Capítulo dez - Tenlie

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Seguimos juntos pelo corredor. Fernando na frente, por ser o melhor em luta, Marlynn logo atrás, pelo mesmo motivo, eu e Victória atrás deles, por estamos com as facas, e Frank entre nós. Geralmente, nossa prioridade seria proteger Marlynn, por ser o menor, mas hoje temos um convidado inexperiente. Temos que defendê-lo caso ele não seja capaz de fazê-lo sozinho. 

O complexo está totalmente silencioso. Nosso objetivo é tentar descobrir algo no caminho em direção a saída. Entramos no refeitório que está vazio, mas noto que uma mesa está suja. 

- Já tinha uma lata de comida ali antes? - pergunto, já sabendo a resposta. 

Nossos pais nos ensinaram mais do que saber lutar, precisamos ser observadores para ver quando há algo errado acontecendo. Fernando se aproxima da mesa e pisa em uma ervilha caída. Se a lata tivesse sido esquecida aqui, no dia em que a Audácia esvaziou o complexo, não haveria mais qualquer resto de comida. Muito menos em bom estado como as ervilhas que restaram na lata. Alguém acabou de almoçar aqui dentro. 

Fernando lança um olhar severo para mim e depois olha para Marlynn. Sei o que ele quer dizer, talvez precisemos de uma arma. Entrego uma das minhas facas em sua mão, por segurança. A sala de combate não é muito longe e o caminho estava vazio até aqui. 

- Nos encontre na escada. - digo e ele sai correndo da forma mais silenciosa que consegue. - Vamos indo para a escada, ele nos encontrará lá. - começo a andar para fora do refeitório mas sou parada. 

Victória segura meu braço e olha para cima. Alguém precisa desligar as luzes. Puxo Marlynn para mais perto e sussurro para apenas que eles possam ouvir. 

- Fernando foi buscar uma das armas na sala de treinamento. - os dois arregalam os olhos, segurando-se para não falar nada. - Eu sei, mas é só precaução. E pelo que vi, não tem munição alguma por aqui. Vão até a escada e esperem por ele com as lanternas, vou desligar os geradores. 

Eles balançam a cabeça. Provavelmente é só alguém da Margem que veio se abrigar aqui, mas temos que ser cuidadosos. 

- Cuidem de Frank, já encontro vocês. 

Deixamos o refeitório, ao sair do corredor eles seguem em direção a escada, e eu vou para o lado oposto. A sala dos geradores é nesse mesmo andar, mas tenho que caminhar bastante. O nervosismo toma conta de mim, decido não correr para não fazer barulho. Caminho com uma mão perto da cintura, onde estão minhas facas. Pego a pequena lanterna no meu bolso traseiro e a coloco no da frente, me sinto mais segura com tudo perto das minhas mãos. 

Chego na sala dos geradores, após alguns minutos de caminhada, e os desligo. Agora só preciso atravessar o complexo até as escadas e iremos embora em segurança. Estou passando pelo mesmo corredor da onde vim, mas não me permito distrair. Caminho apressada, com a lanterna em uma mão e uma faca na outra. O Fosso não está totalmente escuro, há algumas aberturas no teto e, no meio do caminho, já é possível ver a luz entrando pelo teto de vidro. Mas ainda preciso caminhar bastante. De repente, noto a presença de alguém, tentando se esconder em um corredor. Paro de caminhar e falo, sem olhar para a figura que me observa: 

- A chance de eu machucar você diminuirá se você sair daí. - ameaço, sem demonstrar qualquer emoção além de confiança. 

Ouço sua respiração vacilante até que dê o primeiro passo. Jogo a luz da lanterna em sua direção e vejo um homem, que deve ter entre sessenta a setenta anos, de cabelos brancos raspados e olhos azuis. Ele é um pouco mais alto que eu, mas parece fraco. Toco minha cintura, sei que conseguirei me defender dele em uma luta ou lançando as facas contra ele. 

- Quem é você e o que faz aqui? - pergunto. Procuro me manter na posição de quem controla a situação e o rumo da conversa.

- Sou... desculpe, sei que não deveria estar aqui eu só... você é filha do Tobias? 

Ele conhece meu pai, talvez tenha algum envolvimento com os adversários de Johanna. Talvez apenas o tenha visto em alguma notícia e me ache familiar de alguma forma. Ele veste roupas puídas e sujas, parece estar realmente se abrigando aqui. Mas existem programas para alocar pessoas na cidade, não há porque se esconder nesse lugar. Tento não revelar nada sobre mim, mas uso o outro nome do meu pai, que causa mais respeito devido a sua história. 

- Não conheço Quatro pessoalmente. - hoje, não sou honesta. Minha prioridade é sair daqui com meu amigos, em segurança. - Mas gostaria de conhecer o senhor. Quem é você e o que faz aqui? - agora, tento soar irritada. Não para assustá-lo mas para mascarar meu nervosismo. 

- Perdão. Eu estou me abrigando apenas. Não podia esperar até o programa de realocação me designar a uma casa, precisava deixar a Margem logo. Os rebeldes estavam destruindo as casas dos inscritos no programa e forçando-os a desistir. 

Deixei Chicago apenas uma vez, quando meu pai precisou substituir Johanna em uma reunião governamental. Vi como é um lugar horrível para se viver, e já foi muito pior. Os rebeldes ainda existem, mas não entendo o que querem. Chicago é aberta para todos, eles poderiam viver aqui se quisessem. 

- Conheci To... Quatro, quando ele esteve fora de Chicago. Fazem muitos anos, não deve se lembrar de mim, mas me lembro bem dele, é um homem importante. Sei que você é filha dele, se parecem muito, mas não consigo imaginar quem é sua mãe. 

Ele estica a mão para mim, a outra esta estendida ao lado do corpo, mas não há volume de qualquer arma em sua cintura. Sua respiração está mais calma e ele não parece se sentir ameaçado. Me vejo sem saída, ele conhece meu pai. 

- É a Tris mesmo, a ciência esteve a nosso favor.- respondo apertando sua mão. - Sou Tenlie.

- Fascinante. Meu nome é Marcus

Ele me observa, deve estar impressionado com o fato de minha mãe ter morrido há vinte anos e eu estar aqui, obviamente com menos de vinte anos de idade. 

- Por favor, não conte a ninguém que estou aqui. É temporário.

- Certo... eu preciso ir. - preciso fugir dessa conversa. Morar aqui é proibido, não quero ser cúmplice de um estranho. 

- Não conte nada a seu pai, ele seria obrigado a avisar alguma autoridade e eu perderia meu único abrigo. Por favor. 

Ele está certo, mesmo que meu pai queira ajudar quem precisa, ele não pode ficar de braços cruzados quando alguém faz algo proibido. Faz parte do seu trabalho e ele precisa ser honesto com as pessoas da cidade e do governo, se quiser ser líder algum dia. 

- Apenas você mora aqui? - pergunto, para saber se alguém poderá me atacar ou aos meus amigos. 

- Apenas eu. Juro. 

Aceno com a cabeça e saio correndo. Chego as escadas já sem ar, meus amigos me esperam, todos lá, seguros. 

- Por que a demora? - pergunta Fernando, impaciente. 

- Porque está levando a arma com você? - rebato irritada. 

Ele bufa e se afasta de mim, assim é melhor. Tenho um segredo e não poderei contar a ninguém, se contar, Marcus perderá seu único refúgio. Sou mais da Abnegação que da Franqueza. 

DescendenteOnde histórias criam vida. Descubra agora