Capítulo seis - Tobias

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Preciso segurar o impulso de acordá-la, apertá-la contra meu peito e dizer qualquer coisa que a faça sorrir, seu sorriso é igual ao de Tris. Mas não quero acordá-la tão cedo, deixo que descanse e, faltando meia hora para nossos convidados chegarem, abro a porta de seu quarto. 

Entro silenciosamente, abro as janelas o suficiente para iluminar um pouco o ambiente. Agacho-me perto da sua cama e a observo. Ainda não acredito que ela é real e que consegui ser tão feliz depois que tudo o que passamos. Mas ela está bem aqui, nossa filha, com dezesseis anos. Ela é linda, pode parecer delicada, e é quando quer, mas é como uma tempestade. Se Tris era uma chama, Tenlie é um raio. Linda, forte, poderosa e, em meio a chuva, ilumina o céu escuro. Preciso de mais dessa energia, então a abraço. 

- Bom dia, aniversariante. Vamos acordar, não vai querer perder o banquete. 

Ela abre os olhos lentamente, eles me encontram e ela abre o sorriso que espero ver toda manhã, quando acordo. Se as partes do corpo tivessem facções seus olhos seriam da Audácia, sua voz seria da Abnegação e seu sorriso teria divergência entre Franqueza e Amizade.

- Bom dia, pai. - responde me abraçando. Pai. 

Deito-me ao seu lado na cama e observamos o teto branco com pinturas cinzas. É cheio de figuras que ela e Victória, filha de Amah e George, fizeram juntas.

- Vocês duas iriam para a Amizade. - afirmo. 

- Ah, nada  ver! A gente só gosta... ficou bom, não ficou? 

No desenho vejo alguns prédios, nuvens e pássaros saindo delas. Quase escondidos em meio a ilustração, estão os símbolos das cinco facções. Uma árvore, afastada dos prédios; um olho na janela de um deles; uma chama no lugar do sol; mãos em uma nuvem; uma balança no canto oposto. 

- Já que não posso fazer uma tatuagem... - ela diz me cutucando com o cotovelo - tatuo o teto.

Ignoro seu comentário com um sorriso no rosto. Agora ela tem a mesma idade que eu e Tris tínhamos quando nos tatuamos, deixarei que ela faça o mesmo. Mas guardo isso comigo por mais um tempo, é divertido vê-la tentar. E ela nunca desiste. 

- Se arrume, eles já vão chegar. - aviso. - Sem filhos hoje, apenas nós. Já que amanhã serão apenas vocês. 

Ela sorri outra vez, e eu a acompanho no gesto. Levantamo-nos e vou para a sala enquanto ela se arruma. 

*  *  *

Christina é a primeira a chegar, como o esperado. Elas conversam sem parar sobre a emoção de fazer dezesseis anos na época em que éramos jovens. Para mim não era nada demais, Abnegação não comemorava nem os aniversários. Mesmo que o fizesse, na minha casa não seria assim, mas pelo menos foi um ano que me deu esperanças e logo, liberdade. 

A sala está cheia de pessoas, nossa família, e a mesa está cheia de diferentes pratos, que eles trouxeram para que tenhamos nosso Dia da Escolha na hora do almoço. É divertido, damos muitas risadas e contamos histórias da Audácia para Tenlie. Ela pede que lhe expliquemos como era o complexo, como chegar a cada lugar e onde passávamos mais tempo. Já lhe dissemos tudo isso antes em várias ocasiões mas hoje, somos pais preocupados e desesperados para que ela saiba tudo sobre aquele lugar. 

Antes de irem embora, Shauna sussurra algo no ouvido de Tenlie e aponta para a geladeira. O bolo. Claro que conseguiríamos o bolo. Shauna está bem, caminha sem problemas graças a ajuda de Caleb e Gabe, o outro cientista que agora é marido dela. Nunca pensei que ela poderia suportar alguém da Erudição mas o amor supera tudo. Despeço-me dela com um abraço apertado, estamos carregando a mesma alegria e o mesmo nervosismo por nossos filhos. 

