Capítulo treze - Tenlie

40 6 0
                                    

- O que você está fazendo aqui? - é a voz do meu pai. 

Viro-me para ele e me sinto quebrada, incapaz de me mexer. Ele me descobriu, descobriu que estou mentindo para ele. Nunca o vi tão cheio de raiva. Minha cabeça é um turbilhão, ele caminha com força, determinação e ódio. Muito ódio. Parece prestes a matar alguém só pelo olhar. Ele não me mataria, certo? Claro que não, ele nunca... ele... passou reto por mim? 

- Acalma-se, Tobias. - diz Marcus. 

Meu pai caminha em sua direção e lhe acerta um soco no rosto. Marcus cai no chão, meu pai está prestes a chuta-lo. Serei capaz de para-lo? Parece que nada no mundo seria. 

- Pai, pare! Ele está só se abrigando aqui! Ele não fez nada de errado! 

Meu pai para e volta-se para mim. Seu rosto está vermelho, ele segura meus ombros, está ofegante e parece prestes a chorar. O que está acontecendo com ele? Como pode fazer isso com alguém? Marcus é bem mais velho que ele, precisa de comida e abrigo, está fraco. Meu pai acha que preciso ser protegida de alguém que precisa de ajuda? Ele quer me defender agindo dessa forma?

- Filho, por favor, eu não fiz nenhum mal a ela. 

Filho. 

Marcus é bem mais velho que meu pai. Eles se conheceram há muito tempo. Não conte para o seu pai. A forma como ele me enche de perguntas, como me olhou depois que me disse seu nome. Marcus é meu avô. Eu nunca soube nada do meu avô, nunca soube seu nome. Pensei que, como minha mãe e os pais dela, ele estaria morto. Marcus se levanta e dá um passo em nossa direção, meu pai se põe na minha frente. 

- Não encoste nela. - ele diz, sua voz está firme mas seu olhos estão desesperados. 

Quatro. Meu pai tinha quatro medos, só sei de três. "Vou falar a você o que disse a sua mãe, quando ela me perguntou sobre. Não era um que, mas quem." Ele também disse que esse medo se transformou depois que nasci, quando ele visitou sua paisagem do medo pela última vez.

Sou seu quarto medo, Marcus e eu. Ele tinha medo do seu pai, e agora teme que eu seja o alvo. Não sei nada sobre a relação dos dois, mas sei que não era nada como a que tenho com meu pai. Ele me segura atrás de si, com a mão apertada e grita com Marcus. Seguro seu braço, não sei como ele está se sentindo mas quero mostrar que estou bem. 

- Você é o líder dos rebeldes agora, não é? É por isso que eles estão rondando a cerca, não sabem onde você está. - meu pai grita. 

- Claro que não, Tobias. Eu queria apenas... conhecer minha neta. - ele tenta se defender, chora, mas não me deixo enganar. A raiva toma conta de mim e saio de trás do meu pai. Acho que entendo como ele se sente. 

- Me conhecer? Você não tinha ideia de quem eu era! Me encheu de perguntas sobre meu pai... estava me usando para colher informações? - estou tremendo, mas meu pai não tenta interferir. - O que é você?  Minha família com certeza não é! - Marcus pede perdão, está chorando, talvez eu também esteja, de raiva. Mas sinto apenas calor em meu rosto. - Você nunca será da nossa família! Nunca conseguiria ser bom o bastante para isso! 

Nunca senti tanta raiva em toda minha vida, quero me lançar sobre Marcus e atingi-lo como fiz com o saco de pancadas alguns minutos atrás, enquanto ele me usava para colher informações e mentia para mim. Mas sou capaz apenas de jogar-me aos braços de meu pai. Ele me aperta e me leva para fora da sala. Choramos sem nos soltar. Ele está de volta ao complexo, onde foi livre com seus amigos e feliz com minha mãe. Acabou de enfrentar seu maior medo. Minha raiva de dissipa mas sigo chorando, agora desesperada para tirar toda a aflição do peito do meu pai. 

*  *  *

Meu pai chamou a polícia, levaram Marcus. Não o vimos nem falamos com ele, apenas nos afastamos, abraçados. Ele me leva para seu antigo apartamento, deitamo-nos em sua cama, seu braço por baixo dos meus ombros. 

- Pensei que fosse perder você. - diz ele. Fico surpresa. 

- Não conheço Marcus como você, mas ele não fez nada de ruim comigo. Foi muito gentil, na verdade. Exceto por ter me usado para colher informações sobre você e a prefeitura. Mas nunca falei muita coisa. Ele não ia me machucar. 

- Não estava falando disso. Eu não tinha ideia que ele estava em Chicago. - após uma pausa ele se levanta, está irritado. - Porque você o estava ajudando? Porque não me disse nada? Estava vindo visitar um estranho, tem pulado do trem para o terraço, poderia cair e morrer. Ficou louca? Porque tem vindo para cá todos esses dias? Combinamos que seria uma vez, e não sozinha! Está me desobedecendo para quê? Ser como um membro da Audácia não é isso!

- Eu não queria ser como um membro da Audácia, eu queria ser como minha mãe! - após gritar, tento respirar. Ele se aproxima e me afasto. - Eu queria ver o complexo onde ela passou suas últimas semanas aproveitando a vida! Onde vocês se conheceram! Queria pular na rede, como ela fez! Queria poder viver algo com ela, mas não posso! Então ao menos, quero viver as mesmas coisas. - sinto que vou me desmanchar de tanto chorar, mas se não falar tudo, meu corpo vai ruir. - Queria assumir riscos para ajudar alguém, ser altruísta como ela era, por isso o ajudei! Mas fui estúpida.

Ele está imóvel, me olha enquanto escorrem lágrimas de seus olhos.  Sento-me novamente e falo a última coisa que sinto que preciso pôr para fora.

- Minha mãe morreu sem nem saber que eu poderia existir. Eu só queria... algo que me ligasse a ela, algo que fosse só meu e dela. Por isso tento ser como ela. 

Ele se agacha à minha frente. Sinto-me péssima por lhe fazer ouvir tudo isso porque sei que também o machuca, mas sei que ele não gostaria que eu me abrisse dessa forma para qualquer outra pessoa. 

- Você é tudo que ela sempre tentou ser. - diz, apoiando a mão em minha bochecha. - Você não fui estúpida. - ele pega uma de minhas mão e senta-se ao meu lado. - Sua mãe acreditava na verdadeira intenção da Audácia. "Acreditamos nos atos simples de bravura. Na coragem de levantar-se em defesa do outro." Você foi corajosa, Tenlie. 

- Não é tão diferente de ser altruísta. 

- Não, não é. Você foi os dois. Você é tudo. - ele diz isso apertando minha mão e sei que ele não se refere apenas às facções. Sou tudo para ele. Tudo que lhe alegra, tudo que liga ele a minha mãe. Jogo-me em seus braços e ficamos ali por alguns minutos ou algumas horas. Depois, passeamos pelos corredores, visitamos os lugares em que ele viveu, sendo apenas Quatro. Não o Tobias, não o revolucionário. Apenas o livre, esperançoso e apaixonado Quatro. 


DescendenteOnde histórias criam vida. Descubra agora