogueira, à aumentar o nível de água nos poços no fundo das casas.
Naquele momento, a abençoada estava sentada na varanda do palácio. A noite caia silenciosa.
Uma xícara de chá repousava em seu colo enquanto observava as estrelas tomando conta do céu. Tudo estava quieto, o que era milagre já que estava praticamente morando com um bando de pássaros barulhentos e sorridentes.
Antes de ver, ela ouviu passos e sentiu cheiro de chá de canela. Alguém tinha descoberto seu lugar preferido para ver o céu noturno.
– Aqui está você, flor de tangerina.- sussurrou Palias puxando uma das cadeiras para ao lado de Aiyana.
– O que é tangerina?
– Ah, verdade... você não chegou a conhecer.- disse ele enquanto se sentava.- É uma fruta com um cheiro marcante, a flor de tangerina tem um cheiro único e uma cor branca, igual a seu cabelo.
– Deve ser magnífico... o cheiro e o gosto.
– De fato.
No começo, quando ele havia ' despencado ' dos céus até aqui, ela o havia odiado das formas mais fortes que se pudesse imaginar. Mas agora, ela sabia que chegaria um momento que o agradeceria por estar lhe ensinando tanto, lhe mostrando que é forte.
O silêncio que reinou entre os dois chegava a ser confortável, um silêncio pacífico até. Mas a língua de Aiyana coçava para conversar, precisava se entreter. Entreter sua mente.
– Os demais estão tão quietos.- disse ela.
Palias virou o rosto para encarar Aiyana. Os olhos azuis dele perfuraram sua alma, todo seu corpo se arrepiou.
– Eles saíram, foram até a vila.
– Agora tá explicado.
Ele colocou a xícara no chão sem tirar os olhos dela. A profundeza dos olhos azuis mexia com Aiyana, fazia sua pele formigar, suas mãos suar. A fazia se sentir boba.
– Sabe, o tempo passou tão rápido, e tão lento que vai fazer um ano que fui abençoada.
– A é? E como foi?
– Foi no dia do meu aniversário, pedi a minha mãe para me permitir vim na biblioteca real e ela deixou.- ela colocou a xícara no chão e olhou para o céu.- Mal sabia que tanta coisa iria mudar depois disso. Não sei como acabei sendo abençoada com tantos dons, com tanta força, com tanta responsabilidade. E agora sou herdeira. Herdeira, dá pra acreditar?
Aiyana virou para encarar Palias e ele a encarava.
– Antes de que eu fosse enviado para cá, para você, eu achava que era apaixonado por uma deusa.- disse ele.- Antes de ser um deus eu já a amava, ou achava que a amava. E isso foi até encontrar você.
Ele segurou a mão de Aiyana.
– Eu poderia beijá-la agora.
– Eu poderia querer.
Ele colocou uma mexa do cabelo atrás da orelha.
Passou o dedo pelos lábios dela.
Aiyana fechou os olhos, ansiosa para ser beijada. Ansiosa para sentir o gosto dos lábios dele.
Como se um relâmpago tivesse passado por seus olhos, imagens de uma lua cheia invadiram sua mente. Imagens dela vestida de branco e com as mãos elevadas aos céus e a luz brilhando acima.
Ela abriu os olhos e viu Palias olhando de forma curiosa para ela. Ele ainda segurava a sua mão, mas agora de forma protetora.
– Devo quebrar a maldição na próxima lua cheia.
– Daqui a três dias?
– Daqui a três dias.
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Azura brilhava de alegria ao lado de seus amigos, entretanto sua mente não saia de sua cidade, de sua galera.
Queria voltar para casa como um filho que viaja o mundo e deseja voltar para casa, para o colo da mãe e para a sua cama de infância.
Apesar de sempre sorrir com as piadas e as cantadas de Tyr, ela queria sua casa de volta. E parecia que cada vez estava mais próximo disso, do seu retorno.
Ela não havia recebido nenhuma notícia sobre brigas ou guerras locais. Sempre se mantinha em contato com os seus amigos do outro reino, afinal de contas ela era a comandante do pelotão. Tinha que saber o que estava acontecendo.
Naquele momento estava Cillín e Rowena abraçados, brilhando de amor.
Tyr sorria e dançava com uma criança em frente a fogueira que Cillín tinha acesso.
Como seria o mundo sem essa maldita maldição? Será que Aiyana conseguiria? Desde que Palias, o deus do mar, chegou ela havia presenciado os treinos de Aiyana e do deus, e se mantinha confiante de que a abençoada conseguiria. Mas, quando?
Seria hoje, ou amanhã, ou daqui a anos?
– Venha Az, venha dançar- disse Tyr.
Azura sorriu e se levantou.
A pequena menina que dançava com Tyr se alegrou e começou a rodopiar. O sorriso da menina era resplandecente, vivo. Um sorriso de um pequeno ser que teria a oportunidade de ver um mundo melhor, de se alimentar melhor. De ouvir pássaros e ver animais. De sentir cheiros que jamais sentiu.
Mais pessoas se juntaram aos abençoados. O calor humano para aquela noite escura era conforto para alma, silêncio para a mente.
Rowena e Cillín começaram a dançar.
As pessoas ao redor batiam as mãos para ajudar uma moça que cantava alegremente.
Risadas e vozes enchiam a noite.
E aquele era o sinal de que o mundo seria melhor, de que, no fim, tudo daria certo. Tudo dará certo.
Enquanto dançavam, cantavam e sorriam, os abençoados sentiram um puxão em seus dons. Aiyana estava tentando se comunicar.
Eles saíram do meio das pessoas e se concentraram para ouvir o que ela dizia.
– Assim que puderem venham ao palácio, preciso falar com vocês.
Os abençoados se entreolharam e começaram a caminhar de volta ao palácio. Aiyana deveria ter algo muito importante para dizer, ou algo muito ruim estava acontecendo. Para ela se comunicar pelos dons? Algo estava acontecendo.
Algo não tão ruim. Palias e Aiyana juntos tinham mais força do que os outros quatro juntos.
Seus passos estavam rápidos e decididos. O silêncio e a determinação guiaram seus passos até o palácio que foi avistado de longe.
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A Abençoada
FantasyIndicado ao Wattys 2021. Uma maldição foi jogada por toda terra há 250 anos atrás. Um mundo que era florido, com alimento para todos, água abundante foi resumido a dunas de areia, alimentos mínimos, pequenos córregos de água doce. As brigas, guerra...