Tenlie entra animada na caminhonete, observa Chicago pela janela com olhar de admiração, enquanto vamos para o Departamento de Agricultura, perto do complexo que Caleb administra. Fiz as pazes com ele muito tempo antes de Tenlie nascer, mas perdoar,  superar o que aconteceu, sinto que é diferente. E que não sou capaz disso, ainda. Mas ele é um bom tio e vejo que faz bem para ela passar um tempo com ele. Faz bem para os dois e, apesar do que sinto sobre isso, sei que Tris ficaria feliz de vê-los assim. Despeço-me dela e vou para o trabalho.

*  *  *

Espero os dois na recepção, Tenlie sai quase saltitante do elevador mas com os olhos inchados, Caleb também parece abalado. Ele acena com a cabeça e ela envolve minhas costas com os braços, pressionando o rosto contra meu peito, mas está sorrindo então não me preocupo. Conversamos um pouco sobre como ela está linda e é inteligente. Ela nos faz rir e o clima fica leve, como uma família deveria ser. Sei que vou alegrá-la se fizer isso. 

- Caleb, gostaria de jantar conosco? - convido e sinto o sorriso dela aumentar, com o rosto apoiado em meu braço. 

*  *  *

Estamos os quatro sentados à mesa, conversando e dando risada. Estou de frente para Tenlie, como sempre. Evelyn está ao meu lado e Caleb ao lado de Tenlie, seu olhar admirado preso a ela. Só consigo imaginar o sorriso que estaria no rosto de Tris ao comer a comida da minha mãe enquanto contamos histórias da Abnegação para nossa filha. Vejo seu sorriso nela e o peso do meu peito de dissipa. Somos a família que devemos ser, estamos felizes e nada mais importa. 

Minha mãe corta o bolo e entrega o primeiro pedaço a Tenlie. Todos a encaramos, esperando que ela dê a primeira mordida. Começo a bater as mãos na mesa, em expectativa, da mesma forma que Tenlie faz comigo quando estamos conversando sobre algo importante. Ela dá a primeira mordida e seus olhos brilham. 

- É a melhor coisa que já comi! 

Comemoramos com mais entusiasmo que uma fatia de bolo merece e Evelyn corta mais pedaços. Quando os dois vão embora, já são quase dez da noite. Ficamos no sofá, ela aninhada ao meu lado, com a cabeça no meu ombro. Levanta-se de repente e lança seus olhos contra os meus. Não sei o que esperar, para ser sincero. 

- Preciso contar uma coisa. - começa e me apavoro. Será que ela tem um namorado? - Não fique brabo. - Ela tem um namorado. - Eu já sei qual facção escolheria.

Não é um namorado! Obrigada seja lá quem for que cuide desse mundo. Ela sorri nervosa e balanço a cabeça, incentivando-a a continuar. 

- Audácia. 

É claro que sim. Ela é da Audácia, deveria ter nascido na Audácia, é a garota mais resistente e corajosa que conheço. Seu nome é dez mas acredito que se fizesse uma simulação da paisagem do medo com ela, teria no máximo dois. Talvez nenhum. Nunca farei isso com ela, não só por que a produção dos soros foi proibida, mas porque não teria capacidade de colocá-la naquela situação desesperadora. Ela disse que entende, mas sei que tem curiosidade. Ela me observa, sorrio e ela continua. 

- Decidi pela Audácia porque você e a mamãe escolheram, e vocês são divergentes.

- Não sou divergente. 

- Que seja, você era. Aqui dentro de Chicago, você era sim. - ela faz uma pausa e entendo. - Eu também sou. 

- Como descobriu? - pergunto já sabendo que foi Matthew. Ela queria saber e quando não cedi, ela foi atrás da pessoa que a ajudaria a descobrir. 

- Está brabo? Desculpa, eu realmente pretendia contar, foram só dois dias sem ser honesta. 

Sorrio e a abraço. Ela sempre acha um jeito de me deixar cada vez mais orgulhoso. 

DescendenteOnde histórias criam vida. Descubra agora