Aquele era provavelmente o dia mais feliz da vida da princesa.
Nem mesmo Celes lhe dando ordens como se fosse a mãe ou o caos que se tornou a sua volta depois do brutal duelo entre seu irmão e o príncipe Maverick foram capazes de tirar o deleite dos olhos infantis da menina que via quase tudo pela primeira vez. O torneio era um grande sonho para todos, mas era especialmente para ela, porque tudo o que via tinha seu encanto único. Tendo vivido até então entre quatro paredes aquela liberdade toda era um presente e uma emoção impossível de se controlar que sequer cabia em seu corpo pequeno.
Ela queria que Darlo estivesse junto ao seu lado, para rirem do vestido ridículo que era obrigada a usar e para se dividirem juntos naquele grande momento. Finalmente a menina podia estar junto de sua família do lado de fora das muralhas, como a princesa que era, sem precisar se esconder em capuzes e sussurros, e isso era um presente sem igual. Não que detestasse as aventuras secretas que tinham, porque a verdade era que as adorava, mas sabia do peso da mentira e da fuga, e o que sentia naquele dia era diferente da adrenalina. Era alegria, sem dúvidas, e muita vontade de viver.
Ansiosa por cada momento do torneio, a princesa se mantinha pendurada no parapeito de madeira da arquibancada real como estava desde o início do duelo dos príncipes. Mesmo durante a competição de arquearia, modalidade seguida logo após a abertura do torneio que fazia pouco sucesso na lábia dos nobres, a princesa dedicou sua torcida fervorosamente. Ela adorava arco-e-flecha, como adorava seu irmão Lauro, e inspirava-se nele em seu desejo de aprender aquela arte e em tantas outras coisas, como nos gostos pessoais. Eram parecidos fisicamente, porque diziam que tinham puxado mais à mãe do que as características Ronso, e ela mesma acreditava naquilo com convicção.
Seu amor por Lauro, entretanto, não foi suficiente para que ela notasse a sua ausência naquelas circunstâncias. Na verdade, nem mesmo quando sua irmã saiu desesperada da arquibancada Agyne se deu conta. Nada era mais importante do que contemplar o que se passava na vasta arena. Poucos lordes vibravam com os acertos, porque não davam a mínima, mas a princesa não se continha em gritos de alegria e suspiros de surpresa quando os alvos eram transpassados pelas setas em grandes disparos, principalmente quando era o cavaleiro sem bandeira quem demonstrava suas habilidades.
O cavaleiro não tinha emblema nem cores, usava uma armadura simples e um capacete de soldado que escondia seu rosto, mas a maestria com que manuseava o arco era majestosa. Havia se tornado o preferido da menina, seu campeão escolhido, porque carregava consigo um mistério convidativo e habilidade de sobra para se admirar. Errou uma única flecha para a esquerda que quase cegou um homem na platéia, um acidente comum em torneios como aquele, mas em todas as outras rodadas o homem conseguiu a melhor pontuação possível com seu desempenho quase impecável.
Dentre os poucos competidores, porque a premiação era quase simbólica e não havia nenhuma grande honraria em vencer na arquearia entre os primeiros homens, o cavaleiro sem bandeira foi o vencedor e saiu com seus poucos thimens de recompensa e os aplausos de ainda menos pessoas. A criança contava por dez, naturalmente, porque estava incontrolável de excitação. Ela saudou com afinco a saída do vencedor como um homem do sul que defende sua própria honra.
Após o fim da modalidade, o lorde Reer anunciou um intervalo para que fosse preparada a arena para receber o início da primeira chave de justas. Aquela, sim, era a modalidade mais aguardada de todo e qualquer torneio. Um grande como aquele, que duraria sete dias, tinha dividido as disputas para que ocorressem todos os dias, agradando aos lordes e convidados com o deleite que tanto queriam. Para a princesa, esperar mais era demais para aguentar, porque mal conseguia se conter sem se mexer.
Nunca tinha visto uma justa senão as pintadas em quadros, como acontecia com a maioria das coisas que a menina havia sido privada de viver enquanto trancada em seu quarto e castelo.

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O Rei dos Reis
FantasyEm uma terra onde as bruxas foram caçadas até o seu fim e a governança dos homens foi concretizada, os mistérios estão apenas começando. No centro desses segredos estão as famílias Heiral e Ronso, a águia e o urso, dois dos mais antigos clãs do povo...