3. Sodan

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A mesa da biblioteca só tinha duas cadeiras ocupadas, uma pelo príncipe e a outra pela prima de sua mãe, lady Marya Arrowny. Carregavam livros nas mãos, mas tantos outros a mais estavam espalhados pela mesa. Um deles tinha uma velha capa de couro, com tantas páginas que sua brochura era grossa como um braço. Seu nome era A Enciclopédia dos Animais de Terra Alta, quarta versão por maege Kouth, o título pintado delicadamente em preto. Ao lado estava o Contos da Fé Verdadeira, parte um por maege Zgnarko e em cima dele o Contos da Fé Verdadeira, parte dois também por maege Zgnarko, ambos com lindas capas de tecido que eram muito mais bem trabalhadas em suas costuras e cuidados. Haviam outros também, como o A Conquista do Pescoço e A rainha Artemísia e sua Flor, que contavam momentos históricos e longínquos do reino até lendas que circulavam entre os homens desde os tempos antigos.

O que estava entre os pequenos dedos de Sodan se chamava Construções e Obras Arquitetônicas da Era Dourada, por maege Asteroto. Suas folhas eram grandes como o tronco do menino inteiro, e mesmo com o peso que era carregá-lo, ele estava completamente absorto nas miúdas letras que lia com lentidão e dificuldade. Tinha aprendido a ler há pouco e mesmo assim devorava páginas e mais páginas dos livros que o castelo real tinha em sua biblioteca. Não era uma prática de pessoas comuns e poucos sabiam ler, mas o príncipe achava incrível tudo o que já havia descoberto naquelas velhas e amareladas páginas e ansiava pelo que mais poderia encontrar onde ninguém procurava. Estava em uma página que contava a história da sua casa, o castelo real de Montanhalta, a obra construída no mais alto pico da Cordilheira das Lanças por ordem de Gorgodan o Alto. O autor havia reproduzido em tinta preta em traços uma cópia do castelo visto do Passo, no começo da montanha. Era incrivelmente delicado em seus miúdos detalhes, desde a enormidade das pedras que erguiam suas paredes até as sete torres.

"O primeiro protetor era um gênio", disse o menino de súbito, como se falasse consigo mesmo enquanto contemplava o desenho.

Marya tinha o livro Chás e suas Propriedades curativas, por maege Vintoris nas mãos. Ela marcou a página sobre o poderoso chá afrodisíaco de damiana que lia para responder ao príncipe. "O protetor Gorgodan foi um dos homens mais lendários de sua época, príncipe. Vivemos o seu legado."

"Mas não foi porque era o mais alto dos altos nem porque subiu mais alto que todos. Ele era um estrategista. Foi por causa dos selvagens. É o que está escrito aqui! Daqui de cima os homens de Gorgodan conseguiam ver o que faziam os selvagens, e como eles se organizavam em batalhas e em suas aldeias. Foi mais fácil vencer!"

"O Montanhalta é com certeza o castelo mais bem posicionado de todo o continente. Não há como ninguém chegar aqui sem que percebamos quilômetros antes", concordou Marya.

"Mas também é muito alto e perigoso. Mesmo assim as montanhas foram o único lugar seguro para os que chegaram no continente. Isso não é fantástico? Moramos em uma das primeiras conquistas da nossa história!", ele disse extasiado pelo conhecimento.

Era sempre uma surpresa a perspicácia do príncipe. Com um sorriso carinhoso no rosto, Marya deixou o livro dos chás em cima da mesa e se levantou da sua cadeira para ir até onde o menino estava sentado. Ela se encostou na mesa, bisbilhotando as páginas que ele lia.

"E o que mais há aí dentro, príncipe?"

"Muito mais! Você sabia que mais de duzentos construtores morreram de exaustão durante as vinte e três estações que demoraram para terminar todo o castelo? O autor diz que até mesmo quando escrevia esse livro, tanto tempo depois, nem todos os homens estavam adaptados a viver tão perto do céu e alguns bebês nasciam já mortos. Poucos respiravam bem, geralmente só cavaleiros. Ele estimava que se viriam mais duas ou três gerações para que isso fosse uma realidade entre todos."

O Rei dos ReisOnde histórias criam vida. Descubra agora