Já se passou mais de um ano desde que vi Matthew pela última vez. Nunca fomos próximos, embora ele tenha sido um grande aliado no tempo em que eu e Tris passamos no Departamento. Não me sinto muito confortável com ele, não que seja sua culpa, mas ele é quase um álbum de recordações ambulante. Se não o tivéssemos conhecido, se não tivéssemos ido àquele Departamento, talvez ela estivesse viva.
Mas Chicago ainda seria um experimento, teríamos nossas mentes apagadas e ainda seríamos fantoches de cientistas com ideais estúpidos. Pessoas ainda estariam sofrendo e ela não gostaria nada disso. Quatro anos se passaram desde que ela se foi e ainda estou sofrendo por não tê-la ao meu lado. Certamente ela também não gostaria disso.
De fato, não é culpa de Matthew.
Ele me espera na frente da antiga sede da Erudição, que manteve a mesma função de abrigar laboratórios de pesquisas e fascinar pessoas como Matthew e Caleb. Nunca mais procurei notícias dele.
- Olá - diz Matthew ao me ver.
- O que o fez me procurar depois de tanto tempo? Algum problema? - questiono. Temo que tenha me procurado devido a próxima campanha de eleição. Sigo sendo apenas o assistente de Johanna Reyes, embora muitos digam que deveria me candidatar. Mas ainda sou a pessoa que foi criada na Abnegação, criada para não querer o poder. Pelo menos, por enquanto. E o fato de tantas pessoas acreditarem que isso me faz apto ao poder me irrita. Não temos mais facções, isso não devia mais importar. Mas todos sabemos que ainda importa.
- Na verdade, não. Mas há algo que eu gostaria de falar a você há algum tempo. Queria ter falado na última vez que nos vimos, mas achei que não era o momento certo.
A última vez que nos vimos; quando espalhamos as cinzas de Tris pela cidade. Realmente, não era o momento para qualquer revelação que Matthew poderia fazer.
- Voltei há poucos dias do Departamento - começa ele, cuidadoso. Parece ter medo que suas palavras me machuquem. - Aproveitei para checar se ainda estavam lá e... decidi que você devia saber.
O que poderia estar no Departamento que seja do meu interesse? Aquele lugar desfez tudo que eu conhecia e amava. Ele nota meu olhar irritado e suspira.
- Quando vocês chegaram ao Departamento, fizeram alguns exames na Tris. Estudos. O foco de David sempre foi manter a reprodução dos geneticamente puros, você sabe. - Sim, eu sei. Essa filosofia idiota do departamento separava muito mais que GP's e GD's, separava pessoas como Amah e George. Ele continua. - David pediu que um dos médicos que estava fazendo exames em Tris colhesse material dela para reprodução. Acontece que o material ainda está lá, em perfeitas condições.
O que ele quer dizer?
- Se você quiser, com um procedimento que, não vou mentir, pode não dar em nada, e uma mulher disposta a ajudar você... - O que ele quer dizer?! - Você poderia ter um filho da Tris.
Minhas pernas estão bambas. Que pernas? Já não as sinto mais. Um filho? Um filho meu e da Tris? Eu quero isso? Eu posso... posso ouvir uma voz parecida com a dela, ver olhos como os dela e ensinar a alguém tudo que aprendemos na Abnegação, na Audácia e juntos fazendo nossa pequena revolução em Chicago. Certa vez, Cara se referiu a Tris como uma rebelde, mas com certeza ela era mais do que isso. Ela foi uma revolucionária, mudando tudo e a todos por onde passava. E tenho a chance de ter um pedaço disso comigo e contar a alguém tudo o que ela foi para dividir essa admiração comigo. Eu já tinha essa chance. Há anos eu tenho essa chance e Matthew escondeu isso de mim.
- Você está dizendo que esse tempo todo há um pedaço dela no laboratório que poderia ser um filho meu e você escondeu isso de mim? - sinto o calor e a raiva nos punhos cerrados. Não lembro de ter me movido enquanto o escutava falar mas meu corpo está posicionado perfeitamente para começar a brigar.
- Achei que não fosse o momento...
- Você não achou? Você?! Você não tinha o direito de esconder isso e mim! - grito no meio da rua sem me importar com quem passa ou vai às janelas para ver o que está acontecendo. Eu poderia ter um filho da Tris. E ele escondeu isso. E não posso tirar a razão dele. Alguém desesperado não seria um bom pai e ele sabia que eu estava abalado. Mesmo nunca tendo pensado muito sobre ter filhos, ainda mais depois de perdê-la, eu com certeza nunca me perdoaria se não fosse um bom pai. E sei que meu filho também não. A raiva se esvai e percebo que as palavras de Matthew apenas curam. Preenchem uma parte do meu peito que eu achei que seria vazia para sempre, pois ninguém nunca será como ela, digno desse espaço. Mas agora sei, nosso filho será.
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Descendente
AdventureAlguns anos após o final de Convergente, Tobias encontra outra motivação para seguir sua vida e passar adiante tudo que aprendeu com Tris sobre ser corajoso, altruísta, inteligente, honesto e bondoso. Não é sobre genes, é sobre querer ser alguém bom...