Prólogo - Três Cartas

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- Tio, Logan! Eu já posso tirar as rodinhas da minha bicicleta!

Com um sorriso carinhoso, Logan abaixou o olhar até sua pequena e saltitante sobrinha, cujo enorme sorriso no rostinho animado era nada menos do que contagiante. Organizando mais uma travessa cheia de comida na enorme mesa de madeira no meio do jardim da casa de seus pais, ele inclinou-se um pouco até Eleanor, acariciando gentilmente os cachos escuros que balançavam enquanto ela pulava alegremente.

- Eu fico feliz em ver você assim tão confiante, querida. – ele sorriu orgulhosamente, ainda que uma parte dele estivesse confuso com aquela determinação repentina - O que aconteceu para fazer você ter tanta certeza assim de que está pronta?

Desde que ele dera à Ellie sua primeira bicicleta, um presente por seu aniversário de 5 anos, dois meses atrás, ela tinha ficado igualmente obcecada e aterrorizada com a ideia de tirar as rodinhas de apoio – especialmente depois de quase cair várias vezes, mesmo as usando. Durante semanas, toda a família tinha se revezado para continuar a ensiná-la e tentar deixa-la mais confiante em seu novo brinquedo, mas sua sobrinha parecia cada vez mais convencida de que nunca seria capaz de andar de bicicleta como as "garotas grandes" – e estava desolada por isso. Ou pelo menos estivera desolada, já que agora, com suas adoráveis covinhas à mostra e as mãozinhas em cada lado da cintura, Eleanor era a perfeita imagem da confiança.

- As cartas disseram que eu não vou cair, se tirar as rodinhas. – Ellie respondeu sua pergunta, dizendo aquelas palavras com tanta naturalidade que ele quase engasgou – Você pode me levar até o parque, tio? Mamãe e papai estão ocupados e...

- Espere, Ellie... – ele a interrompeu, abismado – Quem foi que disse que você podia tirar as rodinhas?

- As cartas, tio Logan. Elas previram o meu futuro. – novamente, a absoluta normalidade com que ela falou aquilo, balançando os pequenos ombros, seria admirável, se não fosse chocante – Quer dizer, elas não disseram isso mesmo, porque elas não falam de verdade... – sua sobrinha explicou em voz baixa, como se estivesse lhe contando uma revelação importante - Mas tinha algo a ver com eu não cair, se me preparasse, e eu passei muito tempo me preparando, então...

- Ellie... – ele a interrompeu, ainda sem acreditar no que havia acabado de ouvir - Como assim "previram o futuro"? Ninguém pode fazer isso.

- É claro que pode, tio. É bem fácil. – o sorriso de Ellie se ampliou, mais animado do que nunca – É só tirar três cartas e então...

- Não, querida, ninguém pode prever o futuro, porque o futuro não é como uma folha de papel, que nós podemos ler. – ele explicou gentilmente para ela, olhando ao redor do jardim da casa de seus pais, imaginando quem de sua família havia dito aquela sandice à pobre criança. Havia poucas pessoas participando daquela reunião tranquila em plena tarde de domingo, por isso não demorou muito até que ele encontrasse a expressão divertida de Paul, parado perto da piscina, com os lábios pressionados juntos como se estivesse tentando conter uma crise de risos. Revirando os olhos, Logan desviou sua atenção do cunhado, voltando a focá-la apenas em Eleanor. Ele não tinha nada contra alimentar fantasias saudáveis durante a infância, como o Papai Noel ou o Coelhinho da Páscoa, mas aquilo de ver o futuro nas cartas já era demais. Ele preferia que um raio o atingisse antes de permitir que sua sobrinha saísse por aí acreditando que pedaços de papelão podiam ditar o futuro dela.

Afinal, sendo uma Knight, infelizmente, ela já estava destinada a perder o poder de decisão o suficiente durante sua vida.

- Ouça, querida, eu não sei o que disseram para você, mas não é verdade. Ninguém tem como saber o que está para acontecer. – ele a pegou no colo, mantendo o pequeno rosto na altura do dele, tentando fazê-la compreender a magnitude da verdade que estava lhe explicando - Cada um é dono de seu próprio destino. – Logan afirmou solenemente, mesmo sabendo que Ellie jamais poderia compreender o quanto ele acreditava plenamente naquilo; ela jamais poderia entender o quanto era necessário que ela acreditasse naquilo com todas as suas forças, se ainda quisesse ter o mínimo de controle sobre sua vida, no futuro – Seja lá quem tiver dito à você que algumas cartas de papelão podem prever o futuro, não passa de um charlatão.

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