Deixo o escritório de Johana, após mais uma reunião. Tudo ficou mais turbulento, desde que Marcus falou de um outro grupo rebelde, no dia do julgamento. A eleição será em breve e cada vez mais pessoas dizem que, na próxima, devo me candidatar. Nunca quis ser um líder, mas de certa forma, parece que essa função me cercou a vida toda, esperando o momento que eu a tomasse como minha.
Mesmo após o final das reuniões, ainda tenho muito o que fazer e não sei por onde começar. Na verdade, sei, mas é a opção que menos me agrada.
Caminho algumas quadras, até chegar no Centro de Contenção, a prisão de Chicago. Alguns dos guardas ainda lembram de mim, da Audácia. Eles me levam até a cela onde Marcus está. Quando entro, quase não o reconheço. Está fraco, magro e triste. Não parece o homem que conheci.
- Tobias, o que faz aqui?
Sento-me em uma cadeira de frente para ele, um pouco afastado. Não tenho a intenção de ser educado, nem respeitoso. Quero deixar bem claro que as coisas entre nós não mudaram e não vão mudar. Muito menos as coisas entre ele e Tenlie.
- Só preciso saber de algumas coisas, depois vou embora. E nunca mais volto, espero. - respondo.
Ele parece abalado com o que digo, mas se levanta, sentando-se na cama, e pede para que eu continue.
- A Abnegação administrava o soro da memória. - ele concorda com a cabeça. - Você sabe como o soro funcionava?
- Quanto maior a dose injetada, mais da memória da pessoa era apagada.
- E é temporário?
- Não. - ele responde com muita certeza. - Apenas se fosse uma dose muito pequena, algumas gotas.
- Tem certeza? É possível reverter o efeito? - insisto.
- Não que se saiba, acho que nunca tentaram. - ele diz.
Aceno com a cabeça e levanto-me.
- Tobias. - me chama, e paro. - Por que isso?
- Peter lembrou de Tris.
Deixo a cela, sem olhar para trás. Nossa conversa não fui útil, então vou atrás de alguém que realmente entenda do assunto.
* * *
- O senhor Prior está ocupado. Gostaria de marcar hora? - pergunta a recepcionista.
- Diga a ele que é o Quatro. E é urgente. - respondo.
A moça, um pouco nervosa agora, mexe outra vez no computador e me acompanha até o elevador. Quando chego no andar e a porta abre, Caleb está me esperando.
- Quatro. Tudo bem? - aceno com a cabeça. - Por favor, por aqui.
Sigo-o até sua sala, na porta ao lado do memorial. Ele puxa uma cadeira, para que eu me sente. Está ansioso, senta-se a minha frete e começa a organizar pastas, para abrir espaço na mesa. Enquanto se mexe, vejo traços de Tris piscarem em seu rosto. Eles eram bastante diferentes, mas quando o vejo, tem muito dela ali.
- Algum problema com Tenlie? - pergunta.
- Não, ela está ótima. Virou oficial da guarda. - digo e ele sorri. - Mas eu precisava saber de algumas coisas. Imagino que você seja a melhor pessoa para responder.
- Claro, o que precisar.
- O efeito do soro da memória é temporário? Ou reversível?
Ele para de mexer nos papéis, confuso, e me observa. Pega a última pilha de papéis, põe em uma gaveta e então, vira-se para mim outra vez.
- Desculpe. Por que a pergunta?
- Peter chamou Tenlie de Beatrice. - digo.
Caleb se ajeita na cadeira, surpreso.
- Imagino que Peter seja divergente. Não como Tris, nem tanto quanto você. Mas ele deve ter uma pequena resistência aos soros.
- O teste dele não foi inconclusivo. Foi? - questiono.
- Não, mas ele sempre quis ser da Audácia. A vida toda ele se preparou, se forçou a isso. O seu teste também não foi inconclusivo, não é? - afirmo com a cabeça. - A simulação do medo era mais difícil de resistir, mexe muito com o psicológico. O soro da memória não era tão agressivo.
- Então as pessoas do Departamento, as puras, também vão recuperar a memória?
A ideia me apavora e me enche de raiva. Mas também me agrada pensar que David pode voltar e ver que tudo que ele construiu se foi. Não é certo pensar isso, mas sinto que tenho esse direito, depois de ele ter atirado em Tris.
- Não, fique tranquilo. O efeito dos soros é mais forte em forma de gás, por ser absorvido pela pele e pelo sistema respiratório simultaneamente. Não é tão forte quando injetado, vai direto para a corrente sanguínea, então era menos concentrado. - ele explica.- O soro para ser ingerido era o mais fraco, por isso era o que se usava nos teste de aptidão, e no pão da Amizade. No caso do soro da memória, o efeito ainda é forte, permanente dependendo da dose. A não ser que você tenha alguma resistência.
- E o que vai acontecer com ele?
- Se ele realmente não tinha consciência durante as simulações do medo o mais provável é que tenha alguns flashes de memória, mas nada além disso. Posso fazer alguns exames, se ele quiser posso tentar reverter o efeito do soro.
- É possível?
- Ninguém nunca tentou, Quatro. Mas se ele lembra de Beatrice, suas memórias podem ainda estar em algum lugar de seu cérebro. Não se preocupe, apenas diga para ele vir me ver.
Ele tem um domínio surpreendente sobre o assunto.
- Posso ajudar em algo mais? - pergunta.
- Sim, como estão as coisas com Christina? - pergunto e ele se assusta.
Não consigo conter a risada. Ele é genial, mas ainda é totalmente desajeitado.
- Desculpa, não queria constranger você. - digo, ainda rindo. - Na verdade, eu queria saber como funciona o sistema de segurança dos laboratórios. Teve alguma falha recentemente?
- Não, nunca falhou. Todos os laboratórios e cofres só podem ser acessados por quem trabalha aqui, em áreas específicas. - ele garante.
Nos despedimos e deixo sua sala. Antes de ir embora, entro no Memorial da Revolução de Chicago, para ver as fotos de meus velhos amigos e de Tris. Fico feliz que Caleb tenha transformado a antiga sala de Jeanine em um lugar que honra os nossos esforços para combate-la. Ele esteve dos dois lados da batalha e, no fim, escolheu o nosso. Ele fará bem a Christina.
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Descendente
AventuraAlguns anos após o final de Convergente, Tobias encontra outra motivação para seguir sua vida e passar adiante tudo que aprendeu com Tris sobre ser corajoso, altruísta, inteligente, honesto e bondoso. Não é sobre genes, é sobre querer ser alguém bom...