Nos afastamos do centro da cidade e passado algumas quadras, saltamos. Caminhamos por mais uns cinco minutos, sem conversar muito, até que chegamos em uma rua totalmente escura. Fernando nos guia para um dos prédios, onde entramos por uma armação de ferro que algum dia foi uma porta de vidro. Enquanto tento não pisar nos cacos espalhados pelo chão, vejo uma luz fraca vinda dos fundos do saguão. Saindo das escadas, uma garota loira se aproxima. Ela veste um vestido justo preto e botas e carrega um copo de plástico nas mãos.
- Oi! Que bom que vieram!
Ela diz de maneira exageradamente sorridente. Mas não é o tipo de sorriso que se vê em alguém da Amizade. Seu olhar se volta para mim e ela se aproxima. Sua boca mantém o sorriso, mas seus olhos me analisam.
- Não conheço você. - ela diz, tentando ser divertida.
- Soube que você é nova na cidade, então faz sentido. - devolvo sem forçar simpatia alguma. - Sou Tenlie.
Ela dá outro sorriso vazio de qualquer animação.
- Claro. A filha de Quatro. - afirmo com a cabeça. - Estava começando a pensar que fossem só historinhas sobre você, ninguém mais a viu.
- Andei ocupada. Trabalhando na delegacia.
Seu sorriso desaparece do rosto e consigo relaxar. Ela se volta para o resto do grupo e para seu olhar em Fernando.
- Aproveitem a festa. Podem subir, fizemos uma fogueira no segundo andar. - ela olha para mim novamente e sorri. Ao passar por nós, apoia a mão no braço de Frank, e então deixa o prédio.
Caminhamos até as escadas. Visto minha jaqueta para tapar a tatuagem, prefiro não ficar me explicando para desconhecidos curiosos. Chegando no segundo andar, percebo que o prédio é uma grande garagem vertical. Um grupo de jovens corre e salta por cima de cones de sinalização quebrados, se exibindo orgulhosos de seu saltos. Eles nem imaginam que acabamos de pular de um trem em movimento. No outro lado do ambiente, alguns bancos circundam uma fogueira, onde há mais jovens com copos de plástico.
- Como conheceram essa garota? - pergunto.
- Fernando a conheceu na biblioteca, eu acho. Ela estava conhecendo o lugar, parece interessada em trabalhar nos laboratórios. - responde Frank.
Claro que ela é Erudição. Olho para Victória, que caminha um pouco a frente de nós, ao lado de Fernando. Olhando em volta, percebo que não temos muito em comum com essas pessoas ou com essa festa. Mas logo Fernando e Victória se misturam, Frank os acompanha sem tanta empolgação. Eu fico sentada com Marlynn em um dos bancos, observando aos outros se divertindo. A garota loira voltou, com um garoto bem alto e musculoso que carrega caixas pesadas, da onde tiram mais garrafas de vidro.
- É chato ser o mais novo, sou o único que não pode beber. - reclama Marlynn.
- Legalmente falando, ninguém aqui pode. - respondo, tentando animá-lo. - Mas se você bebesse eu seria a única que não bebe. Isso sim seria chato. - consigo arrancar dele um sorriso. - Porque acha que eles quiseram vir? Isso aqui não tem nada a ver com eles.
- Acho que eles queriam tentar algo novo. - responde dando de ombros. - Ser o tipo normal de adolescente rebelde.
Damos risada pensando em todas as loucuras que já fizemos.
- Por onde você esteve? - pergunta ele com a voz calma e baixa.
Volto meu olhar para ele e percebo que sua expressão é de carinho e preocupação. Marlynn é jovem mas tem a inteligência e sensibilidade que muitos adultos não conseguem ter. Dou um sorriso fraco, pensando em como responder sem mentir.
- Acho que... tinha problemas que eu queria tentar enfrentar sozinha. - ele balança a cabeça sorridente. - Mas está tudo bem agora.
Somos interrompidos por Fernando, que se joga em nossa direção com um sorriso largo no rosto. Seus olhos estão bem abertos mas nem um pouco alerta.
- Tenlie! Eu senti sua falta. - diz ele quase gritando.
- Você está bêbado? - pergunto, Marlynn dá risada.
Frank se junta a nós um pouco preocupado, mas ainda se divertindo com a situação. Talvez eu achasse engraçado também, se não conhecesse Fernando. Ele é inteligente e se apega muito a isso, sempre dá sermões sobre ser responsável e implica com o que eu faço. Age como se fosse o dono da moral e agora está totalmente aéreo.
- Ele não bebeu mais que um copo, e comeu alguns biscoitos. Não tem como estar bêbado. - explica Frank.
- Biscoitos? Virou festa de criança? - questiona Marlynn.
- Eu não sei o que aconteceu, Tenlie. - diz Frank com calma, enquanto segura Fernando para que fique parado.
Estou tão confusa com a situação de Fernando, e ao mesmo tempo irritada, que não percebo Victória chegando e parando ao lado do nosso banco. Pela primeira vez, ela sorri para mim e apoia a cabeça no ombro de Marlynn, jogando peso demais contra ele. Ela segura um copo em uma mão e um biscoito na outra. Fernando volta a falar alto, dessa vez relatando a alegria de ter Frank junto ao nosso grupo. Victória o observa, com um sorriso no rosto. Arranco o copo e o biscoito de suas mãos e levanto.
- Chega, vamos embora. - digo puxando Fernando pelo ombro. Frank o segura pelo outro lado.
Marlynn e Victória nos seguem, felizmente ela não está tão bêbada e consegue andar e conversar normalmente. Enquanto cruzamos o ambiente, em direção a saída, a garota loira nos segue.
- Já vão? Está tão cedo! - ela olha para Frank enquanto fala. - Venham amanhã, faremos outra reunião. Vai ser diferente dessa, mas bem mais divertida. - ela volta seu olhar para mim. - Algo mais no estilo da Audácia.
- Com certeza, Julia. Até amanhã. - diz Victória dando-lhe um abraço.
Tento engolir minha raiva e seguimos para fora do prédio. Marlynn caminha a nossa frente com uma lanterna, para que não tropecemos enquanto andamos pelas ruas escuras. Quando chegamos aos trilhos, Victória parece um pouco mais desperta. Um trem se aproxima e não temos ideia de como pôr Fernando dentro do vagão.
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Descendente
AdventureAlguns anos após o final de Convergente, Tobias encontra outra motivação para seguir sua vida e passar adiante tudo que aprendeu com Tris sobre ser corajoso, altruísta, inteligente, honesto e bondoso. Não é sobre genes, é sobre querer ser alguém bom...