Desacelero conforme me aproximo dos meus amigos. Após apenas algumas semanas eles já parecem muito diferentes. Eu também devo estar, me sinto diferente, mas não sei se é visível. Frank está com uma camiseta vermelha, calça e casaco pretos, o cabelo levemente enrolado e bagunçado, como de costume. Agora que se adaptou a Chicago parece estar com uma expressão mais tranquila no rosto, parece um membro da Amizade vestindo roupas da Audácia. Fernando está com calça preta e um moletom azul, conversando com Victória. Ela é a que me parece mais diferente, vestindo um blusão branco, shorts pretos e coturnos, como os meus. Seu cabelo crespo está agora todo trançado, preso em um longo rabo de cavalo. Ela não parece feliz, está impaciente, mas não saberia dizer se o culpado por isso é Fernando. Marlynn corre até mim e o recebo com um abraço.
- Olha só quem veio. - diz Fernando em tom de ironia. Sempre agindo como um irmão implicante.
- Onde estava? - pergunta Marlynn. - Você sumiu.
Penso na última vez que o vi, no complexo da Audácia. Lembro das vezes que voltei lá sozinha, escondida, para ajudar Marcus, até que meu pai nos encontrou e ele foi preso. Tantas coisas aconteceram, coisas que eu nem imaginaria. Coisas que não foram só minhas. Não há como responder tudo, seguir para uma festa e fingir que está tudo normal. Não sinto que esteja.
- Ocupada. Trabalho. - respondo sem saber mais como justificar meu desaparecimento.
- Trabalhando? - questiona Victória.
Ela parece irritada, percebo que talvez o problema seja eu. Me isolei em meus próprios problemas, não gostava da ideia de ser ajudada por meus amigos, mas acabei dando as costas para eles. Não sei o que fizeram ou se precisaram de mim. Não sei mais nada sobre eles há quase um mês e eles não sabem nada de mim. Foi tempo suficiente para nos tornamos quase estranhos uns para os outros.
- Estou treinando na delegacia, vou entrar para a guarda.
Fernando se surpreende com minha resposta. Ele sempre esteve muito dividido entre trabalhar na guarda ou em algum projeto de pesquisa, falava sobre isso quase o tempo todo. Eu não, nunca falei sobre carreira, não tinha descoberto algo que me desse tanta vontade. Mas minha curiosidade e preparo de um soldado da Audácia me serão muito úteis na carreira que escolhi.
- Sempre pensei que você fosse trabalhar com Caleb. E, talvez, comigo. - diz Fernando um pouco melancólico.
- Erudição demais para mim, a Audácia fala mais alto. Mas você ainda pode vir para a guarda, trabalhar comigo. - brinco.
- Então você tem visto meu pai todo dia? - pergunta Victória, quase com raiva.
- Não, eu estou treinando com o Zeke. Amah geralmente pega o turno da tarde e eu vou pela manhã. - tento sorrir mas acho que não a convenci.
O clima fica um pouco constrangedor, mais para mim. Fico ouvindo os assuntos deles enquanto esperamos o trem. Quando ouvimos o som dos trilhos, começamos a correr, e as coisas parecem estar de volta ao normal. Sou a última a saltar para dentro do trem, sento-me com os pés para fora da porta. O vento forte faz minha jaqueta deslizar dos meus ombros e meus cabelos voarem de forma bagunçada, então prendo-os num coque, deixando assim meus ombros a mostra.
- Você fez uma tatuagem? - pergunta Marlynn empolgado.
Viro-me para eles, Marlynn se aproxima para ver o desenho, Fernando e Frank esticam o pescoço para tentar enxergar, Victória apenas me olha de cara fechada. Ela está chateada comigo. Por que sumi, por que fiz várias coisas e não lhe contei nada sobre. Mas nós nunca brigamos, com certeza vai passar. Só espero que ela veja que não fiz por mal.
Dou um sorriso e afirmo com a cabeça, Marlynn passa a mão levemente sobre o plástico que coloquei por cima do desenho em minha pele, para não doer com o peso contato da jaqueta. Fernando se aproxima para olhar, Victória nem se mexe. Lhe dou um sorriso fraco, tentando aliviar a situação. Logo os meninos se afastam e volto a observar a cidade pela porta aberta do trem. Frank senta-se ao meu lado, com uma perna para fora do vagão e outra para dentro, apoiando as costas na porta aberta do trem.
- Onde é a festa? - pergunto.
- Num antigo abrigo dos sem facção. - responde ele dando de ombros.
Apesar de achar um lugar estranho para se dar uma festa, não falo nada. Volto meu olhar para as ruas e praças da cidade, vejo as luzes dos prédios acesas e penso no quão estranho devia ser na época em que meu pai era jovem. Chicago tinha toque de recolher e todos deviam apagar as luzes. Prefiro como é agora, liberdade para iluminar o horizonte e dar festas na noite de uma quarta-feira.
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Descendente
AdventureAlguns anos após o final de Convergente, Tobias encontra outra motivação para seguir sua vida e passar adiante tudo que aprendeu com Tris sobre ser corajoso, altruísta, inteligente, honesto e bondoso. Não é sobre genes, é sobre querer ser alguém bom...