13. Sodan

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O príncipe não chorou quando descobriu da morte do Rei porque todas as lágrimas que tinha para dar já haviam caído na noite anterior, no que ele achava ser o seu último adeus. 

O seu sonho com o avô tinha algo de fantasioso, ele percebeu depois, mais do que uma verdadeira despedida, mas uma mensagem de esperança e companhia. Onde quer que Solidor estivesse, o menino sabia que o acompanhava de perto. Sentia o alívio daquela verdade em seu peito, aberto e amanhecido com vigor, e mesmo quando olhou pela última vez para o rosto de seu avô em sua mortalha bordada em fios de ouro não se sentiu mal como quando o viu no quarto. Não havia o terrível cheiro de antes, pois o corpo havia sido banhado e havia tantos incensos acesos, enchendo o ar do cheiro de ervas. No fim, o Rei parecia até bem, e o príncipe podia imaginar o motivo. Era como se ele e o avô compartilhassem um último segredo - o da sua visita - e nenhum outro do castelo tinha a cabeça tão leve do pesar da partida quanto o menino. Em contrapartida, durante toda a iniciação da cerimônia de enterro do Rei, os lordes e ladies do castelo sofriam em silêncio, cabeças baixas em respeito e mãos unidas em prece conjunta, tal como sua mãe, trajada de vestido preto de luto, que nada dizia enquanto as palavras sagradas eram proferidas pelo grande sacerdote.

A cerimônia aconteceu na Basílica dos Sete, o maior e mais antigo templo de todo o reino. Sua construção era de antes do Império, suas primeiras obras ordenadas pelo terceiro protetor, tendo ficado totalmente pronto só anos e mais anos depois. Seu formato era o de uma enorme doma, com sete torres distribuídas em seu diâmetro e de cada uma delas saía uma ponte que guiava até uma oitava torre, no centro, alta como as do castelo real. As torres representavam os sete deuses, Sodan sabia, e a oitava torre era onde ficava o sino que simbolizava o caminho até eles. Do lado de dentro, embora repleto de corredores e labirintos de andares, o espaço central do templo era uma grande área quadrada com bancos espalhados pelos quatro cantos, ocupados pela corte e a nobreza do reino que estava na cidade real. O corpo do Rei estava no centro do templo, onde podia ser contemplado por todos que estivessem em volta e também guardado pelas estátuas dos sete deuses. Elas estavam em volta do círculo central do templo, metros acima do chão, todas cinzas de pedra, cada uma com apenas um objeto que trazia suas cores.

A Matriarca era representada por uma mulher de idade e corcunda. Seu rosto de pedra cravado de rugas e seus olhos pesados de preocupação estavam focados no pequeno bebê que ninava no colo, representando os primeiros homens, pelo qual ela chorava uma gorda lágrima de pedra anil. Ao seu lado estava o Senhor, um homem com armadura, capacete e uma espada azul, completamente armado para o combate, mas sua arma estava fincada no solo e não em batalha, selando a guerra e trazendo justiça. O Sábio era a terceira estátua, um deus misterioso e poderoso, que atiçava a curiosidade de Sodan mais do que qualquer outro. Ele era o mais inteligente dos sete, o percursor da medicina e ciência, responsável por todo o conhecimento dos homens, o patrono dos maeges, e nunca foi visto esbanjando adereço nenhum senão sua máscara feita de esmeralda que cobria totalmente o rosto, escondendo sua verdadeira expressão e mantendo sua identidade um conhecimento apenas para os deuses.

Além dele estava o amarelo, o Colhedor, mestre da natureza e das colheitas, deus da fartura dos nobres e da sobrevivência dos plebeus. Usava um chapéu largo contra o sol na cabeça e vestia uma longa túnica no corpo, segurando sempre na mão direita uma flor de trigo amarela como ouro. Ele era seguido pela quinta estátua, a Donzela, dona da beleza e feminilidade, pureza e inocência feminina, uma deusa vivida e amante. Seu corpo era muito mais trabalhado que o das estátuas anteriores, repleto de curvas de sensualidade, mas seus imos eram guardados por um lindo véu trançado de cor violeta que cobria todo o seu corpo com leveza. Em seguida e fechando o círculo de estátuas estavam os últimos dois deuses, o Carniceiro e a Mensageira. Suas estátuas tinham um cuidado que as outras não tinham, eram visivelmente mais recentes que as demais e em seus pés de pedra entalhada estavam oferendas em grande número, como jóias das mais variadas formas e tamanhos, velas e mais velas, espadas, moedas de ouro puro e até mesmo objetos importados de grande valor, como tecidos do outro continente.

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